NOTÍCIA
Escolas privadas e públicas paulistanas com resultados admirados por educadores e pais revelam suas maneiras de atuar na formação das crianças
Publicado em 15/10/2018
Educação infantil frequentemente leva adultos leigos a pensarem unicamente em brincadeira. O ideal seria que remetesse a esse universo apenas as crianças, porque, indiscutivelmente, trata-se de coisa muito séria. Na pré-escola, voltada a crianças de quatro a cinco anos e onze meses, a universalização está perto de ser conquistada em todo o país.
A média brasileira é de 93% da faixa etária incluída. O mesmo não se pode afirmar sobre os índices de pequenos entre zero e dois anos e onze meses em creches: apenas um a cada três desses brasileirinhos (34,1% em dados de 2017) frequentam as unidades. Ao menos nesse ponto o Brasil precisa, sem dúvida, de evolução.
E, além de incluir, é fundamental pensar também em formas de elevar, em grande escala, o nível médio de qualidade dessas escolas. Atenta às duas questões, Educação foi conhecer escolas públicas e privadas que oferecem EI com eficiência e resultados admirados pelos pequenos, elogiados por pais e aprovados com louvor por educadores.
Uma das propostas mais densas e arrojadas de educação infantil do país na atualidade, observada com um misto de curiosidade e admiração, está incluída na educação básica da família de escolas Concept. Quatro pilares principais norteiam as práticas de ensino e aprendizagem: empreendedorismo, sustentabilidade, colaboração e fluência digital.
Os primeiros três campi da marca, em Ribeirão Preto (SP), Salvador e São Paulo (os próximos serão inaugurados em 2020, no Rio de Janeiro e no Vale do Silício, Califórnia, Estados Unidos, este último para intercâmbio e formação continuada), possuem atualmente 600 alunos, 210 deles no infantil.
São os “filhos” mais novos de um experiente pioneiro do setor, o Sistema Educacional Brasileiro (SEB), maior grupo educacional privado de ensino básico do Brasil e sexto do mundo, com 50 escolas espalhadas pelo país em cinco décadas de existência.
“A inovação pela inovação, desacompanhada de planejamento e julgamento de valor coletivo, não se justifica em si”, analisa Thamila Zaher, diretora-executiva e membro do conselho do Grupo SEB.
“Não escolhemos inovar, com uma experiência de vanguarda como a Concept, por modismo. Desenvolvemos o projeto por acreditar que as mudanças exigem nova postura escolar, que tire o olhar meramente do ensino e o coloque na aprendizagem, na liberdade e na capacidade de avaliação, acrescenta.
O currículo internacional da Concept é desenvolvido pelo grupo britânico Fieldwork Education (Educação em Trabalho de Campo), que atua junto a mais de duas mil escolas e 15 mil professores de 98 países. Para realizar as tarefas simultâneas de educar e atender às diretrizes educacionais sem descolar o olho do futuro, a Concept adota quatro pilares centrais.
O primeiro, por exemplo, chama-se Hábitos da Mente (Habits of Mind), e reúne 16 soluções de problemas e habilidades capazes de promover raciocínio estratégico, perspicácia, perseverança e criatividade. Pensar de Maneira Flexível, Persistir e Assumir Riscos Responsáveis estão entre eles.
Em aula, os educadores lançam mão de ferramentas como Learning Spaces (revisão do conceito de sala de aula para espaço de aprendizagem), Commons (espaços comuns de aprendizado), Student Led Conference (encontro de pais e mestres conduzido pelos alunos com apresentação de trabalhos a cada trimestre) e Festival of Learning (reunião de conclusão de projetos com exibição dos resultados).
Enquanto a Concept representa a ousadia da nova geração de um player cinquentenário, referências tradicionais do ensino, como a Escola Vera Cruz, do bairro paulistano do Alto de Pinheiros, e o Instituto de Educação Beatíssima Virgem Maria, do Morumbi, depositam o peso de suas grifes na modernização.
Criado em 1963 a partir de uma experiência de EI, o Vera Cruz decidiu, anos atrás, modificar seu projeto e aceitar crianças menores de dois anos e meio. “A gente se deparou com uma nova concepção sobre as necessidades da infância e resolveu ampliar a faixa etária; foi bom para todos”, explica a coordenadora de EI da escola, Elizabeth Scatolin. “A interação entre crianças e educadores é o núcleo do projeto. No Vera, os pequenos encontram um ambiente afetivo e acolhedor. A confiança construída permite se deixar cuidar por novos adultos e descobrir novas possibilidades.”
