NOTÍCIA
Dois anos após apresentar uma nova dinâmica à educação superior no mundo, a eficiência dos Moocs ainda é pouco definida
Dois anos após apresentar uma nova dinâmica à educação superior no mundo, a eficiência dos Moocs ainda é pouco definida
por Patrícia Sperandio
A presentados ao mundo como capazes de levar, gratuitamente, aulas de nível universitário de qualidade a qualquer aluno com acesso à internet, os MOOCs (Cursos on-line, Gratuitos e Massivos, em tradução livre) ainda têm de mostrar a que realmente vieram.
Desde seu surgimento nos Estados Unidos, há aproximadamente dois anos, esse formato conquistou as instituições mais renomadas internacionalmente como o Massachusetts Institute of Technology (MIT), Universidade Harvard, Stanford, Princeton e Yale, dando acesso a aulas antes ao alcance de poucos.
No entanto, os benefícios e desvantagens dos MOOCs ainda não estão claros. Se, por um lado, a oferta dos cursos massivos torna-se entusiasmante tendo em vista que grande parte da população mundial não tem acesso à educação, por outro, a missão de democratizar o conhecimento de qualidade através desse novo formato ainda está longe de ser cumprida.
Segundo pesquisa publicada pela Universidade da Pensilvânia no final do ano passado, os MOOCs ainda não conseguiram atingir toda a população mundial, especialmente os mais pobres. Um outro estudo realizado pela University of Pennsylvania Graduate School of Education (Penn GSE)com um milhão de usuários em 16 cursos do Coursera, uma das principais plataformas de cursos massivos, mostra que cerca de 80% dos usuários provenientes de nações em desenvolvimento como Brasil, Rússia, China e África do Sul compõem a elite econômica de seus países. Ou seja, fazem parte de 6% da parcela mais rica de suas populações.
Outro ponto muito discutido pelos especialistas é a alta taxa de evasão. O primeiro MOOC oferecido pela Universidade Stanford, o Introdução à Inteligência Artificial, conquistou de imediato 160 mil inscritos, de 190 países. Apesar do grande número de interessados, apenas 23 mil alunos concluíram o curso. Já o curso Ciência da Computação I, da Universidade Harvard, por exemplo, teve mais de 150 mil matriculados, dos quais apenas 1.388 se formaram.
Motivação no formato
Um dos motivos apontados para a evasão é a falta de engajamento dos estudantes. O estudo realizado pela Universidade da Pensilvânia também constata que, embora a procura pelos MOOCs seja bastante significativa, o número de usuários ativos tende a cair consideravelmente após uma ou duas semanas de aula.
Na visão de Murilo Matos Mendonça, assessor de Relações Internacionais da UnisulVirtual e membro do quadro de diretores do OpenCourseWare Consortium, o alto grau de desistência é algo quase intrínseco à proposta. Para ele, os motivos abrangem desde problemas exclusivamente relativos aos estudantes, como estilos de aprendizagem, maturidade e acesso regular à internet, até questões referentes ao caráter de massividade dos MOOCs.
A experiência do aluno Guilherme Paulovic, de 25 anos, analista de produtos, com os MOOCs reforça a opinião de Mendonça. “Já me inscrevi em muitos, mas concluí apenas dois pelo Coursera”, conta Paulovic, que reconhece a falta de disciplina para concluir os cursos. Além disso, segundo ele, é muito fácil se inscrever num MOOC. “Na semana passada eu me inscrevi em um curso de criatividade pela música, pela Universidade Stanford, mas não abri nenhum e-mail até agora”, confessa.
A saída para motivar os estudantes a chegarem até o final dos cursos está no formato, acredita o professor Stavros Xanthopoylos, vice-diretor do Instituto de Desenvolvimento Educacional da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Os MOOCs, principalmente, nos Estados Unidos, foram lançados sem nenhuma preocupação pedagógica, apenas com o professor repetindo a sua aula presencial”, diz. Dessa forma, segundo ele, acreditava-se que seria suficiente pegar os melhores professores das instituições de ponta para formar mais pessoas com cursos de qualidade.
