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O laboratório do Itae, na UnB, foi criado como um ambiente para capacitação por meio de simulações da realidade |
Embora o modelo de ensino mais corrente ainda seja aquele que tem o professor diante da classe como o principal responsável pela transmissão do conhecimento, outros modelos, mais ou menos utilizados, dão conta da responsabilidade do aluno pelo seu aprendizado e estimulam a implantação de novas abordagens de ensino. A interatividade e o uso de novas tecnologias permeiam tais modelos, mas o aparato tecnológico é visto muito mais como ferramenta de apoio do que meio essencial para a transformação metodológica do ensino.
Um exemplo dessas novas abordagens de ensino e aprendizagem é o modelo de aulas interativas conhecido como Peer Instruction (instrução pelos pares) criado pelo professor de física Eric Mazur, na Universidade de Harvard. Ele mescla participação ativa dos alunos com mediação das aulas e transmissão de conhecimento pelo professor. O método consiste em solicitar que os alunos leiam um texto-base da matéria, respondam e entreguem previamente ao professor algumas questões referentes ao entendimento qualitativo do material. Em sala, o professor faz pequenas exposições baseadas nas dúvidas detectadas e em seguida lança uma questão sobre o assunto para que os alunos a respondam individualmente. Quando o índice de acerto fica em mais de 70%, o professor apresenta a definição correta a todos e passa ao próximo tópico. No caso de menos de 30% da turma ter acertado, o professor volta a explanar sobre o tema e reapresenta a questão ou sugere outra relativa ao assunto.
A “instrução pelos pares”, que dá nome ao método, ocorre quando o número de acertos fica entre 30% e 70%, explica Álvaro Neves, professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Viçosa (UFV), que participa como visitante no grupo de Eric Mazur, naSchool of Engineering and Applied Science da Universidade de Harvard. Nesse caso, os alunos são divididos em pequenos grupos e discutem a questão entre eles – o professor passa pelos grupos, podendo participar das discussões e sugerir hipóteses. “A sala vira um caos, com muito barulho e confusão porque um explica ao outro e tem seu ponto de vista criticado”, conta Neves.
Feita a discussão, os alunos de novo respondem individualmente, podendo ou não ter chegado a um consenso. Tudo se repete com a nova resposta e a conferência da porcentagem de acertos, mas geralmente não se passa de duas rodadas de discussão em grupo. “A aula é uma sequência desses pequenos blocos. O nome vem dessa discussão”, explica Neves ao destacar o papel crucial do estudo prévio, que treina o aluno a aprender sozinho a partir de fontes primárias – os textos -; do trabalho em grupo, que promove a troca de conhecimentos. Ele ressalta o retorno imediato do método, que permite ao aluno saber como estão seus conhecimentos e habilidades em relação àquele grupo e, ao professor, detecte as deficiências e interfirir.
Para agilizar a dinâmica da aula, algumas tecnologias são empregadas, como o uso do clíquer, um dispositivo eletrônico parecido com um controle remoto de TV que é transmissor de rádio e permite que as respostas cheguem imediatamente ao notebook do professor. Recentemente, o clíquer vem sendo substituído por notebooks esmartphones. Nada que não possa ser feito por meio de cartões coloridos levantados pelos alunos ou dedos mostrados em frente ao peito, explica Neves. “Não é meramente uma mudança tecnológica, mas metodológica”, diz o professor.
Apoio tecnológico
Outro método que também aposta na interatividade é aplicado no MIT (Massachusetts Institute of Technology) pelo grupo de Peter Dourmashkin, professor sênior do Departamento de Física. É a chamada “sala multimídia para o aprendizado”. Dourmashkin adverte que o termo pode ser enganador porque sugere uma ênfase na tecnologia em sala de aula.
