NOTÍCIA

Gestão

Autor

Rubem Barros

Publicado em 29/01/2025

Direção escolar: um turbilhão também passou por aqui

No primeiro quarto do novo século, as mudanças foram muitas; a gestão da escola tem tentado se preparar para acompanhar um mundo às vezes frenético, outras apenas egoísta, mas sempre demandante. Fato é que a importância desse profissional precisa ser reconhecida

Por mais que muita gente aponte as escolas como instituições pouco maleáveis às mudanças sociais em curso no país e no mundo, compará-las hoje a suas antecessoras de fins do século 20 revela muitas transformações. Ainda que lentos, esses câmbios começaram na passagem para o novo milênio, quando nossas escolas foram se tornando mais inclusivas, processo mais e mais acentuado desde o final da primeira década do século 21.

Novas legislações deram um empurrão para as mudanças se efetivarem, às vezes com o acréscimo de decisões judiciais. No entanto, a partir de meados da década passada houve dois furacões que muito impactaram o mundo da educação. Primeiro, a fissura político-ideológica que levou muitas famílias a questionar a atuação dos educadores e educadoras; depois, a pandemia de Covid-19, que esvaziou os colégios por dois anos ou mais, aumentando problemas comportamentais e de aprendizagem.

Com isso, a figura da direção escolar ganhou mais relevância, exigindo da categoria maior capacidade de intervenção e de coordenação no cotidiano de comunidades escolares e, sobretudo, para fazer crianças e jovens retomarem o rumo de sua formação pessoal e intelectual.

“O que mais discutimos com os diretores são as relações interpessoais. É muito complexo o que tem acontecido nas escolas, com questões como diversidade e pós-pandemia, por exemplo. Sozinho, ninguém faz uma escola funcionar, principalmente aquelas grandes e diversas”, diz Roberta Panico, diretora-executiva da Roda Educativa (a antiga Comunidade Educativa Cedac), instituição que provê formação continuada a gestores públicos.

Apesar de o trabalho da Roda voltar-se a escolas públicas, a complexidade está igualmente presente nas escolas privadas, ainda que os pontos de tensão possam mostrar algumas variações. O primeiro deles é que as públicas estão sob o guarda-chuva das secretarias. Já as privadas são autorreferenciadas, respondendo ao que delas espera a comunidade que as escolheu.

 

direção escolar

Relações interpessoais são questão central para
diretores de escolas públicas, pontua Roberta Panico,
diretora-executiva da Roda Educativa (Foto: divulgação)

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Isso torna mais difícil pensar em consensos sobre como uma boa gestão escolar deve atuar, ainda que as metas de chegada devam ser parecidas: boa aprendizagem dos estudantes; formação de sujeitos conscientes de aspectos sociais e que respeitem a diversidade; que tenham conhecimento sobre os processos que impactam o planeta e façam uso ético de ferramentas digitais e científicas. Talvez esse pudesse ser um resumo dos pontos vitais aos quais os diretores e diretoras devam mirar na formação de seus alunos e nos processos que conduzem a ela, aos quais devem ser acrescidas a boa gestão financeira, dos recursos humanos e um filtro que depure o que é inovação significativa e o que é modismo descartável.

Na rede pública, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou, em 2021, a Matriz Nacional Comum de Competências do Diretor Escolar*, uma tentativa de listar os principais parâmetros necessários para o exercício de uma boa gestão escolar. Por razões diversas, algumas de ordem política, outras desconhecidas, o documento até hoje não foi homologado pelo Ministério da Educação (MEC).

A matriz traz 10 competências gerais e outras 17 específicas, divididas em quatro dimensões: político-institucional, pedagógica, administrativo-financeira e pessoal-relacional, cobrindo a atuação interna e externa com todos os interlocutores do(a) diretor(a). O documento baseia-se em similares internacionais, tendo maior proximidade com aquele formulado pela Universidade Diego Portales, do Chile.

Sua formulação foi uma tentativa não só de criar parâmetros para a atuação dos gestores e gestoras atuais, como também de servir de guia para formações destinadas aos aspirantes ao cargo. A realidade de muitas escolas públicas, no entanto, por sua instabilidade, funciona como um bloqueio adicional para a construção da figura do(a) diretor(a). “Em muitos casos, o diretor fica pouco tempo na escola, a equipe pedagógica também. E sabemos que mais tempo na escola é melhor para consolidar o trabalho, cuja construção é demorada”, diz Roberta Panico.

Quando esse tempo não existe, a tendência é de o trabalho se tornar protocolar, burocrático, quando o grande desafio é fazer que a escola seja inclusiva e que o seu currículo funcione. A diversidade de realidades também é enorme, principalmente quando saímos dos centros urbanos.

