Há dezesseis anos entrava em vigor o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental, conhecido como Fundef. De lá pra cá muita água rolou por debaixo da ponte do financiamento da Educação Básica e é oportuno fazer um breve balanço. Podemos dividir este período em duas […]
Há dezesseis anos entrava em vigor o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental, conhecido como Fundef. De lá pra cá muita água rolou por debaixo da ponte do financiamento da Educação Básica e é oportuno fazer um breve balanço. Podemos dividir este período em duas partes: os dez anos de vigência do Fundef e os seis primeiros anos de vigência do Fundeb.
A criação do Fundef inaugura uma nova forma de redistribuição de parte dos recursos educacionais, tendo como parâmetro a quantidade de alunos que cada estado ou município tenha registrado no censo escolar.
Nos primeiros dez anos desta política de fundos ficaram de fora do financiamento as demais etapas e modalidades da Educação Básica (educação infantil, ensino médio, educação de jovens e adultos e ensino profissionalizante). Seu formato foi uma escolha pela focalização de recursos no ensino fundamental, o que acelerou a sua universalização no decorrer da década, mas atrofiou o crescimento das etapas descobertas, especialmente afetando a oferta de matrículas em creche.
Esse primeiro período foi marcado por intensa municipalização das matrículas do ensino fundamental, fenômeno que provocou uma sobrecarga de responsabilidades nas costas dos municípios, ente federado com menor potencial de arrecadação tributária. E, de forma contraditória, foram os municípios de regiões mais pobres que mais municipalizaram o ensino. Exemplo dos extremos é o Maranhão, com 68% de participação municipal nas matrículas da Educação Básica e São Paulo com apenas 37% (Pinto, 2013).
Outro componente dos primeiros dez anos foi o descompromisso da União com o financiamento da Educação Básica, assumindo um papel mais próximo de agência reguladora do sistema educacional. A União se recusou a cumprir a própria legislação que propôs para o Fundef e repassou valores de complementação financeira para os fundos estaduais em proporções ilegais e insignificantes durante toda a vigência do fundo.
Tal postura diminuiu os efeitos equalizadores do Fundef e manteve a distância entre regiões ricas e pobres, eternizando a oferta educacional muito abaixo de qualquer parâmetro mínimo de qualidade. Tal distância se expressa em todos os indicadores educacionais que estão disponíveis, sejam de cobertura escolar, de condições de oferta ou de desempenho dos alunos em testes nacionais.
Em 2006, findo o prazo de vigência do Fundef, nova emenda constitucional foi aprovada, viabilizando a criação do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica – Fundeb. Desta feita o novo fundo passou a redistribuir recursos para todas as etapas e modalidades e se criou um novo formato de participação da União, que passou a ser baseada em percentual fixo (10% do montante depositado pelos demais entes federados). Passados seis anos de sua vigência, algumas melhoras já são visíveis, mesmo que aquém da expectativa aberta com sua criação.
As matrículas de educação infantil voltaram a crescer, mesmo as de creche, mas em ritmo lento para dar conta das demandas represadas. Houve um fortalecimento da visão de que cada etapa e modalidade possuem necessidades diferenciadas, mas os limites criados pela legislação (variação de 30% entre elas, para mais ou para menos) provocou a subvalorização de parte delas, remunerando a menor as matrículas de creche, ensino fundamental e médio em tempo integral, ensino profissionalizante e educação especial.
A principal mudança, sem sombra de dúvida, foi na participação financeira da União. De ridículos 400 milhões (no último ano de vigência do Fundef) esta participação fecha o ano de 2013 na casa dos 10 bilhões. Isto permitiu uma elevação do valor por aluno dos estados mais pobres e aumento do número de fundos beneficiados (de dois para nove). E, consequentemente, provocou uma redução da distância entre as regiões do país.
No decorrer destes dezesseis anos foi criada uma cultura de que cada aluno carrega em si um custo para o Estado brasileiro. Isto foi muito positivo, pois forneceu uma informação relevante para a sociedade, permitindo apurar se o recurso que está sendo utilizado representa o montante suficiente para dar conta da tarefa. Porém, mesmo com a melhoria na participação financeira da União, o valor mínimo por aluno do ensino fundamental projetado para 2013 é de apenas R$ 2.221,73, o que significa que nos nove estados mais pobres o Estado brasileiro está destinando algo em torno de R$ 185,00 por mês para garantir a educação de seus pequenos cidadãos.
