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Da L&#39Oréal à educação nacional

As discussões em torno do sistema de avaliação docente francês

Ana Teixeira

Uma proposta de mudança radical no sistema de avaliação de desempenho de professores, apresentada pelo Ministério Francês da Educação, tem gerado mal-estar e indignação entre os docentes. O assunto torna-se ainda mais polêmico pelo fato de que a progressão na carreira depende dessa avaliação, hoje feita pelos Inspetores de Ensino a partir de visitas às escolas e da observação direta das aulas. Há um relativo consenso quanto à necessidade de mudanças nos procedimentos hoje adotados, mas um profundo dissenso em relação aos princípios e normas a se implantar.

O ministro da Educação, ex-diretor de recursos humanos de uma grande empresa de cosméticos, propõe que a avaliação de professores passe a ser feita direta e exclusivamente pelo diretor da escola que, a seu ver, deve ter um papel próximo ao de um gerente empenhado na melhoria dos serviços. Os professores franceses alegam que esse tipo de procedimento afronta o caráter público da escola, ao transformar o diretor em uma espécie de “patrão” dotado de poderes pessoais e arbitrários. A opinião pública se divide entre os que creem que os professores são corporativos e resistentes a qualquer forma de avaliação e os que veem na medida proposta uma simples extensão dos esforços do governo Sarkozy no sentido de ampliar a visão gerencial e privatista que seu governo imprimiu ao serviço público francês.

A avaliação individual por inspetores da Educação Nacional foi instituída à época da universalização do sistema educacional francês e repousa sobre alguns dos princípios que o animaram, como a centralização de programas e procedimentos, a identificação do professor com os ideais institucionais da escola pública e a crença na justiça de um sistema fundado na alegada meritocracia individual. As transformações sociais, as reformas do ensino e as pesquisas em educação, cada uma à sua maneira, têm colocado em xeque esses princípios. Pesquisadores franceses da área de educação tendem a apoiar a criação de um sistema de avaliação que recorra a uma pluralidade de instâncias e fontes: diretores, inspetores, conselhos de escola e que também recorra a informações coletadas a partir de testes sobre o rendimento da aprendizagem e dos dados sobre o percentual de alunos reprovados em cada escola etc. É, certamente, um sistema mais complexo, mas que tem pelo menos duas grandes vantagens.

Em primeiro lugar evita a crença equivocada de que a qualidade do trabalho educativo de uma escola depende exclusivamente do desempenho individual de cada um de seus professores. Uma instituição social complexa como a escola não pode ser reduzida ao somatório dos indivíduos que a compõem. Seria tão ingênuo quanto acreditar que um bom time de futebol é o simples somatório de craques, sem a necessidade de treinos coletivos, de estratégias, de espírito de equipe etc. (o desempenho dos craques brasileiros nas últimas Copas é uma dolorosa evidência da força desse argumento…).

Em segundo lugar a pluralidade de fontes avaliadoras amplia o universo daquilo que se considera digno de ser avaliado, além de atenuar as inevitáveis idiossincrasias de um julgamento pessoal. Ainda mais importante: a garantia da presença de uma pluralidade de visões – com seus inevitáveis conflitos – é condição sine qua non para a manutenção do caráter público de uma instituição. Diferentemente de organizações privadas, os fins e objetivos das instituições públicas são objeto de polêmicas e disputas; por isso exigem consenso político e adesão por parte dos atores envolvidos. Se ignorar esse princípio, o ministro Luc Chatel, ex-executivo da L’Oréal, corre o risco de propor uma reforma cosmética. E de mau gosto.

*José Sérgio Fonseca de Carvalho
Doutor em filosofia da educação pela Feusp e pesquisador convidado da Universidade Paris VII
jsfc@editorasegmento.com.br

Autor

José Sérgio Fonseca de Carvalho


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