No Centro de Educação e Cultura Indígena, os educadores se dedicam a manter viva a cultura guarani entre as crianças
Publicado em 13/05/2013
Adriano Veríssimo: “O Ceci ajuda muito na manutenção da cultura e da tradição, ao mesmo tempo em que não fecha os olhos para o sociedade não indígena” |
Adriano Veríssimo Lima, Karai Poty em guarani, tem 27 anos e trabalha como coordenador educacional do Centro de Educação e Cultura Indígena (Ceci) Tenondé Porã, localizado em Parelheiros, zona sul de São Paulo. Na entrevista abaixo, concedida à repórter Daniela Landin, o educador fala sobre a importância do centro para a manutenção da cultura indígena.
Quais são as atividades que você desempenha?
Minha principal função é orientar os educadores que trabalham no Ceci quanto ao conteúdo escolar, à forma de aprendizagem das crianças, com algumas noções de como a educação é vista fora e como é a nossa educação aqui dentro. Como aqui é uma escola de educação diferenciada, a maioria das coisas que a gente aprende tem a ver com a nossa cultura, o nosso jeito de aprender, nosso jeito de ver as coisas.´
Existe um foco para os conhecimentos indígenas, mas também há uma atenção para os conhecimentos não indígenas?
O principal é a cultura e o modo de ser guarani, mas isso não quer dizer que a gente não traga alguma coisa de fora. De fora que eu digo é a educação formal, não indígena. Por exemplo, a gente tem aqui uma sala de aula mesmo, uma sala de computadores. Mas o enfoque é para a educação tradicional guarani.
Quais são os conteúdos e as atividades específicas desta educação tradicional guarani?
As atividades específicas vêm da plantação, quais são as épocas corretas de plantar, do artesanato, fazer armadilha, qual época dá para a gente caçar, qual época não pode, informações básicas assim. Como a nossa aldeia fica numa metrópole, São Paulo, e como a nossa área é bem reduzida, não tem como ser da forma tradicional. Antigamente o menino aprendia com o pai e a menina aprendia com a mãe. Hoje estamos restritos a esse centro de educação. Isso não quer dizer que a educação no núcleo da família tenha acabado, mas o Ceci ajuda muito na manutenção da cultura e da tradição, ao mesmo tempo em que não fecha os olhos para o sociedade não indígena.
Como foi o movimento de reivindicação do Ceci?
Surgiu como uma preocupação dos mais velhos e depois que foi colocada em discussão na aldeia, os mais jovens também mostraram preocupação. Tanto é que a maioria dos educadores do Ceci são os mais jovens, com vontade de ensinar para os ainda mais jovens. Por exemplo, eu, que tenho 27 anos, ainda consegui aprender algumas coisas da forma tradicional, com o meu avô, com a minha avó, com os meus pais. Agora mais recentemente, não mais.
Como ocorre a escolha das pessoas que vão atuar como educadores?
Primeiramente, tem que ter conhecimento da cultura guarani. Fora isso tem que ter um pouco de conhecimento da cultura não indígena também. Para a gente, professor não é aquele que fez faculdade, mas aquele que sabe lidar com as crianças, ter paciência, ter conhecimento do que está ensinando. E isso não quer dizer que tem que ter diploma, tem que ter um pouquinho de facilidade, que nem eu e você estamos falando português.
As atividades educativas são feitas em diferentes espaços. Como é feita essa divisão?
Cada atividade tem um lugar específico. Canto e dança geralmente a gente faz na Casa de Reza. Aula de educação ambiental, que a gente fala “conhecer o mato”, a gente leva na trilha e para a represa. Fora as brincadeiras tradicionais que a gente faz no campo. Tem o Centro Cultural, onde a gente faz algumas brincadeiras. A gente desenvolve conforme a necessidade e conforme o tempo também. Hoje, está garoando, não dá para levar as crianças na trilha. Mas já foi feita uma atividade de manhã na Casa de Reza e depois elas foram para sala de informática.
A educação parece estar presente em todos os momentos da vida guarani. Mas agora existe um lugar específico de educação. Como vocês vêm se relacionando com isso?
Há uns 15, 20 anos a educação era mais na base familiar. A necessidade de ter um centro de educação surgiu porque a cidade foi se envolvendo, fomos perdendo as terras, não tinha mais onde plantar, onde caçar. Estávamos perdendo um pouco desse vínculo familiar. Isso não quer dizer que a gente perdeu completamente. Eu não moro com a minha mãe, mas toda a vez que eu vou a casa dela a gente conversa, ela fala alguma coisa de como eu tenho que respeitar as pessoas, como as pessoas demonstram respeito por mim.
Qual vem sendo o aprendizado na sua experiência desde 2005?
Aprendi muita coisa. Algumas coisas que eu sabia foram reforçadas. Algumas coisas que eu não sabia, aprendi com os mais velhos. Como eu saio bastante para a cidade, algumas pessoas me perguntam se eu sou índio. Aí eu falo assim: “sou”. A pessoa fala: “mas índio não vive só na Amazônia, no Mato Grosso…?” Eu posso ser índio em qualquer lugar que eu for. É só eu não perder as minhas raízes, a minha cultura. Aí eu posso ser índio. Não importa o lugar que eu vá, não importa o lugar que eu for. As pessoas perguntam: “mas por que hoje em dia índio usa celular, usa computador?” Aí eu falo: “celular, computador ajudam muito a gente. Eu posso falar com uma liderança de outra aldeia ou com um familiar meu que está longe, mesmo que não seja da mesma etnia, talvez esteja acontecendo alguma coisa na aldeia dos Xavante, lá no Xingu… aí a gente fica sabendo de tudo”. Acho que é isso, não perder a raiz. A gente mora em São Paulo, a maior metrópole da América Latina, mesmo assim a gente fala em guarani, as crianças todas falam guarani, mesmo sabendo português. Mas quando alguém vem de fora, a gente também se comunica em português.
Existe também o ensino de português?
Existe também. Mas, aqui, no Ceci, [que atende crianças] de 0 a 6 anos, só ensinamos os costumes, a língua. Só depois que passa para a escola estadual é que aprende o português.
Você conhece outros projetos de educação escolar indígena, além dos Cecis?
Igual ao Ceci a gente não tem conhecimento que tenha em outros estados. Uma escola que pega a criança desde a base, desde a raiz e coloca na cabeça que ela é índia. Isso não quer dizer que ela tenha que ser somente índia. Tem que se comunicar com o mundo de fora, ter uma interação com pessoas diferentes, que não falam a mesma língua. [É preciso] preparar a criança para o mundo sem fazer com que ela deixe de ser o que ela é.