NOTÍCIA
Quando a insistência é força e quando se torna prisão? E, acima de tudo, como cultivar uma flexibilidade lúcida sem cair no conformismo ou na desistência precoce?
Por Rubens Harb Bollos*, médico e presidente-fundador da ABMPP (Associação Brasileira de Medicina Personalizada e de Precisão) | Por que insistimos em caminhos que não dão certo? Por que, mesmo diante de evidências do fracasso, continuamos presos a decisões que nos afastam de resultados melhores? A teimosia humana, tantas vezes romantizada como virtude ou confundida com resiliência, pode esconder armadilhas que comprometem nossa saúde, vínculos e nossas escolhas.
Embora possa parecer força de caráter ou persistência — como exaltada em personagens da mitologia como Ulisses em sua jornada persistente, Prometeu desafiando os deuses, ou mesmo em líderes históricos como Churchill, cuja obstinação foi virtude na guerra, mas, obstáculo na política pós-guerra —, quando desprovida de flexibilidade e reflexão, a teimosia torna-se obstinação cega — e isso tem custo.
Em muitos contextos, insistir no erro leva não só ao desperdício de tempo e recursos, mas também ao adoecimento mental, relacional, fisiológico e até sísmico — no sentido de rupturas internas e externas que se acumulam até provocarem colapsos — uma imagem que ressoa com o mito de Sísifo, condenado pelos deuses a empurrar eternamente uma pedra montanha acima, apenas para vê-la rolar de volta. Como um anti-herói que ousou desafiar Zeus, Sísifo encarna a teimosia trágica: insistente, audaz, mas fadada ao desgaste repetitivo.
Estudos em neurociência e saúde pública indicam que a rigidez cognitiva prolongada e o estresse crônico associado à teimosia disfuncional contribuem para o adoecimento físico e desgaste psíquico generalizado.
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Estudos como os de Fineberg (2014) demonstram que padrões de rigidez comportamental ativam circuitos cerebrais específicos associados ao sofrimento psíquico e à baixa adaptação, enquanto pesquisas em saúde pública apontam custos elevados decorrentes da resistência à mudança em políticas ou práticas institucionais.
Segundo a OMS (2023), até 70% dos atendimentos em cuidados primários estão ligados a causas psicossomáticas. Essas condições não resultam apenas de teimosia, mas de uma complexa interação entre fatores emocionais, sociais, ambientais e históricos.
Quando associada à inflexibilidade institucional ou à resistência prolongada à mudança, a teimosia pode contribuir para o desperdício de recursos públicos, atrasos em políticas de saúde, manutenção de protocolos ineficazes e sofrimento evitável — configurando um custo ético e coletivo que extrapola a esfera pessoal.
Em muitos casos, essa dinâmica também se expressa no comportamento repetitivo de indivíduos que, mesmo não sendo teimosos por natureza, comparecem reiteradamente aos serviços de saúde esperando que o sistema resolva seus sofrimentos complexos com soluções rápidas. Ao não reconhecerem a necessidade de processos mais profundos e integrativos, acabam reforçando o ciclo de frustração e dependência, esgotando os profissionais e comprometendo a efetividade das políticas públicas.
Esse padrão se repete na vida pessoal, nos sistemas de ensino, na política e nas organizações. Ele provoca entropia, esgotamento e perda de oportunidades. O desperdício gerado pela teimosia é observável tanto na neurobiologia quanto na saúde coletiva e na governança institucional.
Foto: Shutterstock
Esses efeitos não são apenas teóricos. Na prática, decisões teimosas — quando não revisadas — podem gerar sérios prejuízos: diagnósticos médicos imprecisos mantidos por orgulho clínico, tratamentos ineficazes repetidos por conveniência, estratégias empresariais falidas sustentadas por vaidade de CEOs, políticas públicas desastrosas defendidas por ideologia.
Segundo estudo da Harvard Business Review (2018), decisões equivocadas não corrigidas por líderes corporativos custam às empresas globais mais de 500 bilhões de dólares por ano. Nesses contextos, a teimosia ultrapassa o campo individual e torna-se um problema coletivo, ético e econômico.
