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Entrevistas

A escola e o tempo

Pesquisador interessado nas diferentes dinâmicas temporais no ambiente escolar, o antropólogo chileno Sergio Martinic fala sobre avaliação docente e indica a importância da gestão do tempo em sala de aula

Publicado em 06/09/2013

por Alexandre Facciolla

A escola e o tempo

Há dois anos, todos os professores da rede pública do Chile são avaliados. Em uma estrutura subsidiada pelo poder público, eles têm suas aulas gravadas em vídeo para depois serem avaliadas. Iniciada em 2003 como projeto piloto, a iniciativa foi ampliada, se tornou oficial e hoje faz parte do dia a dia dos professores, que incluem as gravações de suas melhores aulas em seus portfólios.

No entanto, para o professor Sergio Martinic, vice-diretor da Faculdade de Educação da Universidade Católica do Chile, a avaliação docente deve ter como foco o uso que o professor faz do tempo em sala de aula. Diferente do que chama da “primeira geração” de mudança nas políticas públicas chilenas, que consistiu em aumentar o tempo das atividades escolares para tempo integral, “a segunda geração é mais subjetiva”, explica, pois avalia “o compromisso que o sujeito tem com o tempo”.

Antropólogo especializado no estudo de questões relacionadas à organização e avaliação do desempenho de docentes, Martinic apresentou em São Paulo, durante um encontro aberto na Universidade de São Paulo (USP), em agosto último, um trabalho de análise qualitativa do uso do tempo a partir do portfólio de 65 professores chilenos de matemática e línguas.

Durante a exposição dos resultados, o antropólogo demonstrou a necessidade de a sociedade compreender as idiossincrasias da percepção e uso do tempo no ambiente escolar. “É muito importante que o conceito de tempo seja entendido como vinculado à pratica”, pontuou, enquanto discorria sobre a importância de aulas de matemática serem administradas pela manhã, quando o aluno tem maior capacidade de absorver esse conhecimento, por exemplo.

Na entrevista a seguir, concedida à revista Educação durante sua passagem por São Paulo, Sergio Martinic responde algumas questões prementes para uma justa avaliação docente, indica a importância da gestão do tempo na sala de aula e analisa os casos em que há relação entre processo avaliativo e contrapartida financeira.
#R#
No Brasil há uma discussão muito forte sobre a avaliação docente. Durante a sua apresentação, o senhor falou bastante de método. Existe um método justo para avaliar os professores?
Mais do que um método justo, temos de ter um critério justo. Um método é uma ferramenta técnica para avaliar. A ferramenta pode ser boa ou má. Por exemplo, aplicar critérios padronizados a professores que trabalham em contextos muito diferentes pode ser injusto. Exigir competências para as quais os professores não estão preparados ou que não são relevantes para seu desempenho, também. Seria muito bom que todos os professores falassem inglês. Porém, este não pode ser um critério de avaliação. Um critério bom considera vários desempenhos, como por exemplo, formas de explicar a matéria na sala de aula ou como o professor trabalha com um grupo de alunos.

O senhor percebeu, enquanto fazia a pesquisa, alguns critérios mais claros para uma boa avaliação?
Vários. Um deles é o clima da aula: é preciso que haja ordem na sala de aula. É claro que sempre há alguma desordem, mas há professores que manejam muito bem o clima, gerando confiança e afetividade e ao mesmo tempo, mantendo ordem e disciplina. Em relação ao tempo, o bom professor é o que tem um bom manejo do tempo da aula. E isso aparece no final da aula, quando os professores fazem sua síntese. Toda aula deveria terminar com conclusões e destaque para as ideias principais sobre o assunto abordado e indicações de leitura para a próxima aula. No entanto, nem todos os professores fazem isso.

Quais os motivos que o senhor identificou para isso não ocorrer com alguns professores?
Estes destaques e conclusões são abordagens bem concretas que tornariam uma aula melhor, mas aí toca a campainha e as crianças saem correndo.

Existe alguma fórmula para que essa síntese pedagógica se adapte às várias maneiras de aprendizado das crianças, como, por exemplo, a capacidade que um aluno tem de apreender mais facilmente pela escuta, enquanto outro tem mais facilidade com a explicação na lousa?
O ideal é que os professores possam perceber e trabalhar com diferentes níveis de aprendizagem. O problema é que é muito difícil quando a sala é grande, o professor acaba fazendo uma síntese pedagógica média, que sirva a todos.

No Brasil é comum haver muitos alunos por sala e creio que no Chile seja o mesmo. Um critério justo seria ter salas com menos alunos para conseguir atender melhor às especificidades dos estudantes?
Sim. A investigação educativa internacional não é tão conclusiva ou segura sobre a influência do número de alunos na atividade pedagógica. Objetivamente, no entanto, quando as salas são muito grandes, o professor não pode fazer muita diferença, porque está trabalhando com um grupo e outro não presta atenção. Deveriam ser grupos de 20 a 25 alunos por sala – cenário que torna mais ou menos possível ao professor controlar o clima, perceber e trabalhar as diferenças.

