NOTÍCIA

Opinião

Autor

Marta Avancini

Publicado em 20/08/2025

Jornalismo de educação: governo pauta a cobertura

A cobertura governamental ainda é a que tem mais espaço nos grandes veículos nacionais, mas o olhar diverso e a abordagem além das hard news (notícias quentes) são garantidos por sites, plataformas e redes especializados

Por Marta Avancini* | Há 27 anos, começava minha trajetória como jornalista de educação. Na época, final dos anos 1990, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, muitas mudanças estavam em curso no campo das políticas educacionais e a Folha de S.Paulo, onde eu trabalhava, precisava de reforço na área.

Fundef, Provão, Saeb, Pisa, Enem, ciclos, distorção idade-série, educação para todos. Esses, entre outros, eram temas que surgiam nos releases (comunicado de imprensa) e conversas com as fontes. Era um momento de grandes mudanças no campo das políticas educacionais e cabia a nós, repórteres, dar forma a essas siglas e propostas nas reportagens. Do ponto de vista pessoal, era um desafio e tanto, rico em aprendizagem e ampliação de horizontes. Para o país, aquele período significou o ponto de partida para a estruturação de um arcabouço de políticas educacionais que vigora até hoje.

—————————–

Leia também

Educação brasileira nos últimos 30 anos: entre conquistas e tropeços

Educação ambiental deve ser prática e transversal

—————————–

Não há dúvidas sobre o papel relevante desempenhado pela imprensa naquele momento, disseminando informações, conceitos e as próprias políticas — contribuindo, assim, para a sociedade compreender as novas configurações da educação no país. Era um momento crucial, no qual a ideia do direito à educação de todas as pessoas, estabelecido pela Constituição de 1988, começava a ganhar materialidade em políticas que tinham como objetivo assegurar acesso, recursos financeiros e condições mínimas de permanência. Afinal, não sabíamos sequer o número exato de matrículas no ensino fundamental. E vínhamos de uma sociedade que nunca havia entendido a educação como direito, mas que a usava como um meio para assegurar privilégios. Isso, também, era assunto para as notícias.

Avançamos muito de lá para cá em vários aspectos, em outros nem tanto. A desigualdade, marcada a ferro na sociedade brasileira, ainda exibe uma de suas faces mais escandalosas na área da educação e é, possivelmente, o maior desafio que ainda temos de enfrentar.

Outros desafios se intensificaram, por exemplo, a desvalorização docente, e vários novos surgiram — como o avanço da inteligência artificial sobre a educação.

O mundo mudou, a comunicação mudou, mas o jornalismo de educação continua mais necessário do que nunca. A educação atravessa a sociedade de várias maneiras, em diversas camadas, num arco que abrange desde os milhões de estudantes que frequentam as escolas e faculdades até as transformações que ela promove nas pessoas e seus impactos na configuração econômica, política e cultural. Afinal, é pela educação que se moldam pessoas e sociedades. Por isso, é preciso falar de educação.

jornalismo de educação

Jornalismo de educação continua mais necessário do que nunca (Foto: Shutterstock)

—————————–

Leia também

Engajamento familiar é estratégia para o sucesso acadêmico de escola nos EUA

Novo Plano Nacional de Educação entre metas urgentes e estratégicas

—————————–

Ao lado dos desafios, o atual cenário de disseminação dos extremismos de direita e de confusão entre mentira, opinião e informação torna o jornalismo de educação ainda mais relevante: para além das políticas públicas, essenciais para possibilitar acesso a direitos, a educação diz respeito a uma série de temas essenciais para nos situarmos — como seres humanos e cidadãos — no mundo de hoje.

Falo de diversidade, das questões socioemocionais, da violência, da educação a distância, do avanço das ideologias conservadoras no ambiente escolar, das consequências da emergência climática, das novas formas de aprender e de se relacionar com o conhecimento. Todos temas da educação do século 21, que atravessam a vida, as relações sociais, as percepções de mundo, as escolhas, as visões de mundo.