Este artigo propõe uma leitura interdisciplinar da relação entre teimosia e desperdício, articulando filosofia, neurociência, saúde mental e pensamento dentro da teoria da complexidade.
A proposta aqui é abrir espaço para reflexão: quando a insistência é força e quando se torna prisão? E, acima de tudo, como cultivar uma flexibilidade lúcida sem cair no conformismo ou na desistência precoce?
Se a evolução premiou a adaptabilidade, por que ainda insistimos em repetir padrões que falharam? Trata-se também de uma discussão com implicações sociais e políticas relevantes: a rigidez nas instituições, nos discursos e nas práticas públicas pode gerar inércia, retrocessos e altos custos coletivos — e, por isso, precisa ser enfrentada com lucidez e coragem.
A palavra teimosia deriva do latim temerarius, que remete a algo imprudente, obstinado, precipitado — o nosso famoso temerário e temível —, mas também a ‘tempo’ (tempus), sugerindo que, talvez, a teimosia seja uma negação do tempo real, uma tentativa de manter fixo aquilo que já pede transformação. Com o tempo, foi associada à insistência cega, que não ouve nem pondera, ou seja, perde-se a consciência.
Já desperdício vem do latim disperdere, que significa destruir, arruinar, fazer desaparecer, dispersar. Ambas carregam em sua origem a ideia de perda e desintegração: uma pela insistência, outra pela destruição. Quando unidas, revelam um padrão recorrente da condição humana: perder por insistir demais.
Em biologia evolutiva, organismos que conseguem conservar energia e tomar decisões mais eficientes tendem a ter maior sucesso reprodutivo e longevidade.
Essa lógica biológica não se limita à célula ou ao organismo — ela também se reflete nas escolhas humanas, nos padrões relacionais e nas decisões que impactam saúde e bem-estar. A seleção natural favorece adaptações que evitam desperdícios desnecessários, inclusive cognitivos, pois gastar menos e preservar mais aumenta as chances de sobrevivência e transmissão genética.
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Indivíduos que mantêm padrões teimosos e desadaptativos, contra esse princípio biológico de eficiência, acabam construindo trajetórias mais complicadas de vida, tanto do ponto de vista emocional quanto prático.
Diversos estudos associam perfis de rigidez comportamental com maior risco de adoecimento mental, falência de empreendimentos, relações instáveis, morte precoce e baixa satisfação geral com a vida. Um exemplo paradoxal, utilizado aqui como analogia simbólica, é o da célula cancerosa: ela consome menos energia do que nossas células saudáveis e, por isso, consegue se multiplicar de forma acelerada — originando as metástases.
Neste cenário, é o próprio sistema imunológico que, por razões multifatoriais, insiste em tolerar o intolerável, a célula mutante e estranha e hostil a nós — como padrões emocionais tóxicos, estressores crônicos ou negligência afetiva — e acaba adoecendo, numa analogia ao paradoxo da tolerância do filósofo austríaco Karl Popper.
Ele afirma, em A sociedade aberta e seus inimigos que, em uma sociedade tolerante, o limite da tolerância deve ser a intolerância. Se tolerarmos o intolerável, corremos o risco de que a intolerância destrua a própria base da tolerância.
Estudos em comportamento social e saúde pública indicam que indivíduos com menor flexibilidade cognitiva e emocional — muitas vezes interpretada como teimosia — tendem a apresentar mais dificuldades na adesão a rotinas de autocuidado e hábitos de estudo. Também enfrentam desafios importantes no planejamento financeiro e na disciplina quanto ao uso de tecnologias, por exemplo.
Isso não define uma pessoa, mas aponta para desafios adaptativos e autorregulatórios importantes, sobretudo em contextos de alta complexidade como o mundo digital, o mercado de trabalho, a vida acadêmica e a própria parentalidade.
A rigidez comportamental está associada à maior exposição ao uso excessivo de telas, menor desempenho escolar, absenteísmo profissional e dificuldade na manutenção de vínculos saudáveis e conflitos graves familiares. Esse mesmo padrão, quando observado no ambiente sociopolítico, revela consequências igualmente significativas tanto na governança quanto no compliance de estados, organizações e sociedades.