A pedagoga Silvia Gaspariam Colello, livre-docente e coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Alfabetização e Letramento da Faculdade de Educação da USP, concorda. “A criança ausente da escola aos três anos perde muito mais do que os leigos imaginam. Ela não poderá realizar atividades indispensáveis de formação que a família é incapaz de desenvolver em casa”, afirma.
A estrutura elogiável encontrada historicamente nas iniciativas do Vera Cruz faz a diferença também entre as crianças. São 20 turmas (dez em cada turno) e 60 profissionais para cuidar atualmente de 375 alunos de um a cinco anos – média de um profissional para cada 7,5 crianças.
Cada classe é liderada por três profissionais: um educador, um professor-assistente e um atendente. “Os três agentes, inclusive o atendente, possuem formação didático-pedagógica e recebem atualização constantemente”, diz Elizabeth. “O pulo do gato é manter esse treinamento semanal, de seis a sete horas, para além do período de aula”, acrescenta a orientadora pedagógica do infantil, Clélia Cortez.
No Beatíssima Virgem Maria, a educação infantil tem como meta principal o “desenvolvimento integral do aluno em seus aspectos físicos, psicológicos, intelectuais e sociais, complementando a ação da família e da comunidade e preparando-o adequadamente para o processo de alfabetização”.
Recentemente, o Beá, como é chamado na intimidade, firmou parceria com a empresa de programas de formação, treinamento e apoio didático-pedagógico Zoom Education, presente na rotina de dois milhões de alunos em mais de cinco mil unidades educacionais do País.
“A união do trabalho da escola com nossas ferramentas produziu resultados acima da média”, comemora Renata Violante, da Zoom. “Com esses materiais, conseguimos aprofundar conteúdos, reflexões e desafios cognitivos propostos em nosso projeto pedagógico”, acrescenta a coordenadora pedagógica da EI, Viviane Freitas Leite.
Na tarefa de educar, pouco ou nada adianta ter instalações elogiáveis, acumular materiais didáticos sedutores ou manter aparatos tecnológicos impressionantes, se tudo isso estiver submetido a um projeto pedagógico ralo ou a diretores e professores ineficientes.
Boas ferramentas auxiliares sempre ajudam, mas o que faz a diferença, no final, são educadores, coordenadores e diretores preparados e entrosados a serviço de uma proposta educacional consistente.
Os paulistanos Escola da Vila, Colégio Palmares e Escola do Bairro estão neste último grupo. Há anos, mostram competência para unir em seus projetos as três pontas: pedagogia bem definida, condução consciente e times de execução bem preparados. Um dos pioneiros da educação construtivista no país, o grupo Escola da Vila possui quatro unidades de ensino básico na região metropolitana de São Paulo.
O projeto curricular infantil valoriza a busca de autoconfiança, raciocínio independente e pertencimento. Para atingir as metas, os educadores recorrem ao acesso à cultura, em trabalhos com muita literatura e obras de artistas plásticos contemporâneos.
A proposta da Escola da Vila se organiza em três âmbitos de experiência: Identidade e Autonomia, Comunicação e Representação e Conhecimento do Mundo. A primeira envolve iniciativas relacionadas “à construção da identidade pessoal, percepção e valorização das diferenças e semelhanças entre as pessoas, da cooperação e do trabalho coletivo na concretização de objetivos comuns”.
A segunda contempla a criação de “expressão pessoal e uso de linguagens para atuar socialmente e manifestar pensamentos, sensações e ideias, além de arte, música, brincadeiras, oralidade, leitura, escrita, matemática e língua inglesa”. E a terceira abriga as ações com “manifestações sociais e culturais deste e de outros tempos e experiências das crianças com o mundo natural em seus diferentes aspectos.”
Fernanda Flores, psicóloga, mestre em Educação e diretora pedagógica de EI da Escola da Vila, chama atenção para a ênfase dada aos caminhos que levam à construção do conhecimento.
“Criamos cenários e situações em que aparece o risco de errar, reconhecer o erro, analisá-lo e aprender com o processo”, explica. “Para isso, usamos a investigação para ampliar horizontes. Nessa faixa etária, a curiosidade não se desenvolve sozinha. Precisa ser provocada”.
No Palmares, em ação há 43 anos em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, hoje com 110 dos 800 alunos na educação infantil, a filosofia educacional prioriza um olhar humanista, de cooperação e valorização do conhecimento, da cultura e do envolvimento emocional e afetivo.
