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Ecos de laicidade

Enquanto na França a separação entre Igreja e Estado levou à extinção das escolas confessionais católicas e à expulsão das congregações, no Brasil elas encontraram uma forma de ressignificar o seu lugar; a oposição ao ensino laico sustentou um discurso de desqualificação do ensino não religioso

Publicado em 02/08/2013

por Ana Luiza Grillo Balassiano*

Ecos de laicidade

Biblioteca do Colégio: o Liceu tinha como foco a difusão da língua e da cultura francesa para o exterior

Este artigo analisa a política cultural francesa no Brasil e, em particular, as suas ações em iniciativas educacionais no país. Tomamos como ponto de partida a fundação do Lycée Français do Rio de Janeiro, hoje Colégio Franco-Brasileiro. Fundado no contexto da Primeira Guerra Mundial, quando a França estava em plena Terceira República Francesa, com uma política expansionista e cultural, o Liceu tinha como foco  a difusão da língua e da cultura francesa para o exterior. A América do Sul, e em particular o Brasil, era um dos  espaços de interesse político na perspectiva de país aliado.
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Enquanto instituição, o Liceu significava uma das iniciativas particulares de educação, na então capital federal, com forte presença estrangeira francesa, a começar pelo nome, e a característica de oferecer uma educação mista e laica. Outras leituras de mundo iam se constituindo e oferecendo diferentes representações do papel atribuído à mulher, ao homem, à educação. Outro exemplo pode ser dado pelas  escolas protestantes americanas que, difundidas desde a década de 1870, trabalhavam com o ensino misto em muitos de seus estabelecimentos, como destaca Maria Lucia Spedo Hilsdorf, em História da educação brasileira (2011). Porém, no caso do Liceu, singular foi a ideia de uma escola estrangeira para brasileiros.

O contexto francês
A França do século 19 foi marcada, em particular no Segundo Império (1852-1870) de Napoleão III, pelas reformas urbanas internas e pela derrota do país na guerra franco-prussiana. Já a Terceira República (1875-1940), a mais longa das Repúblicas francesas, internamente se destacou pela valorização da escola pública e pela laicização do Estado.

A política externa privilegiou a ação expansionista e cultural. Perío­do conhecido como “República dos Professores”, em que a presença de intelectuais e professores nos principais quadros políticos da época marcava as ações culturais no exterior. No ano de  1883 foi criada a Aliança Francesa com sede em Paris, tendo como atribuições políticas articular as ações dos comitês locais de apoio à França. Sua criação tinha como propósito garantir a hegemonia cultural francesa através de sua língua e centralizar os esforços dos “amigos da França” no exterior. Na  disputa com outras potências, a França foi intensificando suas ações relacionadas à educação e à cultura: “A Aliança Francesa foi a primeira instituição a propor como estratégia de dominação colonialista o ensino do francês”, escreve Monica Lessa no artigo “A aliança francesa no Brasil: política oficial de influência cultural” na revista Varia do Departamento de história da UFMG (1994). Núcleos da Aliança Francesa foram também criados no exterior e em particular no Brasil. No ano de 1891, foi criado um braço dessa instituição na então capital federal.

O contexto observado de modo mais particular é o da tensão entre laicidade francesa e laicidade brasileira, entendendo-se que essa é uma questão particular a cada sociedade. Portanto, intimamente relacionada aos contextos sociais, políticos, culturais e, portanto históricos de cada nação. A educação pública e laica estabelecida na Terceira República Francesa consolidou a  separação definitiva entre a Igreja e o Estado, com a extinção das escolas confessionais católicas e a expulsão das congregações. A laicidade francesa se (re)afirmou, portanto,  a partir da responsabilidade do Estado pela educação pública e laica.

No Brasil, diferentemente da França, a separação da Igreja do Estado permitiu a liberdade de ensino, abrindo espaço para outras escolas não públicas e laicas. Desse modo, a Igreja pode (re) significar o seu lugar através das suas escolas confessionais.

Nesse sentido, o processo de laicização francesa e brasileira aconteceu de modo díspar no que se refere, sobretudo, ao entendimento de uma educação para todos e, portanto, pública e laica. Entretanto, no exterior, e em particular, no Brasil, o governo francês mudava o foco e continuava incentivando as congregações religiosas como via de influência francesa e fortalecimento do ensino da língua francesa. Assim, as escolas francesas confessionais católicas surgiram no Brasil, em especial no Rio de Janeiro, na virada do século 19 para o século 20 e intimamente relacionadas aos processos de laicização francesa e brasileira.

A política francesa para o Brasil
No jogo de forças da política externa, outros países procuravam também seus espaços na América do Sul. A relação da França com o Brasil, portanto, até a Segunda Guerra Mundial, foi marcada pela concorrência alemã. A política organizada por Georges Dumas teve três categorias de instituições: os liceus franceses, as escolas confessionais e os institutos.

No caso específico do Brasil encontrava fortes aliados no grupo dos francófilos, formado por parte da elite brasileira, que tinha laços culturais com a França. O artigo “A política cultural da França no Brasil entre 1920 e 1940: o direito e o avesso das missões universitárias”, de Hugo Suppo, na Revista de História da USP (2000), destacou, entre alguns deles, Julio Mesquita, um dos articuladores da criação do Liceu Franco-Brasileiro de São Paulo; o cientista Miguel Osório de Almeida, nomeado diretor da Maison de l´Amérique Latine e sua irmã Branca Ozório Fialho, membro do Conselho Administrativo do Liceu no Rio de Janeiro.

