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João Jonas Veiga Sobral

É professor de Língua Portuguesa e orientador educacional

Publicado em 05/11/2024

Banir o celular, sem negligenciar urgências

Veto puro e simples dos celulares não dará conta de outras questões fundamentais, como educação midiática e o letramento digital

Os celulares foram banidos em muitas escolas, sobretudo no ensino fundamental com respaldo e aplausos das famílias que estranhamente autorizam aos filhos a possibilidade de levar os aparelhos para as escolas.

Embora o banimento tenha sido feito às pressas e sem um projeto muito claro e consistente, faz-se absolutamente necessário, porque não há dúvida de que o excesso de tela vinha sendo prejudicial para crianças e adolescentes, especialmente porque os celulares repletos de aplicativos duvidosos e atraentes distraem os estudantes nas aulas, tornam a rotina escolar um fardo pesado a ser carregado pelos estudantes e os lançam para um universo perigoso e incontrolável. Além dos males produzidos na saúde mental e física de uma geração, tão alardeados por médicos e especialistas.

A medida encontrou consenso entre profissionais da educação das escolas, das universidades, de órgãos governamentais e de ONGs, médicos e pais — o que por si é um feito bastante raro que acusa escancaradamente a trágica relação estabelecida entre a infância, a juventude e as redes sociais.

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Não é vedado a ninguém o conhecimento de que elas (redes sociais) e outros aplicativos criam mecanismos para provocar dependência nos suscetíveis jovens e muitas horas dedicadas a essa relação. Com isso, são inevitáveis as consequentes perdas de sono e de aprendizagens, doenças advindas dessa contaminação e dificuldades em estabelecer vínculos afetivos e cognitivos com o mundo não virtual.

Não por acaso, o Ministério da Educação proporá projeto de lei para oficializar ações que visem o banimento dos celulares nas escolas ou em salas de aula e a redução do excesso de telas na vida dos alunos. Espera-se que o conjunto de propostas a respeito dos smartphones busque contemplar algumas nuances relacionadas a esse processo complexo estabelecido entre jovens, sociedade e celulares. Sobretudo porque os jovens conseguem com alguma facilidade burlar os bloqueios preexistentes nos computadores oferecidos e permitidos nas e pelas escolas.

Contudo, o banimento puro e simples adotado já por algumas instituições e provavelmente sancionado pelo MEC não dará conta de outras questões intrincadas e fundamentais que vêm sendo largamente negligenciadas por escolas e famílias. Entre elas a educação midiática, o letramento digital, a educação financeira, o fortalecimento emocional e o desenvolvimento substancioso de habilidades de leitura das nossas crianças e dos nossos adolescentes e também a valorização dos discursos científico e acadêmico feitos pelos professores em sala de aula.

A educação financeira associada à emocional e ao letramento digital pode oferecer aos estudantes suportes e ferramentas para compreender as regras cruéis desses jogos e os riscos que levam à dependência e ao vício nessas relações. Não há como negar que um indivíduo frágil emocional e cognitivamente, por conta de sua faixa etária e da situação econômica, torna-se presa fácil para os discursos que envolvem dinheiro fácil em jogos do Tigrinho e nas bets de apostas. Ainda mais quando crianças, jovens e influenciadores admirados são os principais incentivadores dos desafios.

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Resultados do Pisa apontam para dificuldades dos alunos de entender as relações de empréstimo, de investimento e de juros, como também pouca familiaridade na leitura de um simples extrato. Por isso, passa a ser urgente um trabalho consistente sobre o funcionamento dessas plataformas e também sobre a relação que se estabelece entre dinheiro, prazer, gasto, economia, desejo, investimento e trabalho. Fundamentalmente, em uma faixa social em que há pouca circulação de dinheiro, há raras oportunidades de obtê-lo com trabalho sem muita qualificação e parcas esperanças de acessar os bens de consumo amplamente divulgados nas redes sociais.

Não é segredo que nossos resultados em interpretação de textos, de imagens e de dados são lastimáveis e desanimadores. Jovens (e adultos que também leem mal) são expostos à sucessão de conteúdos curtos, publicitários e ideológicos superficiais que os tornam consumistas, acríticos e incapazes de compreender os matizes interpretativos na conexão entre enunciado, enunciadores e receptores. Isso tudo somado às bolhas de radicalização geradas pelo algoritmo que promovem com frequência negacionismo científico e climático, intolerância, violência e fanatismo político e religioso e fazem com que essa meninada seja tragada por situações comunicativas cada vez mais sofisticadas.

celulares

Celulares repletos de aplicativos duvidosos e atraentes distraem os estudantes nas aulas, tornam a rotina escolar um fardo pesado a ser carregado pelos estudantes e os lançam para um universo perigoso e incontrolável (Foto: Shutterstock)

Adiciona-se a esse caos de intelecção o descrédito que muitos influenciadores mal-intencionados, com milhões de seguidores, dão ao discurso consistente dos professores e também os riscos promovidos pelo mau uso da inteligência artificial, que cria imagens e referências mentirosas e convincentes que podem por sua vez ser espalhadas nas plataformas digitais com cortes que favoreçam determinada pessoa, grupo social e ideologia.

Se 67% (quase sete de cada 10) dos estudantes do Brasil não distinguem fatos de opiniões nos textos lidos, de acordo com um relatório divulgado pela OCDE, com quais recursos lerão os artifícios criados nas redes sociais, na Deepweb, no Discord, nas propagandas e nos debates políticos e nas plataformas de apostas? Com que ferramentas analisarão questões fundamentais sobre seus destinos como a emergência climática, a escolha de representantes políticos, os caminhos econômicos trilhados pelos governantes do país e o futuro da empregabilidade?

Banir os aparelhos celulares nas escolas é uma medida realmente imprescindível; todavia, banir (como estamos fazendo) o que neles há — como se o mundo virtual não interferisse na realidade presencial e vivida — é lançar os jovens num precipício obscuro da compreensão. E lá — nesse abismo — picaretas, outsiders, influenciadores, apostadores e enganadores os receberão de braços abertos.

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