ENTREVISTA com Ricardo Paes de Barros | Edição 201
Economista crê que investimento de 10% do PIB em educação deva ser apenas por um tempo e condicionado ao atingimento de metas
por Rubem Barros
Ricardo Paes de Barros: educação vista como um instrumento poderoso para reduzir as desigualdades
São quase 18h30 de uma sexta-feira. Pelo corredor da sede do Instituto Unibanco, Ricardo Paes de Barros vem ao encontro da reportagem, desculpando-se pelo atraso. Acabou uma reunião de avaliação de projetos com um grupo de economistas e estudantes. Apesar disso, não se furta a uma longa entrevista em que, muitas vezes, começa as respostas protelando-as, ganhando tempo para pensar sobre a questão.
Paes de Barros, hoje identificado como o cérebro por trás do Bolsa Família, tem longa trajetória na reflexão sobre desigualdades sociais e educação. Pupilo de Carlos Langoni (ex-presidente do Banco Central), ex-orientando do Nobel de Economia de 2000, James Heckman, em doutorado na Universidade de Chicago, foi ainda diretor do Ipea entre 1999 e 2008. Atualmente, é titular da Cátedra Instituto Ayrton Senna, no Insper.
Ao olhar para a educação brasileira, diz que é preciso que os investimentos sejam efetivos, e não apenas ancorados em promessas que não se cumpram. E alerta para a acentuada queda dos ganhos por anos de escolaridade básica no mercado de trabalho.
Ensino Superior: Mais anos de estudos diminuem a desigualdade social. Quanto mais dessa desigualdade poderia ter sido diminuída com melhor qualidade educacional?
Ricardo Paes de Barros: A educação é um instrumento poderoso para reduzir desigualdades. Mas, por mais que a redução que conseguimos nos últimos anos esteja relacionada às reduções das desigualdades educacionais e de renda que vêm da educação, muito mais poderia ter sido feito. Devemos ter em mente que a probabilidade média de uma criança de boa condição socioeconômica completar o fundamental na idade certa pode ser cinco vezes maior do que a de uma criança pobre. Ou seja, a desigualdade de oportunidades é gigantesca no Brasil. O ex-ministro Cristovam Buarque sempre chama a atenção para o fato de que, ao visitar o interior do Nordeste, precisou ir à Caixa Econômica e se deu conta de que a agência era idêntica à do Lago Sul, em Brasília. Mas foi visitar uma escola de ensino fundamental, e era completamente diferente de outra escola pública do Distrito Federal. Que estranho país é esse que consegue padronizar agência bancária e deixa que a qualidade de uma escola pública seja completamente diferente de outra, dependendo de aonde a criança vá estudar? Daí a importância de toda a essa discussão sobre qualidade mínima no Brasil. O Fundeb está longe de equalizar o custo por aluno no país. É claro que ainda temos um sistema educacional muito desigual. Mas o quanto mais daria para reduzir a desigualdade não sabemos ao certo, exigiria um trabalho mais delicado.
Qual a sua opinião sobre o Plano Nacional de Educação, em especial sobre os 10% do PIB?
Não tenho muita ideia de como o Brasil conseguirá gastar 10% do PIB em educação tendo demandas crescentes com o envelhecimento da população, na área de saúde etc. Se são 10% para sempre é um erro meio grosseiro, pois a população em idade escolar está diminuindo. É certo que temos um problema educacional gravíssimo, temos de dar um salto. Se tivermos um plano para, excepcionalmente, passar um momento em que vamos gastar 10%, que se gaste. Mas temos de demonstrar à população e aos outros setores que serão sacrificados – infraestrutura, saúde, assistência social, previdência, algo será sacrificado para isso – que temos um plano convincente de uso eficiente desses recursos. E nossa história não está mostrando isso, pois das metas do Todos pela Educação a única que foi cumprida foi a de gastos. Metas de resultados não estamos cumprindo.
Mas o PNE traz metas e estratégias.
Tem a meta e as estratégias, mas não tem avaliação nenhuma e não estão articuladas de maneira que permita saber que vão entregar aquilo que elas dizem que vão entregar. Não estamos cumprindo nem as metas do ensino médio do Ideb. Estamos aumentando sistematicamente os gastos sem garantir compromissos com os resultados. Precisamos de mais governança para entregar esses 10%. Precisamos que a Presidência da República, o MEC ou quem for venha a público garantir que atingiremos os resultados aliados ao plano e evidências que o sustentem. Precisamos saber o que irá acontecer se após um ano a meta não for cumprida. Isso está faltando. É como se a missão das autoridades educacionais brasileiras fosse tentar fazer algo, quando a missão é efetivamente entregar esse algo.