Os Liceus não foram dirigidos para os franceses no Brasil, mas para atender aos filhos de uma elite nacional. Sua estrutura indicava uma trajetória escolar nas duas culturas: a brasileira e a francesa. O Liceu de São Paulo (1925) estruturado como modelo, se constituiu para ministrar ensino secundário, do 2º ciclo, tal como a denominação revelava, como mostra Hugo Suppo, em La politique culturelle française au Brésil entre les années 1920-1950 (1999).  Já o Lycée Français do Rio de Janeiro fundado por Alexandre Brigole (1915), integrando parte da colônia francesa e de representantes da elite brasileira, se constituiu para atender desde o jardim da infância até o ensino secundário, 2º ciclo. Este modelo de uma escola com três níveis de ensino se mostrou conflituoso para a política francesa organizada por Dumas, como aponto em minha tese de doutorado O liceu francês do Rio de Janeiro (1915-1965): instituições escolares e difusão da cultura francesa no exterior (2012).

As escolas confessionais extintas em território francês foram (re) significadas na política externa francesa. Fora da França representavam espaços de difusão da língua e da cultura francesa, apesar de representarem uma oposição à laicidade. Os Institutos foram criados para intercâmbio de professores, abrindo espaço para seminários e congressos franco-brasileiros.

Os impactos na escola
Compreender como se deu o processo de laicização no Brasil e na França a partir da educação foi importante para o entendimento da política francesa no Brasil na sua relação com as escolas confessionais e os liceus laicos.

Diferentemente da França, o Brasil, permitindo a liberdade de ensino, fortaleceu o espaço das escolas confessionais. A oposição ao ensino laico sustentou um discurso de desqualificação do ensino não religioso e, portanto, apontando a problemática para o ensino público. O que não significou ter sido o único espaço de oposição: as escolas confessionais protestantes e o ensino secundário particular constituído por escolas laicas foram espaços educacionais também combatidos pelos católicos ultramontanos, aponta Maria Lucia Hilsdorf.

A escola laica proposta pela política cultural francesa (Liceus) não foi uma escola para todos, era uma escola para a elite, que poderia consumir seus bens culturais. Com certeza não contemplou a todos, porém, representando um espaço laico, recebeu alunos de diversas culturas religiosas desde as primeiras décadas e, sobretudo, no período entreguerras. A política cultural francesa para o Brasil foi compreendida como um processo que atravessou as primeiras décadas do século 20, se estendendo até meados dos anos de 1940, mais precisamente no pós-guerra.

No que tange ao Liceu do Rio, as diferentes consultas bibliográficas e documentais sugerem que a partir de uma dupla direção o Liceu pouco a pouco foi se estruturando numa escola franco-brasileira e seguindo, em parte, o modelo proposto pela política cultural francesa. No entanto, a identidade de uma escola que se constituía pelos três níveis de ensino continuou existindo. Assim, gerações e gerações tiveram sua trajetória escolar franco-brasileira no Liceu Francês do Rio, hoje, Colégio Franco-Brasileiro. A relação do Liceu com a cidade às vesperas de completar um século de existencia faz parte do processo histórico de urbanização do Rio de Janeiro, e continua a deixar sua marca na cidade com seu predio de valor histórico de uma arquitetura escolar francesa.

A influência francesa no Rio

O lugar geográfico da instituição representa uma marca central no processo histórico urbano da cidade do Rio de Janeiro. Os bairros da Glória, Catete, Laranjeiras e adjacências, por serem próximos ao centro, logo depois do corredor criado pela
avenida Central e com janela para o mar pela praça Paris, foram as regiões que primeiro se integraram no processo de urbanização realizado pelo prefeito Pereira Passos.

No bairro do Flamengo, mais precisamente na rua Paissandu, próximo à rua do Catete, o poeta e ministro francês Paul Claudel e o músico Darius Milhaud alternavam uma rotina que incluía negociações diplomáticas na sede da então Delegação Francesa. No ano de 1915, a colônia francesa no Rio de Janeiro constituiu a Sociedade Franco-Brasileira de Instrução Moderna, Lycée Français, fundada por Alexandre Brigole. Situada inicialmente na rua do Catete, 351, sete anos depois se estabeleceu num prédio construído para a escola, na rua das Laranjeiras, 13-15. As atividades e práticas sugeridas pelo estatuto se referiam a laboratório, artes, cinema, linha de tiro, sala de espetáculos e também objetos para jardim de infância. O funcionamento da escola se dava em classes diferenciadas desde o jardim de infância até as classes finais do ensino secundário. No ano de 1922 o Liceu se transferiu para rua das Laranjeiras num prédio construído para o Liceu do Rio de Janeiro. Assim, o Liceu foi existindo como uma instituição brasileira com sua parte francesa até meados dos anos de 1980, quando a seção francesa constituiu o Lycée Molière num outro prédio no mesmo bairro.

*Ana Luiza Grillo Balassiano é doutora pela USP e pesquisadora associada do Laboratório de Educação e República (Proped/UERJ)

Autor

Ana Luiza Grillo Balassiano*


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