Caso ilustrativo dessa instabilidade é o da EMEF Salum de Almeida, em Maués, Amazonas, a 356 km e 25 horas de barco de Manaus, segundo a diretora Rosemary Cardoso. Professora de geografia, na escola desde 2016, ela é diretora há apenas um ano. Ao assumir, encarou uma nova realidade: a escola, na periferia de Maués, passou a ser de tempo integral. Além de uma  nova rotina de estudos e de administração da merenda escolar, a diretora ficou sobrecarregada no período eleitoral, pois uma das coordenadoras ausentou-se.

direção escolar

EMEF Salum de Almeida, em Maués, Amazonas, a 356 km e 25 horas de barco de Manaus. Formação para educação inclusiva mudou o perfil dos professores (Foto: Instituto Rodrigo Mendes/Renato Ramalho)

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A escola conta com duas coordenadoras pedagógicas e mais de 40 professores. Em meio aos 420 alunos do 6º ao 9º ano, 30 deles são indígenas. Recebeu, via Dinheiro Direto na Escola, programa do MEC, R$ 12 mil durante o ano para cuidar de 13 salas de aula, biblioteca, sala dos professores e sala de descanso.

O grande reforço de 2024 foi a escolha da unidade como uma de 10 escolas em todo o Brasil para receber o projeto Alavancas, do Instituto Rodrigo Mendes, que trabalha com formação para educação inclusiva e valorização das diversidades. “Antes do projeto, havia professores que tinham medo de trabalhar com os nossos 12 estudantes com deficiência. Com o Alavancas, passamos a oferecer outras atividades, para desenvolver a coordenação motora por meio de pinturas, ou pequenos textos para o exercício da linguagem”, relata Rosemary Cardoso.

Na semana anterior ao Natal de 2024, a diretora e uma das coordenadoras já haviam desenvolvido o plano de gestão para 2025, contemplando capacitação de docentes, materiais pedagógicos, trabalhos com projetos. No entanto, restava uma incerteza: ela temia não permanecer na direção da escola, por opção da secretaria.

direção escolar

Direção escolar ganhou mais relevância, exigindo da categoria maior capacidade de intervenção e de coordenação no cotidiano de comunidades escolares e, sobretudo, para fazer crianças e jovens retomarem o rumo de sua formação pessoal e intelectual (Foto: Shutterstock)

Direção escolar nas particulares: preservar a identidade

Se é difícil padronizar a atuação dos diretores e diretoras por causa das diferentes realidades a que estão sujeitos em função de seus públicos, alguns princípios comuns são necessários, mesmo na rede privada. Principalmente quando se trata de unidades de um mesmo grupo, como é o caso do Bioma Educação, que até novembro de 2024 se chamava Educação Bahema. O grupo, que aportou na área educacional em 2017 com a compra da Escola da Vila, SP, da Escola Parque, RJ, e Balão Vermelho, BH, hoje tem 12 escolas e 26 unidades.

Sônia Barreira, fundadora da Escola da Vila e agora diretora pedagógica da Bioma Educação e gestora da Vila das Infâncias, uma das unidades do grupo, conta que, inicialmente, pensou-se na ideia de padronizar o perfil dos(as) diretores(as), mas uma avaliação mais criteriosa os fez desistir desse propósito. Afinal, cada escola era uma, trazia uma cultura já compartilhada por suas comunidades e a proposta era de manter esse aspecto.

Das 12 escolas que hoje compõem o grupo, apenas duas têm diretores vindos de fora. Em algumas delas, antes da venda o proprietário já havia organizado sua sucessão. De resto, na grande maioria dos casos, a opção foi promover coordenadores, profissionais já habituados à cultura de cada marca. A própria Sônia a princípio permaneceu à frente da Vila, depois passou para a direção pedagógica do grupo todo. Para ela, a liderança precisa ter legitimidade ante seus pares, “algo construído passo a passo ao longo da carreira e que não é inato”. “A coisa mais fácil é destruir a confiança do seu time em pouco tempo”, diz ela, pensando naqueles mais novatos afoitos, que ou querem mudar tudo ou são demasiado ácidos nas críticas. “Por isso, no início da carreira nunca se está pronto”, alerta.

Pode-se destruir a confiança de um time em pouco tempo, é preciso cuidado”, diz Sônia Barreira, fundadora da Escola da Vila, em SP, sobre a necessidade de experiência para ser diretor(a) (Foto: divulgação)

Sônia Barreira aponta três características que considera primordiais para liderar a gestão escolar:

  • Ter visão estratégica para envolver a equipe e fazer todos remarem na mesma direção. “Para isso, é preciso capacidade de influenciar, convencer tecnicamente, mostrar pesquisas que atestem a relevância do que se propõe. É tanto uma competência como uma prática”;
  • Capacidade de desenhar e gerenciar processos. É preciso dimensionar tudo que está envolvido (pessoas, mudanças, impactos), desenhar um fluxo e comunicá-lo bem para que a implementação seja entendida por todos;
  • Capacidade de relacionamento. Aqui, Sônia destaca duas coisas: segurança e assertividade nas relações interpessoais.

