NOTÍCIA

Políticas Públicas

Autor

Redação revista Educação

Publicado em 11/03/2025

Finlândia está em sinal de alerta com seu modelo educacional

País considerado exemplo de sistema escolar vê seus índices do Pisa retrocederam anos seguidos

Por Marco Antonio Araújo: Não está fácil para ninguém. A Finlândia, no início dos anos 2000 e até 2010, recebeu caravanas de educadores vindos de todos os continentes interessados no inquestionável sucesso de seus indicadores de aproveitamento escolar, baseados em um modelo pedagógico que se tornou referência para vários países — dentre eles, o Brasil. Por anos, os finlandeses lideraram o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), exame da OCDE que mede conhecimentos em ciências, matemática e leitura para alunos de 15 anos, e o Timss (ciências e matemática para 4º ano e 8º ano). Mas algo mudou, e para pior, embora o país continue tendo números expressivos no contexto mundial. A Finlândia já não é ‘a melhor do mundo’. E os últimos resultados a retiraram dos 10 melhores do planeta.

O motivo dessa queda de rendimento? Não há nenhuma resposta definitiva, apenas especulações, para angústia dos educadores (não só os finlandeses, mas todos que observam o sucesso e a queda de um sistema visto e consagrado como exemplar).

Para compreender as possíveis causas desse declínio, é importante revisitar os fundamentos do modelo finlandês. As declarações do ministro da Educação do país, Anders Adlercreutz, em entrevistas recentes, enfatizam a necessidade de uma autocrítica e de reformas adaptativas. Antes, Adlercreutz foi ministro dos Assuntos Europeus e Direção da Propriedade.

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A partir da década de 1970, a Finlândia investiu fortemente em políticas de inclusão, equidade e valorização dos professores. A proposta de oferecer educação gratuita e de qualidade a todos os cidadãos, sem distinção socioeconômica, formou a base de um modelo que se destacou internacionalmente. O sucesso desse sistema não se limitava apenas aos resultados em testes padronizados, mas também refletia uma formação cidadã robusta, focada no bem-estar dos estudantes e na capacidade de desenvolver competências para a vida.

Entretanto, à medida que a sociedade evoluiu e as demandas do mundo contemporâneo se transformaram, os desafios impostos pelas novas realidades passaram a exigir uma revisão das práticas estabelecidas. Assim, a recente queda no desempenho dos alunos pode ser interpretada não apenas como um retrocesso, mas também como um sinal de que os parâmetros de avaliação e os desafios do século 21 impõem novas exigências a qualquer modelo.

 

Finlândia

Estudante de Rovaniemi, Finlândia (Foto: Shutterstock)

Os dados que apontam para uma queda no desempenho dos alunos finlandeses têm gerado inquietação na comunidade educacional. Entre as hipóteses levantadas, destacam-se:

Mudanças sociais e tecnológicas: a revolução digital e o acesso massivo às tecnologias de informação modificaram os hábitos de estudo e as formas de interação dos jovens. A presença constante de dispositivos eletrônicos e redes sociais pode influenciar a concentração e a capacidade de aprofundamento nos estudos, exigindo novas metodologias de ensino que dialoguem com o mundo digital.

Pressões e desafios do século 21: as competências exigidas para enfrentar um mundo em constante transformação incluem, além do domínio de conteúdos acadêmicos tradicionais, habilidades socioemocionais, criatividade e pensamento crítico. Alguns especialistas apontam que, embora o modelo finlandês tenha sido pioneiro em incluir dimensões como a equidade e a colaboração (necessárias e importantes), ele pode precisar adaptar-se mais intensamente às demandas de um mercado global dinâmico.

Revisão dos instrumentos de avaliação: outra questão importante refere-se aos métodos de avaliação. Os testes internacionais, embora sejam uma ferramenta relevante para comparar desempenho entre nações, podem não capturar de forma integral o potencial dos estudantes finlandeses, cuja formação valoriza competências que vão além da mensuração quantitativa.

Desafios internos e a necessidade de inovação: alguns analistas sugerem que o sistema, que já foi sinônimo de inovação, pode ter alcançado um patamar de estabilidade que agora limita a renovação de práticas pedagógicas. Essa ‘zona de conforto’ pode estar dificultando a resposta rápida às transformações sociais e educacionais emergentes.