A sala de aula multimídia, ou TEAL (Technology Enabled Active Learning), no MIT, foi originalmente concebida para uso do Departamento de Física com alunos do primeiro ano das disciplinas de mecânica clássica e eletricidade e magnetismo, mas Dourmashkin acredita que o trabalho pode servir como ponto de partida para outros programas de ensino repensarem suas abordagens. “Gostaria de enfatizar que a parte mais importante da nossa abordagem é unir o modelo pedagógico de ‘aprendizagem ativa’ com a tecnologia e o projeto arquitetônico para atingir nossos objetivos de aprendizagem”, diz Dourmashkin.
Por aqui, o Laboratório de Inovações Tecnológicas para Ambientes de Experience (Itae), que faz parte do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Universidade de Brasília (UnB), foi criado como um ambiente para capacitação por meio de simulações da realidade. Baseado no conceito da Economia da Experiência, a prática pedagógica aplicada no laboratório pressupõe o aprendizado como resultante de um processo de transformação que ocorre a partir do envolvimento emocional, sensorial e cognitivo do indivíduo em torno de uma temática ou questão específica. “As dinâmicas educacionais vivenciadas causam impacto maior do que a simples exposição do conteúdo, como nos modelos educacionais tradicionais, daí o que os pesquisadores dessa teoria chamam de ‘memorabilidade’, em que o aprendizado é assimilado mais facilmente”, explica Georgeanne Pinho, psicóloga e pedagoga que trabalha na área de Pesquisa para os Ambientes de Experiência do Itae.
A diferença com relação ao ensino tradicional está na metodologia e no projeto pedagógico utilizado, assim como nas tecnologias inovadoras. “Enquanto no ensino tradicional o aluno é passivo na sua experiência de aprendizado, a metodologia pedagógica do Itae é voltada para a experiência do aluno e centrada no seu processo ativo em prol da construção do conhecimento. Outra característica que diferencia a nossa metodologia é o processo educativo que vai para além das paredes da sala de aula, ou seja, não é necessário o espaço formal das salas de ensino”, diz a pesquisadora do laboratório.
No laboratório são utilizados recursos de tecnologias interativas diversificadas, como telas touchscreen, mesas sensíveis ao toque, computadores de mão e controles de temperatura e iluminação para conferir ao ambiente a possibilidade de imersão e mobilidade dos participantes. Isso garante sintonia entre o conteúdo, o ambiente, a interatividade e os próprios participantes. “A tecnologia exerce a função de catalisadora do processo de aprendizado e assume papel transparente e natural”, diz Georgeanne.
O laboratório é voltado para alunos de Introdução à Atividade Empresarial, disciplina oferecida nos cursos de graduação da UnB, mas a metodologia utilizada pode vir a ser aplicada em outras disciplinas. Georgeanne atenta, porém, para a estruturação prévia do projeto pedagógico, com definição de público, conteúdos, objetivos e metas que se queira alcançar para em seguida analisar as possibilidades de ensino e aplicação do modelo em outras disciplinas.
Aprendizagem controlada
Seja qual for o modelo utilizado, a eficácia da aprendizagem e o alcance dos resultados almejados pelos educadores são uma preocupação constante na elaboração dos métodos. Para checar o aprendizado e buscar um certo controle sobre os resultados do ensino oferecido, o Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) criou um sistema próprio que envolve diversos estágios. Funciona mais ou menos assim: ao final de um ciclo é verificado qual o nível de desenvolvimento dos alunos em relação aos objetivos de aprendizagem do programa e, com base nos resultados, são desenhadas iniciativas de várias naturezas para apoiar os alunos nesse desenvolvimento, explica Carolina da Costa, doutora em Aprendizagem e Cognição pela Rutgers University (EUA), coordenadora de Ensino e Aprendizagem do Insper.
O processo possui quatro grandes etapas: definem-se os objetivos (com base também em demandas do mercado de trabalho), traduzem-se esses objetivos em métricas passíveis de mensuração (não necessariamente quantitativa), criam-se instrumentos de avaliação para capturar as competências almejadas e analisa-se o desempenho dos alunos com base nas métricas criadas (obtendo, assim, um panorama descritivo do nível de desenvolvimento dos alunos diante dos objetivos avaliados).