Outros dois pontos a que se deve prestar atenção são a gestão do tempo, pois, caso não seja bem feita, pode inviabilizar todo o resto; e a escuta e confiança na equipe. “O diretor deve garantir que a gestão seja coletiva, dar boas condições de trabalho e propor processos factíveis”, conclui.

A abertura para a escuta é destacada também por Luciana Fevorini, desde 2010 diretora do Colégio Equipe, também de São Paulo. Sua longa experiência como orientadora educacional e pedagógica ajudou-a a desenvolver essa capacidade e a sensibilidade para aquilo que julga ser uma das coisas imprescindíveis no cotidiano escolar: mediar conflitos. “Além da boa escuta é preciso criar mecanismos de contato direto com todos os agentes do mundo escolar. Fazemos reuniões semanais com professores e colaboradores”, diz ela, que ainda é responsável pela orientação educacional do 3º ano do ensino médio. “É um jeito de conhecer a visão dos alunos que estiveram por muitos anos na escola.”

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Fevorini enfatiza duas questões das quais acha importante um diretor não descuidar. A primeira é não deixar que outras coisas obscureçam aquilo que é a função primordial da escola, ou seja, cuidar do aluno e de sua educação, sempre tendo em conta a proposta político-pedagógica (PPP) da instituição. A segunda, mais delicada, é não esquecer que o que se vive no colégio é um processo institucional. “Há uma certa perda da dimensão do público, do coletivo, na vida contemporânea”, diz. Isso faz com que muitas famílias queiram flexibilizar regras para atender interesses individuais.

Há exemplos mais banais acerca disso, como a tentativa de mudar datas de provas em função de viagens familiares, mas há demandas mais complicadas, como a medicalização da saúde mental, que chega às escolas por meio de laudos para tratar, por exemplo, o Transtorno do Espectro Autista. Nesse caso, a lei dá direito a que os estudantes com esse diagnóstico sejam acompanhados por um profissional, inclusive em sala de aula. Na maioria das vezes, esse direito é requisitado antes de uma consulta à escola para saber o que ela propõe para o trabalho com aquele aluno. “É a visão de que tudo que é coletivo é ruim”, diz a diretora.

Assim como o autismo e outras temáticas inclusivas, os temas mais controversos e demandantes no cotidiano escolar têm sido o racismo, as questões de gênero e a saúde mental. Foi justamente em função da incidência de quadros de depressão, síndrome do pânico e automutilação, entre outras ocorrências, que Irma Akamide Hiray, diretora-geral do Centro Educacional Pioneiro, procurou, em 2019, uma especialização até hoje pouco conhecida. Ela fez uma pós-graduação lato sensu em suicidologia, coordenada pela psicóloga e psicopedagoga Karina Fukumitsu, mestre e doutora em psicologia pela USP.

“Eu precisava compreender o fenômeno”, diz Hiray, que participa do Interescolas, um grupo que reúne mensalmente 18 instituições para trocas de práticas e conhecimentos entre mantenedores.

 

Precisamos entender o que está acontecendo, diz Irma Akamide Hiray, diretora do Colégio Pioneiro, em SP (Foto: divulgação)

Diretora desde 2010, depois de 20 anos como professora do Centro Pioneiro, ela não tinha experiência em gestão quando assumiu a escola. “Não teve um período de passagem, mas a comunidade foi muito acolhedora. O filho da antiga diretora  já havia assumido a parte administrativa”, conta Hiray, que montou uma equipe de apoio em que cada área tem um coordenador pedagógico. Há reuniões periódicas com a mantenedora para integração com a equipe gestora, algo que faz parte do planejamento estratégico.

Desde que assumiu, a diretora sentiu necessidade de ampliar sua visão sobre a função. Por sua iniciativa, mas com o aceite do mantenedor, fez cursos sobre mentoria, assessorias, o que leva a uma boa administração, além de grupos de estudos diversos, dentro e fora da área educacional. No momento, está fazendo um curso sobre inteligência artificial, para entender o que é e quais as implicações em sua área.

Para o bom exercício da direção, ela aponta algumas características vitais: proatividade; escuta ativa de toda a comunidade escolar; flexibilidade cognitiva, que traduz como capacidade de compreender o outro; cuidado com os aspectos socioemocionais; coragem para manter os valores e princípios institucionais e perspectiva temporal. Por essa última capacidade entenda-se a aceitação de que os comportamentos mudam de época para época, e a escola precisa, de alguma maneira, absorver as mudanças. Ou, melhor do que isso, antevê-las, para não ser pega desprevenida

Clique aqui para acessar a matriz de competências para o diretor escolar.

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