Líderes teimosos, por exemplo, tendem a resistir à inovação, centralizar decisões e ignorar feedbacks, o que compromete o engajamento da equipe, aumenta a rotatividade e reduz a adaptabilidade da instituição.
Já liderados com comportamento inflexível frequentemente têm dificuldade em cooperar, adaptar-se a mudanças e aceitar orientações, gerando atritos e diminuindo a produtividade coletiva. A teimosia, nesse contexto, compromete o clima organizacional e favorece ambientes hierárquicos rígidos, onde o desperdício de talentos, tempo e oportunidades é recorrente.
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E, no fim, o impacto recai sobre os trabalhadores — a chamada ponta menor. São eles que enfrentam os cortes e o desemprego resultantes das decisões infelizes tomadas por líderes teimosos, resistentes ao diálogo ou à reavaliação de estratégias. O mercado, por sua vez, cobra lucros ou exige corte de prejuízos, punindo instituições pouco adaptáveis com retrações, fusões ou falências. na corporação e o “mercado” não perdoa. Cobra por lucros ou diminuição do prejuízo. Não se trata de culpabilizar, mas de reconhecer que padrões mentais inflexíveis podem contribuir para trajetórias mais instáveis ou marcadas por desgaste e frustração.
A mesma rigidez observada em ambientes organizacionais pode ser identificada em núcleos mais íntimos, como a família. Nesse sentido, observa-se também um aumento da queixa parental em relação à teimosia infantojuvenil, especialmente em tempos de excesso de estímulos digitais, baixa regulação emocional e crise de autoridade simbólica e moral dos adultos.
Crianças e adolescentes com padrão teimoso persistente, quando não acolhidos e orientados com limites claros e afeto, podem desenvolver dificuldades de aprendizagem, impulsividade, agressividade, tendências de radicalização e uso de droga; e resistência a regras, o que compromete o vínculo com pais, professores e colegas.
A teimosia precoce, se mal conduzida, não apenas gera desperdício de potencial, mas também amplia a sensação de fracasso na parentalidade contemporânea — num contraste evidente com os ambientes organizacionais, onde a rigidez produz efeitos mais coletivos e institucionais, aqui o impacto é íntimo, afetivo e formador do futuro e o pior, leva marcas deletérias e permanentes, como evidencia a Epigenética.
Estudos clássicos, como os de Meaney e Szyf (2004), mostraram que experiências de estresse precoce afetam a metilação do DNA. Estudos conduzidos por Rachel Yehuda, da Icahn School of Medicine at Mount Sinai (New York), demonstram que traumas intensos, como os vivenciados por sobreviventes do Holocausto, podem alterar a metilação de genes ligados à resposta ao estresse, com efeitos observáveis também em seus descendentes — reforçando a hipótese de transmissão epigenética do trauma.
Para aprofundar o olhar, é possível compreender que a teimosia se manifesta de maneiras distintas, com impactos variados sobre a vida pessoal, social e institucional. Podemos observar pelo menos três formas predominantes: a que gera desperdício, a que bloqueia oportunidades e a que atua como resistência saudável, contraponto benéfico para os duas primeiras, nocivas.
A primeira ocorre quando insistimos em algo já fracassado ou desatualizado. A filosofia chama isso de ‘viés da falsa consistência’ — um conceito desenvolvido por pensadores como Charles Sanders Peirce, filósofo e lógico norte-americano, considerado o fundador da semiótica moderna e do pragmatismo — uma corrente que valoriza os efeitos práticos das ideias como critério de verdade.
Para Peirce, o conhecimento emerge do processo contínuo de investigação e correção de erros, por meio de signos, inferências e experiências. A semiótica, ciência dos signos postulada por ele, nos ajuda a compreender como interpretamos o mundo ao nosso redor e como nossos hábitos de pensamento se estruturam.
Em contextos de teimosia, essa perspectiva revela como certos significados fixos podem cristalizar decisões desatualizadas, levando ao desperdício cognitivo e emocional. William James, também norte-americano, psicólogo e filósofo, aprofundou o pragmatismo com ênfase na experiência subjetiva e na funcionalidade das crenças, apontando como a mente humana tende a manter decisões passadas para evitar conflitos internos, mesmo diante de novas evidências.
