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Publicado em 25/08/2025
Não podemos deixar tudo a cargo das escolas; as famílias ocupam uma posição central na construção de hábitos digitais saudáveis
Vivemos uma transformação social marcada pela presença constante de telas. Smartphones, tablets, computadores e TVs estão cada vez mais presentes no dia a dia, especialmente entre crianças e adolescentes. Redes sociais, aplicativos de mensagens e plataformas de vídeo se tornaram locais para convivência, aprendizagem, lazer e expressão.
No entanto, esses espaços não foram idealizados para esse público mais jovem e, junto com essas oportunidades, surgem desafios que afetam não só o desenvolvimento cognitivo, mas também o bem-estar emocional dos jovens.
De acordo com a pesquisa TIC Kids Online Brasil (2023), 93% das crianças e adolescentes brasileiros de nove a 17 anos usam a internet regularmente, e o celular é o principal dispositivo de acesso para 90% deles. O tempo médio diário conectado varia conforme a idade, mas estudos apontam que, em muitos casos, ultrapassa três a cinco horas por dia.
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Essa exposição prolongada, especialmente quando não acompanhada de orientações adequadas, pode afetar o sono, a concentração, a autoestima e aumentar a vulnerabilidade a riscos como cyberbullying, contato com desconhecidos e consumo de conteúdos inadequados.
Ao mesmo tempo, as telas não devem ser encaradas como vilãs absolutas. A tecnologia é um recurso potente para a aprendizagem, para o desenvolvimento de habilidades e para a manutenção de vínculos sociais.
O problema não está no uso em si, mas no como, quando e quanto se usa.
Por isso, famílias e escolas precisam atuar como parceiras, estabelecendo um diálogo constante sobre hábitos digitais, segurança online e saúde mental.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que problemas de saúde mental já estão entre as principais causas de incapacitação entre adolescentes. Ansiedade, depressão e distúrbios do sono têm crescido nos últimos anos, e especialistas relacionam parte desse aumento à forma como os jovens interagem com as redes sociais e com os dispositivos digitais.
Pesquisas mostram que a exposição contínua a conteúdos que promovem comparações sociais, como imagens idealizadas de corpo, sucesso ou estilo de vida, pode gerar sentimentos de inadequação e baixa autoestima. Além disso, o excesso de tempo online, especialmente durante a noite, prejudica o ciclo do sono, interferindo diretamente no humor e na capacidade de aprendizagem.
A Royal Society for Public Health (Reino Unido) identificou que plataformas como Instagram e TikTok podem ter efeitos negativos sobre a autoimagem de adolescentes, principalmente meninas, quando não há orientação ou moderação no uso.
Outro aspecto preocupante é a pressão pela conectividade constante. A lógica das notificações e a necessidade de responder rapidamente mensagens e interações criam um estado de vigilância permanente, dificultando momentos de descanso e desconexão. Essa hiperestimulação, somada ao risco de exposição a discursos de ódio, assédio virtual e notícias falsas, torna ainda mais urgente a atuação das famílias como mediadoras do mundo digital.
Quando famílias e escolas caminham juntas, a educação digital se torna mais sólida e a saúde mental dos jovens é melhor protegida (Foto: Shutterstock)
Não podemos deixar tudo a cargo das escolas; as famílias ocupam uma posição central na construção de hábitos digitais saudáveis. A casa é o primeiro espaço onde crianças e adolescentes aprendem, tanto pela observação quanto pela interação, como lidar com as tecnologias que moldam o cotidiano.
Mais do que estabelecer regras rígidas, é essencial cultivar um ambiente de diálogo e confiança, no qual o jovem se sinta seguro para compartilhar suas experiências e dúvidas sobre o universo online.
Nesse processo, as escolas podem e devem atuar como parceiras estratégicas, oferecendo informações, recursos e orientações práticas. Para que essa colaboração seja efetiva, as mensagens transmitidas às famílias precisam ser claras, realistas e adaptadas à realidade sociocultural de cada comunidade escolar. Assim, a orientação deixa de ser apenas normativa e passa a ser uma rede de apoio para pais e responsáveis.