Qual a sua opinião sobre o modelo do Fies?
Não há país que não tenha um sistema de financiamento da educação superior, não há dúvida sobre sua importância. A questão são as regras para fazer isso funcionar, como torná-lo sustentável, como recuperar o investimento, quais profissões devem ser mais subsidiadas, como a formação de professores é mais subsidiada no mundo inteiro. Outras áreas, como administração e economia, por exemplo, não é preciso subsidiar.
No novo modelo privilegia-se formação docente, saúde, engenharia…
Precisamos ajustar esses detalhes de tal maneira que realmente funcionem, que o dinheiro vá para quem precisa do crédito e que viabilizemos a sustentabilidade disso, que as pessoas que recebem o Fies terminem de fato a universidade e paguem o empréstimo contraído, com um nível aceitável de taxa de juros.
Qual seria esse nível?
Para um financiamento de longo prazo, temos de trabalhar muito mais para assegurar que todos paguem. Se reduzirmos a inadimplência, talvez consigamos baixar a taxa de juros. Mas a taxa para um investimento desses, que tem uma tremenda externalidade para a sociedade brasileira, deveria ser baixa. Não conheço a questão tão de perto, mas deveríamos pensar, por exemplo, qual taxa de juros estamos usando no Minha Casa, Minha Vida. Não poderia ser mais alta. Não poderíamos financiar moradia a uma taxa de juros e investimento em capital humano com um valor mais alto. Deveria haver uma equiparação com investimentos similares – estradas, infraestrutura pública, eletricidade, telecomunicações – ver a que taxa de juros estamos usando recursos públicos para financiar essas atividades. Por exemplo, qual taxa de juros usamos para o Pronaf, de agricultura familiar? Deveríamos trazer a realidade do Fies para algo similar.
Como você vê o papel do ensino superior privado?
A instituição privada deveria estar em todos os níveis da educação, e o financiamento público deveria aumentar para alunos no setor privado. Vamos ter de expandir a educação superior de várias formas, não necessariamente de quatro ou cinco anos, mas de dois, três anos, educação tecnológica etc. A participação do setor privado é mais do que bem-vinda, temos de aumentar ProUni, Fies, não há outra alternativa.
Isso aliado à melhora da Educação Básica, para termos alunos em condições de chegar ao ensino superior…
Sem dúvida. Mas hoje já há uma demanda potencialmente reprimida pela educação superior por falta de acesso de uma forma ou de outra, insuficiência de alocação de recursos públicos na educação superior. Se tem uma coisa que diferencia o Brasil de vários países é a parcela pequena da população que conclui o ensino superior.
O grande número de aquisições e fusões do setor privado é sustentável?
Vejo o setor privado como uma indústria onde o setor público vai comprar o serviço, nunca parei para olhar como negócio e em que medida há sobrevalorização ou subvalorização nessa indústria. Mas ela tem um papel muito importante para a sociedade brasileira, e espero que tomem decisões adequadas e que tenhamos um setor privado forte, competitivo, produzindo educação de boa qualidade a um preço aceitável, de tal maneira que o setor público possa usar esses serviços em quantidade. Obviamente, se o preço do setor privado for muito alto, o setor público não poderá comprar serviços dele, vai ter de criar novas universidades públicas. Então, quanto mais o setor privado demonstrar que é capaz de produzir boa qualidade a preços inferiores ao custo do setor público, maior será a capacidade de expandir-se e absorver recursos públicos.
Os economistas têm tido grande centralidade na discussão de políticas públicas de educação nos últimos anos. Quais foram suas maiores contribuições?
A economia teve e tem um papel – como o do [ex-presidente do Banco Central Carlos] Langoni – fundamental para mostrar a importância da educação para todas as dimensões do desenvolvimento do país, o crescimento, a igualdade, a produtividade. Contribuíram até para mostrar que a educação é um direito humano básico e um instrumento para as pessoas garantirem o acesso à mais ampla variedade de direitos humanos.
Mas os economistas pensam de um jeito diferente dos educadores.