“Existem instrumentos de avaliação aliados à metodologia estatística que nos permitem extrair informações valiosas sobre o nível de aprendizado – aquele que a escola se compromete a entregar. O processo nos permite acessar uma parte importante da dinâmica de aprendizado, mas nunca a totalidade dela, já que é impossível controlar todos os meandros do aprendizado individual”, diz Carolina.
A eficácia da mensuração dos resultados de aprendizagem é questionada por Luciana Barros de Almeida, pedagoga e psicopedagoga, vice-presidente nacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia. “O conhecimento não é algo que possa ser eficazmente mensurável, porque aprender acontece entre a objetividade e a subjetividade”, diz. Segundo ela, também não seria possível medir se um aluno aprendeu mais do que o outro porque as instâncias de aprendizagem (organismo, inteligência, corpo e desejo) acontecem em tempo e espaços diferentes variando de acordo com a influência, inclusive, do ambiente em que se está inserido. “Não se veem resultados a curto prazo, esse quantum de aprendizagem vai se mostrando no decorrer da vida de cada um, tanto no espaço escolar quanto nos demais espaços sociais”, afirma Luciana.
Já Bertha do Valle, professora da Faculdade de Educação da UERJ, com doutorado em Educação, na área de Políticas Públicas, Gestão e Avaliação da Educação, afirma que o aprendizado pode, sim, ser mensurável. Mas ela faz a ressalva de que os seres humanos são diferentes e aprendem de modos distintos: uns aprendem melhor fazendo leitura silenciosa de textos, outros preferem ler em voz alta e há os que gostam de ouvir e discutir os assuntos. Por isso, Bertha lembra que o professor deve utilizar diferentes metodologias durante o período letivo, atento a essas diferenças individuais, e as formas de avaliar o aluno devem ser múltiplas para se poder ter certeza do quanto cada aluno aprendeu.
Georgeanne concorda e afirma que já existe comprovação científica de que quando se envolvem as “experiências multissensoriais” ocorre um impacto de cada um dos sentidos no processo de aprendizagem, e assim se aprende com todo o potencial cerebral.
Para Álvaro Neves, é possível, sim, avaliar o quanto um curso, ou um método de ensino, acrescenta ao aluno em termos de conhecimento e habilidades relevantes. “Evidentemente precisa-se definir o que é ‘relevante’ para cada curso”, ressalta. Ele sugere que provas bem elaboradas, aplicadas antes e durante o processo de aprendizagem, podem ser um dos instrumentos para sondar as habilidades adquiridas, embora o método não seja perfeito e não funcione igualmente para todos os alunos e disciplinas.
Modelos híbridos |
Tanto o modelo de transmissão do conhecimento pelo professor quanto o que estimula o aluno a ir atrás das informações são válidos e devem ser utilizadas em diferentes momentos da aprendizagem, defende a professora Bertha do Valle. “O processo de ‘educação bancária’, como dizia Paulo Freire, em que o professor ‘deposita’ na cabeça do aluno todo o seu saber, pode ser utilizado quando novos conhecimentos precisam ser apresentados para serem discutidos posteriormente”, diz Bertha. Mas ela explica que ele não pode ser utilizado com exclusividade, pois não contribui para a motivação do aluno, nem para sua auto-estima, além de enfatizar a famosa “decoreba”.