Já Anant Agarwal, CEO da eDX, uma das pioneiras na oferta de MOOCs, tem outra análise. “A eDX inverte o funil”, afirma o CEO da plataforma que reúne hoje 47 escolas e instituições-membros e oferta 170 cursos on-line e gratuitos. Ele explica que no tradicional processo de admissão muitos se candidatam, mas poucos são admitidos. Já os MOOCs abrem o acesso a todos, mas nem todos concluem ou conseguem certificado. “Atraímos alunos com muitos objetivos diferentes, que vão de estudantes com um foco tradicional em demonstrar o domínio do curso e receber um certificado, a pessoas que o frequentam unicamente para interagir com outros alunos e ampliar sua compreensão do mundo à sua volta”, afirma.
Sob análise
O relatório Horizon Report 2014, divulgado no começo do ano pelo Consórcio Nova Mídia (NMC), em parceria com a Iniciativa de Aprendizagem Educause, reforça que embora os MOOCs tenham adquirido grande importância nos dias de hoje, os cursos ainda apresentam problemas.
Para que os MOOCs realmente tenham impacto, é preciso oferecer uma grande experiência educacional. Em muitos países não há instituições suficientes para acomodar todas as pessoas com idade universitária e atualmente há um esforço global para aumentar o número de alunos com nível superior. Os MOOCs podem ter sido propostos como uma solução para este problema, no entanto, confiam em tecnologias que, simplesmente, não estão disponíveis em muitos lugares.
Os sistemas educacionais passam por uma transformação muito grande provocada pelas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e, apesar de os MOOCs serem um passo além, esse formato de aprendizagem ainda está no estágio inicial do processo.
Investimento válido
Em vista desse cenário, Murilo Matos Mendonça, da UnisulVirtual, afirma que não se pode precisar até que ponto vale a pena investir em MOOCs. “Os MOOCs podem, sim, ser um dos componentes de uma instituição que opte por combinar mais que um modelo em sua oferta educacional”, avalia. Para ele, as instituições não têm mais a escolha de não incorporar a utilização das TICs, tanto na dinamização quanto na ampliação do acesso à educação.
Outra questão é que os MOOCs funcionam muito bem do ponto de vista de marketing para as instituições. Na opinião do professor Stavros Xanthopoylos, quem entra nesse processo ganha maior visibilidade. “As pessoas que não conheciam a sua marca passam a conhecer. E aquelas que não conheciam o seu produto passam até a comprá-lo”, garante Xanthopoylos.
Segundo ele, a FGV colhe esses frutos desde que entrou para o OCWC (Open Course Ware Consortium), um consórcio de instituições de ensino de diversos países que oferecem conteúdos e materiais didáticos de graça pela internet. Xanthopoylos afirma que os cursos oferecidos por meio do OCWC levam muitos alunos pagantes para a instituição, apesar de a maioria do público não ser o perfil do aluno tradicional da FGV. “80% das pessoas que entram ganham até R$ 3 mil reais e 65% até R$ 2 mil reais. Então, nesse caso têm a função de acesso, não só a função de marketing”, diz.
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Presença no Brasil
As instituições de ensino superior brasileiras começam a apostar no novo formato de aprendizagem.
Um dos responsáveis por esse movimento é o Veduca, empresa pioneira de tecnologia educacional no país. Criada há dois anos, a plataforma conta hoje com 291 cursos, organizados, oferecidos por 19 instituições do mundo inteiro, entre elas, Harvard, Stanford e MIT. Já entre as brasileiras estão a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Ainda há muito a ser feito, mas em um período muito curto, o Veduca se consolida como o principal provedor de cursos on-line abertos da América Latina”, arrisca o criador da empresa, Carlos Souza.
Os cursos de Física Mecânica Básica e Probabilidade e Estatística, ministrados por professores da USP, são considerados os primeiros da América Latina e colocaram o Brasil no centro de um movimento internacional, em que instituições tradicionais oferecem aulas gratuitamente para milhões de pessoas. No entanto, o índice de evasão foi mais uma vez alarmante: dos 15 mil inscritos no curso de física, apenas 5 mil obtiveram a certificação.
Embora o país seja o terceiro em usuários de MOOCs no mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e Índia, o ensino superior brasileiro ainda está muito atrelado à educação formal.
Sendo assim, a expansão dos MOOCs pelas instituições brasileiras deve demorar um pouco mais para ocorrer. Para Richard Romancini, pesquisador e professor da ECA/USP, o Brasil ainda está muito atrasado no secundário, e em consequência, no ensino superior. Apesar de existir uma massa maior de pessoas com educação, existem poucos recursos econômicos, o que pode prejudicar a qualidade dos cursos oferecidos. “Isso não significa que as instituições públicas ou privadas não devam realizar MOOCs, experimentar”, acredita.
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