É onde eu estava querendo chegar. Há o lado de mostrar que a educação é muito importante. Precisamos de mais educação do que temos. Com a que temos, estamos fazendo um milagre de ter o PIB e a competitividade que temos. Nisso, os economistas são muito bons. Outra área é aquela que diz: “Tá bom, educação é importante, mas como é que a gente produz isso? Como fazemos as escolas funcionarem?”.
Os educadores acham que, para isso, os economistas buscam uma variável mágica, única, para um problema multifatorial.
Todo mundo entende bem o que é uma derivada parcial, que se você mexer uma coisa e mantiver o resto constante, vai ter uma mudança; se mexer em dez coisas vai ter outra mudança. O fato de muitas vezes os economistas trabalharem com o impacto de uma variável e não de 10 variáveis não quer dizer que não entendam isso. Mas a economia e os modelos econômicos são bem-sucedidos em demonstrar a importância da educação e relativamente bem-sucedidos em mostrar que uma certa intervenção educacional tem impacto. São muito poderosos em dizer como a escola ou a política educacional deveria ser. Têm menos capacidade de desenhar uma escola efetiva, embora sejam muito capazes de dizer “olha essa escola é efetiva e a educação é importante”. Com economia, consigo saber que educação é importante, que o Pronatec tem tal impacto sobre a economia, mas tenho dificuldade em saber como desenhar o Pronatec. Os economistas entraram muito nisso, dizendo qual deve ser o tamanho da sala de aula, a escolaridade do professor etc., ou seja, como deveria ser produzida a educação. Aí o instrumento econômico é meio frágil. Não sei o quanto os economistas conseguiram ajudar. Eles tentaram.
Se tivesse de aconselhar jovens economistas interessados em educação, qual ou quais seriam os temas que estão esperando por bons pesquisadores no momento?
Há muitas coisas. Uma delas é entender a aparente rejeição do jovem à escola. Corremos o risco de gastar uma quantidade enorme de dinheiro, produzir a escola e o jovem continuar se evadindo. Hoje, no ensino médio, temos perto de 700 mil alunos que começam um ano letivo e não terminam. Muito disso tem a ver com a escola não ser atrativa, ser chata. Mas no Chile ou na Coreia a escola também é chata e o cara fica. Temos muitos trabalhos mostrando a importância de outras habilidades além do cognitivo – sociais, emocionais, ligadas à criatividade e protagonismo –, que, se a escola utilizá-las, podem ter um enorme impacto na participação do jovem. Ter o engajamento maior do jovem pode ser fundamental para o Brasil avançar. O baixo engajamento pode vir do fato de a escola não ser dos jovens, para os jovens. Ceará, Rio de Janeiro têm feito grandes avanços para tornar a escola um lugar da juventude. Saber quanto essa mudança de cara da escola resolverá o problema da evasão não só no ensino médio, mas também no fundamental 2, é uma grande questão de pesquisa.
E há algo que relacione mais educação e economia?
Outra questão fundamental é que o impacto da educação sobre os salários, a relação entre educação e renda está cada vez mais tênue. Cada vez mais, um ano a mais de educação dá um aumento menor em termos de remuneração, o que é excelente. Sem isso, não teríamos reduzido desigualdade. Mas o valor de um ano a mais de educação em termos de remuneração está despencando no Brasil.
Em relação a todos os níveis educacionais?
Na educação superior, ainda não. Mas no ensino médio caiu à metade. Fazer o ensino médio aumentava o salário em 40%, 50%, agora aumenta 20%. Isso em dez anos. Ainda é uma tremenda vantagem, mas precisamos entender por que isso está despencando. Se cair um pouco mais será bom, mas muito mais será problemático.
Essa queda pode estar relacionada à baixa qualidade da educação?
Sim. Pode também estar relacionada ao aumento sistemático do salário mínimo, há várias explicações possíveis. É como a taxa de juros: muito alta, horrível; se cair demais, ficar negativa, é um problema. Juro real negativo é um problema para promover poupança etc. A taxa de retorno da educação no Brasil já caiu muito, o que é bom, permite que muitas famílias pobres tenham acesso a serviços que envolvem pessoas com maior escolaridade, torna a sociedade mais justa. Mas há uma hora em que essa queda desmotivará as pessoas a estudar. Entender essa queda é um desafio extremamente importante neste momento.
Autor
Redação Ensino Superior