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Em meio a esse cenário, o ministro da Educação finlandês tem se destacado por suas declarações equilibradas e pelo convite a um debate amplo e transparente. Em entrevista concedida a um importante canal de televisão nacional, o ministro afirmou: “Estamos diante de um momento de reflexão que deve ser encarado como uma oportunidade para repensar nosso sistema educacional. A queda nos resultados não é sinal de fracasso, mas um indicativo de que, assim como a sociedade, a educação precisa evoluir. Estamos promovendo uma revisão profunda das metodologias e dos instrumentos de avaliação, com o intuito de alinhá-los às demandas contemporâneas”.

Em um outro encontro com líderes escolares e especialistas, o ministro complementou: “A excelência do nosso sistema nunca foi garantida pela imutabilidade. Ela se construiu e se mantém através de uma constante renovação e da coragem de questionar práticas que já não atendem às necessidades dos nossos alunos. É fundamental que abracemos essa mudança e que, juntos, busquemos inovações que contemplem as dimensões tecnológicas, sociais e emocionais da aprendizagem”.

Adlercreutz contou quais medidas já foram tomadas para retomar a ‘liderança’: proibir celulares nas escolas (inclusive nos intervalos) e ampliar carga horária de matemática e de literatura. Entre 2012 e 2022, o desempenho dos alunos no Pisa caiu mais de 20 pontos nas três disciplinas avaliadas (veja gráficos). “Estamos procurando um equilíbrio entre o digital e o analógico, e talvez ainda não tenhamos encontrado essa balança ideal”, afirma o ministro.

A notícia sobre a queda de desempenho tem provocado discussões acaloradas não só em ambientes governamentais, mas também na sociedade civil. Em debates organizados por associações de famílias e educadores, foram levantadas questões pertinentes: seria o declínio um reflexo de uma inadequação dos métodos tradicionais frente às novas demandas do mundo digital? Teria o sistema, por vezes exaltado por sua igualdade, negligenciado a personalização do ensino e o desenvolvimento de habilidades individuais?

O caso ganha uma dimensão ainda mais significativa quando analisada sob a perspectiva de países que, como o Brasil, buscaram inspiração no modelo nórdico. O sistema finlandês foi amplamente estudado e adaptado em diversas iniciativas brasileiras, que visavam reduzir desigualdades e elevar a qualidade do ensino público. Contudo, a notícia do declínio no desempenho serve como um alerta: nenhum modelo é definitivo ou imune aos desafios do tempo.

Finlândia

Para o Brasil, essa situação propicia uma série de reflexões:

Adaptação e contextualização: o que funciona em um contexto cultural, social e econômico específico não necessariamente pode ser transposto de forma integral para outro país. A experiência finlandesa reforça a necessidade de adaptar as práticas pedagógicas às realidades locais, considerando as particularidades regionais e as demandas da sociedade brasileira.

Investimento na formação continuada: um dos pilares do sucesso finlandês sempre foi a valorização dos professores. O debate atual reforça a importância de investir em formação continuada e em pesquisas que dialoguem com as novas tecnologias e metodologias. No Brasil, esse é um desafio constante que demanda políticas públicas integradas.

Inovação e flexibilidade: a autocrítica vivida na Finlândia evidencia que a rigidez metodológica pode limitar o desenvolvimento do potencial dos alunos. Para os(as) gestores(as) e educadores(as) brasileiros(as), a mensagem é clara: a busca pela inovação deve ser contínua e flexível, permitindo ajustes rápidos às transformações sociais e tecnológicas.

Avaliação holística: a discussão sobre os instrumentos de avaliação aponta para a necessidade de métodos que considerem não só o conhecimento acadêmico, mas também as competências socioemocionais e as habilidades para a vida. Essa abordagem mais abrangente pode ser um caminho promissor para repensar as avaliações no Brasil, de modo a captar uma imagem mais completa do desenvolvimento dos estudantes.

Em síntese, as recentes avaliações não devem ser encaradas como um indicativo de fracasso do modelo finlandês, mas sim como um convite à reflexão e à constante renovação. Para o Brasil, que tem trilhado (aos solavancos) caminhos inspirados em práticas internacionais, o caso finlandês reforça a importância de não se acomodar diante do sucesso passado, mas de manter uma postura vigilante e inovadora.

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