“Temos uma equipe envolvida. Eles se atualizam a partir de nossos compromissos e demandas”, atesta o pedagogo, escritor, roteirista e palestrante Edson D’addio, diretor pedagógico do colégio. “A combinação estimula um comportamento positivo em relação ao estudo, ao convívio social e à vida”, completa.
A condução da pedagogia no Palmares se sustenta em três princípios: afetividade, consciência moral e desenvolvimento intelectual.
Na pré-escola, aberta a crianças que completam quatro anos até dia 30 de junho, são desenvolvidos temas ligados à formação da Terra, evolução da vida, fauna e flora, magnetismo e climas, além das disciplinas Comunicação e Expressão, Matemática, Ciências, Estudos Sociais, Educação Física, Educação Artística, Música, Inglês, Teatro, Informática, Culinária e Vida Prática.
No ensino, os educadores combinam alunos de várias idades e recorrem a projetos criativos como a Caixa do Desabafo e os Potes da Calma e das Emoções. Nesses locais, as crianças depositam relatos sobre coisas ou situações que as desagradaram.
No caso dos potes, podem também retirar objetos com referências a sentimentos como raiva, alegria ou preguiça, e falar ou conversar sobre cada um deles.
Ou se acalmar observando o brilho do movimento de uma porção de purpurina colocada com água em um pote transparente.
Ao final de cada projeto em que foram produzidos trabalhos manuais, todas as classes organizam uma exposição de uma semana para os pais e familiares – com os pequenos na função de guias.
Se essa reportagem reunisse produtores de vinho em vez de centros de ensino, a Escola do Bairro poderia representar, perfeitamente, o grupo das vinícolas butiques.
São muitas as referências à delicadeza e à busca da excelência nesse projeto desenvolvido por Gisela Wajskop, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo.
O bairro que abriga a escola, a Vila Mariana, zona sul paulistana, faz parte da memória afetiva de Gisela por ser aquele em que sua avó morou.
O espaço da sede foi escolhido por sua área externa arborizada e também por ter preservado uma casa típica das residências paulistanas dos anos 1940 e 1950, que foi restaurada.
A Escola do Bairro atende crianças de um a dez anos, agrupadas em ciclos multietários – ou Turmas: da Minhoca, do Laguinho, da Jabuticabeira.
No segundo, pra ilustrar o projeto, grupos de até 20 crianças entre três e quatro anos com dois professores-referência convivem em espaços e ambientes planejados para oferecer uma rotina com musicalização, danças populares, brincadeiras em inglês, faz de conta e práticas investigativas.
Gisela se esforça para evitar, no seu rebanho, o que chama de “simulacro” da vida real. “A escola é o primeiro ponto de encontro desses pequeninos com o mundo sem a proteção dos pais. Na maioria dos casos, essas crianças possuem apenas um irmão em casa – isso quando possuem”, contata a diretora.
“As escolas deveriam educar essas crianças com verdade, ocupar o entorno, a padaria, o bairro, as ruas. Queremos evitar que nos transformemos em simulacros da vida real para as crianças, como hoje infelizmente ocorre em muitas escolas”, lamenta a educadora.
“No final das contas e no fundo, o grande conteúdo da educação infantil é a vida”, resume Sônia Larrubia, pedagoga, pesquisadora, consultora e mestre em Psicologia da Educação com longa carreira em EI na cidade de São Paulo.
“O fundamental é achar o momento e o ponto adequados a cada período dos pequenos alunos para levar a prática do viver ao ambiente da escola. Essa é a equação”, define.
Mas, afinal, o que é indispensável começar a fazer e a impulsionar, como tronco comum a particulares e públicas, pobres e ricas, gerar melhores resultados em escala na EI?
“É preciso realizar o que sempre se necessita quando se trata de educação: ter claro que não existem milagres de curto prazo”, afirma Maria Malta Campos, uma das mais importantes pesquisadoras do tema no país.
“É necessário continuar a desenvolver o que está consensualmente disposto, pois tudo é fruto de mobilizações sociais iniciadas na transição democrática dos anos 1970 e 1980. As políticas necessitam de continuidade e não se deve inventar a roda a cada mudança de prefeito, secretário ou presidente.
Talvez o aspecto mais urgente seja dar prioridade à formação inicial e continuada dos educadores, o que inclui professores e os chamados auxiliares (a maioria mulher), que precisam ter no mínimo o magistério de nível médio ou o curso de pedagogia em nível superior.
O debate sobre qual seriam os melhores caminhos para isso ainda está aberto – e precisa prosseguir rumo a mudanças nos currículos dos cursos e no apoio aos professores iniciantes.” Em resumo: trabalho, formação, recurso, continuidade e distância do exagero de invenção.
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