Um dos pilares dessa relação é o acompanhamento ativo (e não a vigilância) da vida digital dos filhos. Conhecer as plataformas que eles utilizam, compreender suas funcionalidades e conversar sobre os conteúdos acessados demonstra interesse genuíno e abre espaço para trocas valiosas. Perguntar sobre vídeos, jogos ou conversas online pode ser o início de diálogos que reforçam a confiança e ajudam a orientar escolhas mais seguras.
Outro aspecto fundamental é o estabelecimento de limites equilibrados. Definir horários e intervalos para o uso de dispositivos mantém o equilíbrio entre o tempo diante das telas e as atividades offline e de interação social. Segundo a Academia Americana de Pediatria, é importante que o tempo de tela seja compatível com a idade e não comprometa o sono, os estudos, a prática de atividades físicas ou a convivência social. Refeições em família e o período antes de dormir, por exemplo, devem ser momentos livres de tecnologia, favorecendo a interação social.
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Além do controle de tempo, estimular o pensamento crítico é uma habilidade indispensável. Em um ambiente digital permeado por informações falsas ou distorcidas, ensinar o jovem a questionar a origem, a intenção e a confiabilidade do que consome fortalece sua autonomia e reduz a vulnerabilidade à manipulação. Essas conversas podem partir de notícias, postagens virais ou tendências nas redes, sempre buscando desenvolver um olhar analítico.
O exemplo dos adultos também desempenha um papel decisivo. Familiares e responsáveis que demonstram equilíbrio, verificam informações antes de compartilhar e valorizam momentos de desconexão inspiram comportamentos semelhantes nos filhos. É na observação diária que os jovens internalizam valores e práticas sobre o uso saudável da tecnologia.
Quando erros acontecem, como o compartilhamento de uma informação falsa, a exposição excessiva ou a participação em conflitos online, o ideal é que esses episódios sejam tratados como oportunidades de aprendizado. Em vez de punições isoladas, é mais produtivo transformá-los em momentos de reflexão, explorando alternativas e estratégias mais seguras de interação.
Para que todas essas práticas se consolidem, as escolas precisam assumir um papel ativo como mediadoras e orientadoras.
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Isso inclui promover reuniões e oficinas temáticas sobre cidadania digital, segurança online e equilíbrio no uso das telas, reunindo especialistas e criando espaços de troca entre famílias. Campanhas educativas contra a desinformação e o cyberbullying, envolvendo pais e alunos na criação de conteúdos positivos, ajudam a fortalecer uma cultura digital responsável.
Projetos interdisciplinares que incentivem o uso da tecnologia para a produção criativa e a aprendizagem colaborativa também podem mostrar que as redes sociais não precisam ser apenas canais de consumo, mas ferramentas de construção e expressão. Além disso, manter canais de comunicação abertos entre escola e responsáveis permite identificar precocemente sinais de sofrimento emocional relacionados ao uso digital e acionar estratégias conjuntas de apoio.
Quando famílias e escolas caminham juntas, a educação digital se torna mais sólida e a saúde mental dos jovens é melhor protegida. Entre telas e conversas, constrói-se um espaço onde tecnologia e bem-estar podem coexistir, preparando crianças e adolescentes para serem não apenas usuários, mas cidadãos conscientes e críticos do mundo digital.
Escolas e famílias devem estar atentas a comportamentos que podem indicar que o uso das telas está prejudicando a saúde mental do jovem, como:
Quando esses sinais aparecem, é fundamental agir rapidamente, buscando o diálogo e, se necessário, o apoio de profissionais de saúde mental. No cenário atual, não é realista nem saudável propor a desconexão total. As telas fazem parte da vida e oferecem oportunidades reais de aprendizado e interação. O desafio está em transformar a relação com a tecnologia em algo equilibrado e construtivo.
Entre as telas e as conversas, existe um espaço de mediação que cabe às famílias ocupar. É nesse espaço que valores são transmitidos, que o pensamento crítico é cultivado e que a saúde mental é preservada. Com o apoio das escolas, as famílias podem assumir o protagonismo na educação digital, preparando crianças e adolescentes para serem não apenas consumidores, mas também cidadãos digitais conscientes, respeitosos e seguros.
Investir nesse diálogo é investir em um futuro em que a tecnologia potencializa (e não substitui) as conexões humanas. Afinal, no mundo hiperconectado, a melhor rede social ainda é aquela que se constrói com escuta, presença e afeto.
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