Apesar de previsto na Constituição Federal, que completou vinte e cinco anos de existência, não foi construído ainda em nosso país um padrão mínimo de qualidade. Este padrão definiria a quantidade e a qualidade de um conjunto de insumos que deveriam estar presentes em qualquer escola pública, seja ela mantida pelo município, pelo estado ou pela União, urbana ou rural, localizada no norte ou no sul do país. Insumos que de maneira detalhada deveriam viabilizar salários dignos para professores, os quais deveriam ter formação condizente com as necessidades educacionais, prédios adequados ao exercício de uma educação de qualidade, dentre outros componentes.
Em maio de 2010 a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação aprovou o Parecer nº 08/2010, que estabeleceu os parâmetros para a constituição desse padrão, denominado de Custo Aluno-Qualidade inicial. Até hoje dorme em uma gaveta do gabinete do ministro da Educação, esperando homologação. E tal esquecimento esconde um posicionamento do governo federal de não criar novas despesas para seu orçamento, pois não é possível implantar um padrão de qualidade nacional sem que a União contribua de forma decisiva no auxílio dos entes menos favorecidos, especialmente com os municípios do Norte e Nordeste.
Nos próximos dezesseis anos dois ou três desafios podem ser listados. O primeiro será a reformulação do papel da União no financiamento da Educação Básica. O segundo será a implantação de um padrão mínimo de qualidade, que garanta a diminuição das distâncias dos padrões de oferta educacional atuais. E o terceiro, consequência dos dois anteriores, será a elevação do percentual de investimentos públicos na rede pública, saltando dos atuais 5,3% do PIB para algo em torno de 10% do PIB nos próximos dez anos.
Os últimos dados disponíveis mostram que além de investir menos do que precisa para soerguer a educação pública, esse investimento está desequilibrado. A União, ente federado que abocanha 57% dos recursos arrecadados dos cidadãos brasileiros, participa apenas com 20% do que é aplicado em educação pública. Há uma clara sobrecarga sobre estados e municípios. Estes, por outro lado, são muito desiguais e consequentemente oferecem padrões de atendimento muito diferentes. As regiões mais pobres estão fadadas a retroalimentar a sua exclusão porque oferecem educação de baixa qualidade, seus habitantes ficam poucos anos na escola e com isso não viabilizam as bases para a superação de suas carências econômicas.
Uma das explicações para o baixo investimento público em educação está na escolha de prioridades. Nestes dezesseis anos é clara uma linha de continuidade na política econômica, mesmo com as mudanças de orientações políticas no comando do país. O pagamento dos juros e amortização da dívida pública consumiu entre 45% e 53% do Orçamento Federal durante todo o período, comprometendo a capacidade de financiamento das políticas públicas, dentre elas a política educacional. E, para se livrar da pressão, a União induziu processos de descentralização da gestão dos serviços básicos para as esferas federativas mais frágeis.
A educação deve ser um fator de diminuição das desigualdades territoriais, mas para que isso aconteça será necessário que os desafios citados sejam enfrentados no mais breve espaço de tempo. Pois certamente o futuro econômico do país, que se situa entre os dez mais ricos do planeta, mas ao mesmo tempo convive com indicadores educacionais próximos dos países mais pobres, dependerá do enfrentamento destes e de outros desafios na área do financiamento.
Duas certezas estão presentes para iluminar o caminho dos que sonham com novos tempos para a Educação Básica pública no Brasil. A primeira é de que mudança significativa depende da redefinição do papel da União e da prioridade nacional que a educação conquistar no uso do fundo público. A segunda é de que mudança só ocorre quando os principais interessados se mobilizam pela sua efetivação, ou seja, sem forte participação da sociedade civil, especialmente dos educadores, estudantes e pais, a mudança não se concretizará.
*Luiz Araújo é professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, vice-presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação – Fineduca e colaborador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.