Embora relevantes, percebo que esses temas ainda tendem a permanecer minoritários na cobertura de educação, ainda guiada pelo ritmo e tom dos movimentos do governo. Estes permanecem relevantes, já que sem políticas públicas não há acesso a direitos, mas parece faltar no jornalismo de educação uma certa conexão com problemáticas significativas do ser e estar no mundo contemporâneo.

Esse é um traço da cobertura já identificado por uma pesquisa realizada pela Andi – Comunicação e Direitos em 2018. O estudo mostrou que o poder público é fonte de 54% das matérias sobre educação; os professores são fonte em 7,4% delas. Com relação ao foco das matérias de educação, as avaliações respondem por 21% do total. As questões de gênero são foco de 0,30% dos textos.

Os números indicam um descompasso de vozes, perspectivas, temas, problemáticas presentes nas matérias. É verdade que isso não acontece somente na cobertura de educação; privilegiar a perspectiva oficial é um traço do jornalismo em geral que se replica nas reportagens sobre educação. Embora ‘sempre tenha sido assim’, penso que é essencial continuar insistindo, buscando furar as bolhas e diversificar olhares e perspectivas. E são muitas as possibilidades para isso, tanto em termos de veículos quanto de perspectivas.

—————————–

Leia também

“Vi a educação sendo ressignificada”, conta Débora Garofalo

Da pesquisa à sala de aula: pela alfabetização de todas as crianças

—————————–

Hoje existem muitos veículos nichados ou de alcance local que abrem espaço para a cobertura de educação, agregando à cobertura olhares e perspectivas que tendem a ficar à margem. São sites, plataformas, podcasts, redes de profissionais, muitos deles no Nordeste e Norte ou em regiões interioranas, que dão visibilidade às perspectivas diferentes daquelas que estão presentes nos veículos consolidados.

Isso é essencial num país onde nove de cada 20 municípios são desertos de notícias, que não contam com nenhum veículo de comunicação, segundo o Atlas da Notícia. E é justamente nessas regiões que a desinformação tende a se disseminar mais intensamente.

A educação, mostram as investigações da Coar Notícias, agência de combate à desinformação e educação midiática baseada no Nordeste, é um dos principais alvos desses sistemas, o que reforça a importância da mídia nesses territórios tanto numa perspectiva tradicional — de levar a informação, explicar esclarecer, analisar, monitorar o poder público — quanto pelo potencial de trazer para o giro do noticiário olhares, vivências e experiências invisibilizadas.

Ao lado desses veículos, os editais de organizações sociais para a produção de reportagens de educação também desempenham, no momento atual, um papel fundamental para fomentar a produção e a publicação de matérias sobre o tema. Essas iniciativas, aparentemente marginais e capilarizadas, precisam ser fortalecidas, estimuladas, divulgadas. Elas são estratégicas para a sustentação do jornalismo de educação, e, principalmente, para animar o debate público sobre questões cada vez mais cruciais para nossa existência como coletividade.

*Marta Avancini é jornalista de educação, editora pública da Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação), coordenadora da Fundação Síndrome de Down. É Jornalista Amiga da Criança premiada pela ANDI – Comunicação e Direitos. Foi repórter, editora e correspondente em Paris da Folha de S.Paulo e repórter do Estado de S.P.

——

Revista Educação: referência há 30 anos em reportagens jornalísticas e artigos exclusivos para profissionais da educação básica

——

Escute nosso podcast


Leia Opinião

Jornalismo de educação: governo pauta a cobertura

+ Mais Informações

Investir na pré-escola é cuidar do futuro do país

+ Mais Informações
Student,,Writing,And,Notebook,In,Library,For,Study,,Education,And

Enade e transdisciplinaridade: o que a nova prova quer do estudante

+ Mais Informações

Desperdício e teimosia: o preço de insistir

+ Mais Informações

Mapa do Site