Já a ciência econômica identifica esse fenômeno como a Falácia do Custo Irrecuperável (Sunk Cost Fallacy), em que indivíduos continuam investindo em escolhas ineficazes apenas porque já gastaram tempo, dinheiro ou esforço nelas, mesmo que a continuidade seja irracional e danosa.
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Todos nós já experimentamos, de receita de bolo, passando por medicamentos e negócios, sociedades e investimentos, algo que acreditávamos “ter certeza” e depois resistimos a sair, insistindo que o lucro viria, mas o prejuízo somente aumentava. Hegel chamaria este comportamento de dialética travada: a incapacidade de aprender com o conflito. Cientificamente, isso se manifesta como rigidez cognitiva e entropia organizacional ou até mesmo interpretação da realidade neurodivergente.
A segunda forma de teimosia é aquela que bloqueia o novo. Hans-Georg Gadamer, filósofo alemão da hermenêutica, destaca o bloqueio à escuta como um entrave ao verdadeiro entendimento e ao diálogo. A hermenêutica, campo filosófico da interpretação e da compreensão do sentido, especialmente de textos e discursos, é central no pensamento de Gadamer e nos ajuda a compreender como a escuta e o entendimento são formas de abertura à alteridade e ao novo.
Friedrich Nietzsche, filósofo alemão, ao refletir sobre o ‘eterno retorno do mesmo’, faz uma crítica radical à repetição inconsciente dos próprios erros e padrões de vida, sugerindo que sem autocrítica, caímos na estagnação moral e existencial.
Jean Piaget, psicólogo e biólogo suíço e referência da epistemologia genética, explica esse fenômeno como bloqueio dos mecanismos de assimilação e acomodação — processos fundamentais para a aprendizagem e adaptação.
Quando a mente insiste em manter estruturas cognitivas ultrapassadas, sem acomodar novas experiências, ocorre um enrijecimento do pensamento, que compromete o desenvolvimento do raciocínio e a capacidade de mudança. Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano radicado na Alemanha, observa isso em sua obra Psicopolítica, em que critica o neoliberalismo digital e o excesso de positividade como formas de controle sutil.
Ele mostra como bolhas ideológicas, alimentadas por algoritmos e consumo personalizado de informação, impedem a escuta real, travando a transformação social e subjetiva. Edgar Morin, sociólogo francês e um dos principais pensadores da complexidade, alerta para o desperdício causado pela fragmentação do saber. Segundo ele, a incapacidade de conectar diferentes áreas do conhecimento limita nossa compreensão dos fenômenos globais e compromete a busca por soluções integradas e sustentáveis para os desafios humanos, sociais e ecológicos.
Daniel Kahneman, psicólogo israelense-americano e Prêmio Nobel de Economia, junto com Amos Tversky, seu colega de longa data, investigaram os processos heurísticos do julgamento humano e cunharam o conceito de viés de confirmação: a tendência de buscar e interpretar informações que reforcem crenças pré-existentes, ignorando dados que as contradizem.
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Recentemente, a morte voluntária de Kahneman aos 90 anos, em uma clínica na Suíça, trouxe uma questão delicada entre seus admiradores, como eu: teria ele decidido partir ao perceber que sua lucidez e memória, outrora faróis de discernimento e futuro, começavam a se apagar?
Enquanto muitos teimosos persistem em negar o novo, apegar-se ao passado e resistir às evidências — mesmo que isso signifique estagnação e sofrimento — Kahneman, paradoxalmente, parece ter desistido por uma razão oposta: a ausência do novo, a sensação de que o futuro já não lhe pertencia. Em que momento, então, o futuro deixa de ser horizonte e passa a ser ausência? Quando o novo já não chega, o que resta à esperança?
Mas nem toda teimosia é involutiva ou entrópica. Existe uma forma virtuosa: aquela que resiste ao desperdício e que se ancora em princípios éticos, filosóficos e sociais. Aristóteles, filósofo grego da Antiguidade, define essa virtude como perseverança — a capacidade de sustentar o bem e o justo mesmo diante da adversidade, como parte da construção de um caráter ético.
