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O uso de tecnologias assistivas no ensino superior vai além de dispor de material em braile, conquista professores e garante a autonomia dos alunos com deficiência visual por Rubia Steffens O atendimento ao aluno com deficiência no ensino superior pode se iniciar com a oferta […]
O uso de tecnologias assistivas no ensino superior vai além de dispor de material em braile, conquista professores e garante a autonomia dos alunos com deficiência visual
por Rubia Steffens
O atendimento ao aluno com deficiência no ensino superior pode se iniciar com a oferta de vagas suplementares e deve avançar na promoção de adequações curriculares e disponibilização de instrumentais adequados à necessidade do estudante, como as tecnologias assistivas.
Esse foi um dos temas que permearam a programação do I Seminário de Tenologia Assistiva e Cidadania da Pessoa com Deficiência Visual, realizado em Florianópolis, no começo de setembro. O evento foi promovido pela Federação Catarinense de Entidades De e Para Cegos (FeCEC) e a Associação Catarinense para Integração do Cego (Acic) e contou com a participação de pessoas ligadas a diferentes setores da sociedade.
Sistema de colaboração
No ensino superior a inclusão é feita pelos serviços de atendimento às pessoas com deficiência, com a participação de professores, bolsistas e colaboradores da instituição. Em algumas instituições esses setores são chamados de Núcleos de Acessibilidade, que oferecem as condições necessárias para que o aluno possa estudar com autonomia. Dentre os serviços a serem disponibilizados inclui-se a digitalização de materiais disponíveis somente em meio impresso, a adaptação e impressão de conteúdo para o braile, gravações em geral, entre outras possibilidades que, necessariamente, advêm do atendimento individualizado ao aluno. Recursos tecnológicos como computadores, gravadores, linhas braile, entre outros, também podem ser fornecidos.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, publicada em 2008, indica a necessidade de execução de ações que promovam o acesso, a permanência e a participação dos alunos nas atividades educacionais no ensino superior. Tais ações envolvem acessibilidade em diferentes instâncias: arquitetônica, de comunicações, do acesso aos sistemas de informação, da adequação dos materiais didáticos e pedagógicos, envolvendo atividades de ensino, pesquisa e extensão. Esse é o contexto em que se consideram as tecnologias assistivas como agente educacional, pois são recursos que, além de acesso à informação, promovem autonomia do aluno frente à comunidade acadêmica.
As tecnologias assistivas
De acordo com o Comitê de Ajudas Técnicas, instituído em 2006 pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, as tecnologias assistivas incluem “produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social”.
Na concepção de recursos utilizados se enquadram os aparatos tecnológicos (software e hardware) propriamente ditos, que costumam levantar questionamentos sobre a separação das tecnologias assistivas das demais, que compõem a vida de qualquer pessoa nos dias atuais. O questionamento foi considerado justo pelos participantes do seminário em Florianópolis porque pessoas com deficiência visual, por exemplo, utilizam smartphones, tablets, computadores, impressoras, que precisam conter interfaces que viabilizam a acessibilidade da informação e da comunicação. A separação foi explicitada pelo professor Paulo Ross, do Departamento de Planejamento e Administração Escolar da Universidade Federal do Paraná (UFPR). O professor explicou que tais instrumentais possuem uma linguagem específica e por isso precisam passar por algum tipo de adaptação para serem utilizados por deficientes visuais, por exemplo.
Adriano Henrique Nuernberg, professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, afirma que a própria linguagem é um instrumento simbólico e é uma tecnologia semântica que nos ajuda a pensar a realidade. Segundo Nuernberg, é importante pensar qualquer tecnologia com uma relação mediada sempre pela transformação da natureza para um fim com um significado humano. Nessa concepção, apresenta a deficiência como parte da experiência humana, portanto é uma das possibilidades de ser humano e não um desvio. Trata-se de um modelo social legítimo e deve estar, cada vez mais, desassociado a falta de eficiência.
Para Clovis Alberto Pereira, gestor em Acessibilidade e Inclusão e secretário de Acessibilidade da Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB), tecnologia assistiva é tudo aquilo que oferece à pessoa, com qualquer tipo de deficiência, acesso à informação, à cultura, ao direito de ir e vir; potencializa uma limitação que a deficiência de uma determinada pessoa impõe sobre ela no dia a dia.
A audiodescrição é um tipo de serviço contemplado no conceito de tecnologias assistivas e que possibilita, cada vez mais, o acesso à cultura para pessoas cegas em teatros, cinemas, shows, conferências que ampliam a compreensão sobre o produto cultural para outras pessoas, como idosos e disléxicos, por exemplo. Para Janaina Gomes, professora do curso de jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a audiodescrição tem sido importante agente na produção de imagens por uma aluna cega que ingressou na graduação em 2012.
Segundo a professora, a utilização do recurso vai além de auxiliar os alunos deficientes visuais, pois o serviço possibilita o acesso a imagens que permitem o aprimoramento técnico também das pessoas videntes. “Não vejo mais a tecnologia assistiva como pertencente somente à pessoa com deficiência. No caso da audiodescrição, por exemplo, já faz parte da minha concepção de fotografia, como fotógrafa e professora, da mesma forma com que rampas facilitam a mobilidade de cadeirantes, idosos e carrinhos de bebê”, concluiu.
A voz do estudante
Cientes de seus direitos, estudantes exigem estrutura adequada, apoio institucional e até se engajam na promoção da acessibilidade. Leonardo Apolinário é acadêmico de direito na Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc) e no início do curso fez um acordo com a institucição para garantir a acessibilidade. “Eu procurei a coordenação de apoio ao estudante e questionei quais as formas de acessibilidade que poderiam ser disponibilizadas”, conta. Além de ter disponível um computador especial para acessar os conteúdos, os professores foram instruídos a enviar as obras com antecedência à biblioteca para serem digitalizadas.
Ampliação de habilidades |
O termo tecnologia assistiva em si ainda é novo, data de 1988, e foi usado pela primeira vez nos Estados Unidos. É utilizado para identificar recursos e serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência, mas sabe-se que podem e devem beneficiar outras pessoas na medida em que se popularizarem. A tecnologia assistiva promove o potencial funcional humano e potencializa a capacidade funcional da pessoa. Ela deve ser compreendida como uma dentre tantas outras tecnologias que estão presentes na sociedade e deve estar associada ao sujeito/usuário que faz uso dela. Assim, iguala-se um leitor de tela, utilizado para acesso aos conteúdos digitais por pessoas com deficiência visual a qualquer outro recurso que potencialize a capacidade humana de conhecer o mundo. |