De acordo com Bertha, o modelo em que o aluno é o pesquisador e busca seu próprio conhecimento também deve ser valorizado pelos docentes, pois irá estimular a busca por respostas e a investigação de assuntos de interesse do estudante. “O professor pode utilizar métodos de ensino mesclados, como fazer juntamente com os alunos a leitura de um texto de assunto que está sendo estudado, com interrupções para debater conceitos novos ou polêmicos, despertando assim a atenção de todos”, explica Bertha. |
Total integração |
No modelo criado pelo grupo de Peter Dourmashkin, professor sênior do Departamento de Física do MIT (Massachusetts Institute of Technology), sempre que possível, os alunos são incentivados a participar ativamente. A sala de aula TEAL (Technology Enabled Active Learning) é composta por 13 mesas redondas onde se sentam nove alunos em cada. Os alunos formam grupos de três e trabalham juntos em atividades propostas. Eles também são incentivados a trabalhar em quadros brancos pendurados nas paredes da sala. No centro há um púlpito em que o professor pode controlar os vários componentes tecnológicos em sala de aula. Câmeras de projeção ficam situadas em cada borda para que o trabalho dos alunos possa ser apresentado a toda a classe. Eles também usam comandos eletrônicos, chamados clíquers, para responder questões conceituais de múltipla escolha. As respostas são coletadas por um sistema wireless e o professor pode instantaneamente medí-las, a fim de determinar quanto tempo de aula será gasto com determinados conceitos. Esta abordagem é chamada de “aprendizagem just-in-time”. O professor também pode fazer mini apresentações usando slides ou escrevendo nos quadros brancos; ambos podem ser projetados para toda a classe. Grupos de estudantes também podem executar experimentos usando equipamentos de laboratório, incluindo computadores para medir dados ou simplesmente para observar fenômenos diretamente. |
Receber versus buscar conhecimento |
Os paradigmas de ensino a que um indivíduo é submetido desencadeiam modalidades de aprendizagem que acompanharão o sujeito por sua trajetória na vida, lembra a psicopedagoga Luciana Barros de Almeida. No modelo em que se privilegia a transmissão, o conhecimento é primário e o aluno, secundário – ele recebendo aquilo que lhe é transferido. Nesse funcionamento há um molde pronto, podendo levar o estudante a ter um perfil passivo, internalizando que o conhecimento vem do outro e seu papel é apenas absorvê-lo, não podendo modificá-lo, explica Luciana. “Ele pode ser um sujeito com falta de iniciativa, falta de criatividade, dificuldade de questionar, o que acaba gerando uma superestimulação da repetição”, afirma Luciana.O outro modelo existente é uma inversão do primeiro. O aluno é que define o que aprende, ou seja, ele é primário e o conhecimento, secundário – o estudante escolhe o que quer conhecer. Como nesse funcionamento o molde vai sendo feito pelo aluno, ele pode ficar sem referência, maturidade e discernimento, acreditando ser capaz de fazer as próprias escolhas, porém por si só restringindo suas experiências, explica Luciana.Para a psicopedagoga, o papel indispensável do professor no ensino é o de mediador, alguém que determina os movimentos que o aluno faz em direção ao conhecimento. |
Novas tecnologias no ensino |
Grande parte dos novos modelos de ensino empregam tecnologias para dar suporte às aulas. Mas elas costumam servir de apoio às novas abordagens de ensino e não ocupar posição central nos novos métodos. “Não é uma mudança de tecnologia, mas metodológica”, explica Álvaro Neves. Como exemplo, ele cita o uso de notebooks ou smartphones para que os alunos de uma classe façam chegar rapidamente ao professor o resultado de uma certa pergunta de múltipla escolha e este possa ter em mãos o número total de erros e acertos da turma para saber se deve ou não investir mais tempo de aula naquele tópico. Cartões coloridos levantados pelos alunos ou os dedos mostrados em frente ao peito podem – de forma um pouco mais lenta, mas ainda assim eficaz – cumprir esse mesmo papel.Carolina da Costa concorda. Ela ressalta que, embora a inserção de tecnologias em sala de aula seja irreversível, o modelo de aprendizagem vai ser sempre o mesmo: baseado no professor, com suas intenções; no aluno, com as suas; e nos instrumentos de ensino – que agora contam com novas tecnologias.Para Bertha do Valle, o uso das tecnologias passou a ser indispensável, mas caberá ao professor planejar sua utilização para, de fato, contribuir para melhorar o processo ensino-aprendizagem. Quem também defende um uso consciente das novas tecnologias no ensino é Luciana Barros de Almeida. Segundo ela, é preciso usá-las nos momentos oportunos, tendo o cuidado de aplicar as tecnologias no ensino e não vice-versa. |
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