Hans Jonas, filósofo alemão do século 20, propôs o ‘princípio responsabilidade’, segundo o qual devemos agir de forma que as consequências de nossas ações preservem a vida humana e o meio ambiente para as futuras gerações. Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, conhecido por sua crítica à modernidade líquida e ao consumismo, defende a resistência ao descartável — tanto de bens quanto de vínculos — como um gesto ético e de resgate da dignidade relacional.
A Teoria dos Jogos, campo da matemática aplicada à estratégia e comportamento, mostra que insistir na preservação de recursos — mesmo quando há tentação de ganhos individuais imediatos — pode resultar em equilíbrios cooperativos sustentáveis e benefícios para todos os envolvidos. A economia circular, modelo que propõe o reaproveitamento contínuo de recursos com foco na redução de desperdícios e na regeneração ambiental, comprova que insistir em práticas sustentáveis e circulares gera não só eficiência econômica, mas também impacto positivo duradouro.
Assim, compreender essas três formas de teimosia nos ajuda a diferenciar o que é persistência saudável e o que é teimosia disfuncional e nos inspirar a buscar a auto-regulação em nossas decisões: estou teimando ou persistindo?
Esses padrões se manifestam de forma concreta em diversos campos da vida social.
A relação entre teimosia e desperdício também se manifesta de forma significativa na saúde física e mental.
A neurociência nos informa que o córtex pré-frontal está diretamente envolvido na regulação do autocontrole, sendo fundamental para a inibição de impulsos e comportamentos automáticos. Esse mecanismo permite que o indivíduo mantenha hábitos saudáveis de longo prazo, resistindo a tentações imediatas e facilitando escolhas consistentes com objetivos futuros — como ocorre na adesão a tratamentos, mudanças de estilo de vida ou superação de vícios.
Por outro lado, padrões teimosos, quando repetidos sem reflexão e propósito construtivo, ativam circuitos cerebrais ligados à rigidez comportamental, como o estriado dorsal e regiões do córtex pré-frontal medial. Esse funcionamento compromete a adaptação a novas situações e intensifica estados de estresse, levando ao desgaste emocional crônico e à redução da flexibilidade mental, citam Fineberg e Robbins.
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A despeito de teimosia e desperdício não serem classificadas como doença, o sintoma da teimosia desadaptativa pode estar relacionado a perfis clínicos bem documentados em manuais diagnósticos como o DSM-5 e a CID-11:
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Estudos longitudinais sugerem que padrões de pensamento rígido estão associados a maior risco de doenças crônicas, baixa resiliência emocional e dificuldades de relacionamento interpessoal (Tyrer et al., 2011; Aldao et al., 2010). Esses padrões mentais, quando não compreendidos, alimentam ciclos de sofrimento e deterioração das relações, da saúde e do bem-estar.
No corpo, o estresse crônico associado à teimosia improdutiva pode ativar o eixo HPA (hipotálamo-hipófise-adrenal), elevando níveis de cortisol, inflamando tecidos e reduzindo a imunidade. Essa ativação prolongada está associada a diversas condições psicossomáticas e doenças imunomediadas, como distúrbios gastrointestinais, doenças autoimunes, dermatites e síndromes dolorosas crônicas, evidenciando a importância da flexibilidade mental também na prevenção de adoecimentos físicos.
A boa notícia é que, do ponto de vista neurobiológico, a flexibilidade pode ser treinada. Isso ocorre graças à neuroplasticidade e também à chamada resiliência neural — a capacidade do cérebro de se adaptar e recuperar após situações de estresse ou adversidade, promovendo equilíbrio emocional e funcionalidade cognitiva ao longo do tempo.
A neuroplasticidade, apoiada por intervenções como psicoterapia, meditação, simulação, atividades criativas e relações saudáveis (como evidenciado em revisões recentes, por exemplo, Tang et al., 2015, Nature Reviews Neuroscience; Goyal et al., 2014, JAMA Internal Medicine), permite a ressignificação de padrões teimosos e a prevenção do desperdício de vidas (Davidson & McEwen, 2012). Por exemplo, programas de Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) têm mostrado eficácia clínica em flexibilizar padrões disfuncionais de pensamento, especialmente em pacientes com transtornos ansiosos e obsessivos.
