NOTÍCIA
Sem uma política nacional estruturada, o país derrapa em fortalecer sua cultura democrática
João Tavares* da NEC | O Brasil fala muito pouco sobre educar para a democracia em sala de aula. O resultado é que, geração após geração, formamos eleitores que desconhecem os princípios democráticos e do funcionamento dos governos. Sem nunca terem aprendido qual é o papel de um vereador ou o que são os Três Poderes, esses eleitores são convocados, de forma compulsória e paradoxal, a decidirem os rumos da nação de dois em dois anos. Norberto Bobbio, sociólogo italiano, elencou a educação cidadã como uma das promessas não cumpridas da democracia. Por aqui, essa tarefa resta incompleta.
A Alemanha é um exemplo de país que levou a sério a ideia de educar para a democracia. Dividido entre nazistas remanescentes e soviéticos ocupantes, em 1952 o país tomou a decisão de criar um órgão federal com o objetivo de fortalecer a sua cultura democrática — a Agência Federal de Educação Política.
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O papel da escola no educar para a democracia e cidadania
Educação cidadã precisa de prática e sentido
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Com autonomia institucional e uma governança republicana, a Agência foi a responsável por estabelecer diretrizes na educação para a democracia, pela produção e distribuição gratuita de materiais didáticos e pelo apoio à formação de professores em todos os estados alemães. O país fez da condenação aos horrores do Holocausto uma política de Estado, e hoje a Alemanha é, com seus avanços e retrocessos, uma das democracias mais consolidadas do mundo. Exemplos semelhantes podem ser vistos em praticamente todas as democracias bem-sucedidas.
Por aqui, a banda toca diferente. Enquanto sociedade, nós não tratamos nossas chagas — o Brasil nunca aceitou deitar no divã para lidar com seu passado. Os dados refletem essa realidade: os estudantes brasileiros ficaram em último lugar em proficiência em Cidadania no International Citizenship and Civic Study (ICCS) de 2022, um estudo que compara o nível de compreensão dos estudantes sobre a democracia entre 22 países.
De acordo com o Democracy Index da revista britânica The Economist, o Brasil pontuou 5 em cultura política em 2023 — o que coloca a qualidade da nossa participação em patamar idêntico ao de países considerados autoritários pelo mesmo Índice, como Azerbaijão, Iêmen e Camboja.
Brasil fala muito pouco sobre educar para a democracia em sala de aula (Foto: Shutterstock)
A boa notícia é que muita gente trabalha para mudar essa realidade. Na Rede Nacional de Educação Cidadã, coalizão suprapartidária dedicada a fortalecer a cultura democrática no Brasil, já mobilizamos mais de 120 iniciativas públicas e da sociedade civil que dialogam com jovens sobre cidadania e desafios contemporâneos, como combate à desinformação e às mudanças climáticas. O objetivo é que, desde cedo, os estudantes se tornem agentes de transformação, capazes de impactar positivamente suas escolas e comunidades por meio do engajamento coletivo e qualificado.
Embora centenas de instituições do Estado — de Tribunais de Justiça a Escolas do Legislativo — já atuem nesse esforço pedagógico, poucas redes de ensino assumiram compromisso com a educação para a democracia. Sergipe é exemplo: em 2025, tornou-se o primeiro estado a criar um Programa Estadual de Educação Cidadã. Para formar uma geração de democratas convictos de que os desafios do país podem — e devem — ser enfrentados por todos nós, o apoio do Ministério da Educação é fundamental. É hora de agir: talvez não tenhamos outros 40 anos de democracia.
João Tavares é advogado, administrador público e diretor-executivo da Rede Nacional de Educação Cidadã (NEC)
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