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João Jonas Veiga Sobral

É professor de Língua Portuguesa e orientador educacional

Publicado em 24/06/2019

Gerúndio: empurrando com a barriga

João Jonas Veiga Sobral, em sua coluna sobre gerúndio afirma que o gerúndio é um retrato bem acabado da nossa versatilidade linguística e social

O gerúndio, entre muitos outros fatos e recursos linguísticos que revelam nossa identidade nacional, é um retrato bem acabado da nossa versatilidade linguística e social. Cabe a ele, corretamente, permitir a expressão de movimento e continuidade (“estou trabalhando no momento”), sinalizar o aspecto durativo de atos e eventos (“estou desistindo”), ações concluídas (“finalizando a prova, entregue a folha de resposta”), ação presente com tendência continuativa (“estou falando agora”), ênfase na ação durativa (“ela anda dormindo mal”), ações que duram um determinado tempo (“vou estar me exercitando na academia das 16h às 17h”) e ato futuro em relação a outro ato futuro (“amanhã não vou ao boteco, vou estar me reunindo por um bom tempo depois do expediente com um cliente”).

As diversas possibilidades de emprego que essa forma nominal oferece ao usuário da língua conferem ao gerúndio o status de curinga do idioma, porque torna nossa interação comunicativa ágil e versátil e permite usos em situações variadas. Pode-se dizer que o leque de uso do gerúndio seja uma particularidade da última flor do Lácio brasileira. Idiomas mais rígidos e que não lançam mão do gerúndio se tornam mais regrados. Os portugueses, por exemplo, como os espanhóis, preferem o infinitivo ao gerúndio (“estou a trabalhar”), e não empregam esse nosso companheiro com a mesma frequência e familiaridade.


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Pode-se dizer que há certa brasilidade no uso de gerúndio. Sim, é um bem imaterial indissociável de nossa gente – e caminha para canonização pátria como o samba, o carnaval e o jeitinho. No país em que o comprometimento com as ideias e com as coisas está longe de ser manifestação cultural, não é incomum o emprego dele em situações em que se deseja, por exemplo, não se comprometer.

“Estou tentando corrigir o malfeito”. A expressão “estou tentando” revela o desejo e a intenção de ajustar a situação, mas não promete a resolução em um tempo determinado. Assim, tem-se uma sensação de que as coisas vão melhorar mesmo sem a promessa clara ou o comprometimento explícito. E de gerúndio em gerúndio vai se tentando corrigir, às vezes, o corrigível e o incorrigível.

Aquele que nunca ouviu, de algum atendente de SAC, em português claro um “eu vou estar providenciando a solução” que atire o primeiro celular. Com certeza, a frase traz mais desesperança do que alento, soa mais como um intencional “empurrar com a barriga” do que um desejo de, realmente, solucionar a questão. Sem contar com a famigerada enunciação “eu vou estar transferindo para o setor de cancelamento”.

Aqui, em terras tupiniquins, o gerúndio, em construções adverbiais, pode disfarçar e omitir o autor de uma determinada ação. O sujeito desaparece e não se compromete, sobretudo em construções condicionais, como “pensando sob esse ponto de vista…” O emissor não deixa evidente sua autoria, que seria revelada em construção de sentido similar, como “penso que”.

Em, por exemplo, “considerando que você é meu amigo, quero lhe pedir um favor”. Repare que a consideração parece vir de um ato divino ou universal, já que não é o enunciador quem considera a suposta amizade. Um ser indeterminado impõe ao diálogo o traço de amizade e a solicitação de favor.

O gerúndio, por aqui, presta-se também a encobrir a causa e, vez ou outra, a esconder responsabilidades. As orações adverbiais causais, quando reduzidas, perdem a conjunção “não estando atento ao trabalho, deixou passar esse defeito”. Veja que se empregássemos “porque você não prestou atenção”, a situação e a causa mudariam de figura. Na primeira há um ser abstrato; na outra, um você concreto e explícito. Ora, “não se culpando uma pessoa, não se atribui a causa do erro ao seu responsável” ou “se eu não atribuir erro à pessoa, não o responsabilizo pelo problema causado”.

E, assim, com o gerúndio sendo empregado de forma adequada, inadequada, astuta e preguiçosa, a gente (como se diz por aqui) vai levando – com toda ambiguidade que é possível supor do danado desse recurso linguístico.

*João Jonas Veiga Sobral é professor de Língua Portuguesa e orientador educacional

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