Ainda sobre o perfil do professor que termina a aula mais rapidamente e do que termina a aula em cima da hora: é possível dizer que há desvantagem deste em relação ao outro?
Toda prática pedagógica, segundo a teoria e também a tradição, deve ter um início, um desenvolvimento e um fim. É muito importante que o professor apresente esta disciplina de aula. No começo, organizar a sala, lembrar as ideias apresentadas na aula anterior; no desenvolvimento, ensinar a matéria de estudo, a apresentação nova; depois fazer o encerramento. Um professor se sente completo ao passar por essas três etapas. Portanto, um professor pode até falar muito, mas é importante que sublinhe as partes mais importantes.

Então qual seria, em sua visão, o processo mais eficiente?
O mais eficiente é aquele professor que, ao final, faz a síntese da aula. Se não faz a síntese, nunca saberá o que a sala aprendeu. É como uma entrevista. Tem começo, meio e fim. Então, no fim, pergunta-se o que os estudantes aprenderam. Ao mesmo tempo é um momento importante para o professor sublinhar aquilo que quer passar. Se não se faz isso, a aula não se completa.

Na pesquisa que o senhor apresentou foram avaliados 65 professores. Qual a metodologia usada para analisar esse volume de dados?
Fizemos essa avaliação mais minuciosa de 65 casos para aulas de língua e matemática. E o que estudamos foi o que cada professor faz a cada dez segundos, como um filme. Isso fornece algumas características: se ele fala muito, se baixa o tom da voz.

Durante seu estudo o senhor viu algum tipo de diferenciação de aprendizado que tenha sido um desafio?
Sim. Comparamos os professores que trabalham em contexto de classe média e outros em lugares muito carentes socioeconomicamente falando. É como trabalhar com outra cultura. O professor acaba fazendo o papel de pai e professor, pois muitas vezes os meninos não têm pai. Então se cria um laço afetivo muito forte. Existe um contexto de culturas distintas. Principalmente no tema do tempo. O núcleo de uma cultura é a organização do tempo e espaço. Então vemos que na escola há muitos tempos pensados de maneiras distintas. Um é o tempo administrativo, oficial. Outro é o tempo de como vivem os professores. Por exemplo: de manhã é o melhor momento para trabalharem. E outro é o tempo do aluno. Então é muito interessante, pois no mesmo espaço se está trabalhando com conceitos muito distintos de tempo. E muitas vezes a dificuldade de fazer uma aula mais eficiente é que essas visões se chocam. Então o professor tem de dar aulas às três da tarde, mas percebe que é uma hora muito ruim e o aluno está com sono. É um tema antropológico para ser resolvido. É prático, mas muito difícil.

O senhor também comentou a prática de bonificação de professores com base em avaliações de desempenho. No Brasil há redes que instituíram o bônus. Qual é o risco de vincular uma boa aula a uma contrapartida financeira?
É complicado traçar uma relação direta entre avaliação e mais dinheiro. Porque a gente pode fazer coisas que dão dinheiro, e não necessariamente que estão boas. E, ao mesmo tempo, vemos que a atuação docente incorpora vários elementos que não estão associados a aspectos muito objetivos. No caso chileno, por exemplo, há um sistema em que o professor destacado como de mais alto nível pode pleitear um bônus de excelência. Mas, para fazer isso, deve fazer outro exame. Ou seja, não é automático. Quem tem o grau máximo de destaque tem somente o direito de fazer outra avaliação. Então, se passar por essa outra avaliação, aí sim recebe a bonificação. Isso é uma avaliação. No entanto, a outra avaliação pública, essa sim mais geral, está relacionada à carreira docente. Ou seja, é uma avaliação formativa. Por ela, espera-se que o professor vá melhorando seu desempenho. Essa avaliação não tem relação direta com o dinheiro.

Uma das perguntas feitas durante a palestra foi de que essa avaliação não se torna pública. No entanto, tem como o professor saber dos resultados dos colegas?
Não. Os resultados gerais são disponibilizados em todo o país. No entanto não se publica o nome do professor ou da escola. Isso chega a cada professor de forma privada, por uma carta. As escolas sabem, porque os próprios professores contam “veja como fui bem”.

Qual a importância da autoavaliação do professor?
No Chile, o professor tem um portfólio com diferentes etapas: uma entrevista, uma opinião do diretor da classe [de uma escola anterior, por exemplo], uma autoavaliação de como ele prepararia uma aula, além do vídeo. Mas é claro que se for somente uma autoavaliação o professor tende a achar que está muito bem. Por isso que a avaliação tem de estar contextualizada.

O senhor mencionou o fenômeno do “professor-táxi” [termo usado no Chile para caracterizar as várias viagens a que um professor tinha de se submeter para dar aulas em lugares distintos num mesmo dia]. Como se combateu essa situação?
Foi um processo gradual. O “professor-táxi” dava muitas aulas por uma necessidade econômica. Então, a política pública teve como objetivo aumentar o tempo do aluno na escola. Uma política de tempo integral. Mas a obrigação era que os professores ampliassem a atuação no colégio. O professor ganhava um pouco menos, mas havia uma maior tranquilidade por estar na mesma escola, não ter de andar de um lugar ao outro, há alimentação na escola.

Autor

Alexandre Facciolla


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