Estudos indicam que a TCC pode reduzir sintomas em até 60% dos casos de transtorno de ansiedade generalizada e TOC, superando frequentemente abordagens exclusivamente farmacológicas (Hofmann et al., 2012, Cognitive Therapy and Research).
Em contextos educativos, práticas como o ensino baseado em projetos colaborativos e a aprendizagem socioemocional têm demonstrado ganhos em autorregulação e abertura à mudança, favorecendo a plasticidade mental desde a infância, com impacto positivo na convivência escolar, redução da evasão e melhora do desempenho acadêmico. Exemplos como Escolas de Tempo Integral de Pernambuco, Projeto Socioemocional da SEE/MG são inspiradores.
Também a questão da educação dos sentidos, inclusão do corpo nas atividades neurocognitivas, traz autoconhecimento somático e possibilidade de reinterpretar emoções corporais, como bem nos orienta Antonio Damasio, especialmente em obras como O Erro de Descartes e Em Busca de Spinoza, em que explora a relação entre corpo, emoção e razão.
Essas atitudes funcionam como uma auto-supervisão gentil, que favorece escolhas mais conscientes, evita desperdícios e abre caminho para trajetórias mais saudáveis e eficazes. Elas estimulam processos de autorregulação, fundamentais no campo da neurociência comportamental e da psicoeducação, onde se reconhece que a capacidade de refletir sobre padrões internos é chave para prevenir adoecimentos e promover bem-estar sustentável.
Em contextos cada vez mais complexos, desenvolver a capacidade de refletir sobre o próprio comportamento e reconhecer o momento de mudar é um sinal de maturidade adaptativa.
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Ainda assim, há um paradoxo delicado e doloroso: às vezes, insistimos em ajudar quem amamos — filhos, pacientes, colegas — mas não conseguimos. Nosso afeto, esforço ou ciência não bastam para mudar quem não deseja ou não está pronto para mudar.
Nesses casos, talvez a forma mais sábia de agir seja praticar o desapego compassivo: reconhecer nossos limites, aceitar o tempo do outro e não transformar nossa insistência generosa em sofrimento crônico. Entre a teimosia e a entrega, nasce uma sabedoria silenciosa. Que ela nos acompanhe quando a razão não for suficiente, e que o o silêncio possa tornar-se nossa forma mais lúcida de amor.
Distinguir entre persistência e teimosia é um exercício delicado, mas necessário. Saber reconhecer quando um esforço já não faz sentido é, em si, um gesto de sabedoria. Como nos ensinam pensadores como Morin e Han, parar, ponderar e redirecionar não são sinais de fraqueza, mas de inteligência evolutiva — especialmente em tempos de crise, quando insistir nos erros gera desperdícios profundos, e mudar pode significar reconstruir caminhos mais lúcidos e sustentáveis.
O verdadeiro discernimento está em saber quando insistir e quando ceder. A teimosia, quando se torna obstinação cega, consome o que temos de mais precioso: tempo, energia, relações e futuro. Já a persistência lúcida — aquela que sabe reconhecer limites e aprender com a realidade — é o solo fértil da evolução e, portanto, revoluções!
Como escreveu Morin, “a inteligência é o dom de ligar”. E talvez, como propõe Han, o primeiro passo para evitarmos o desperdício seja ousar parar — e, nesse silêncio, escutar o que a vida pede para ser transformado.
E você, tem sido capaz de reconhecer o momento de parar, mudar e escolher com mais consciência?
*Rubens Harb Bollos é médico, mentor e palestrante. Mestre e doutor (Ph.D) em ciências pela Unifesp e pós-doutorado em Biologia do Desenvolvimento e Epigenética. (USP/ICB). Pesquisador nas áreas de imunologia, epigenética, salutogênese e cultura de paz com foco no estudo de indicadores de êxito em saúde. É presidente-fundador da ABMPP.org (Associação Brasileira de Medicina Personalizada e de Precisão).
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