NOTÍCIA

Gestão

Autor

Redação revista Educação

Publicado em 12/11/2025

Temos algo a aprender com a experiência de formação de diretores escolares na Inglaterra?

Especialista em gestão pública apresenta como se dá a estrutura geral dos cursos no país europeu, além do conteúdo, metodologia, oferta e avaliação

Por Lara Simielli, professora no Departamento de Gestão Pública da FGV EAESP | Acabo de voltar de um período como pesquisadora visitante na Inglaterra¹ e fui convidada a compartilhar aqui alguns pontos da minha experiência por lá. No mês em que se comemora o Dia dos Diretores Escolares, em 12 de novembro, achei interessante trazer algumas reflexões sobre a formação da direção escolar no sistema inglês. 

A Inglaterra é reconhecida como referência no tema da formação de professores e diretores, dada a longa experiência e a qualidade dos cursos. No caso dos diretores escolares, a Qualificação Profissional Nacional (da sigla em inglês National Professional Qualification) é oferecida para diferentes públicos, em diferentes estágios da carreira e em cinco cursos distintos. Tive a oportunidade de acompanhar alguns destes cursos, analisando o conteúdo e observando a formação em algumas instituições parceiras. 

formação direção escolar

Acompanhamento de uma conferência formativa de indução para novos professores em Londres. Imagem tirada em setembro deste ano (Foto: arquivo pessoal)

Formação da direção escolar na Inglaterra, pontos centrais

  • Estrutura do curso

Os cursos têm a duração aproximada de um ano e meio. São uma combinação de módulos teóricos e práticos, com forte ênfase na aplicação dos conceitos no cotidiano escolar. A estrutura inclui três perspectivas centrais: i) teórica, com a discussão de temas centrais ligados a liderança escolar, estratégias de ensino e aprendizagem, e governança educacional; ii) desenvolvimento das competências, como a resolução de problemas complexo e gestão de crises; e iii) aplicação prática e reflexiva, onde os participantes são incentivados a refletir sobre sua própria prática de liderança e a aplicar os conceitos nas escolas onde atuam.

  • Conteúdo abrangente e atual

O conteúdo é bastante abrangente, com foco numa visão integral da escola e do papel da liderança escolar. São abordados temas como visão estratégica, gerenciamento de mudança e inovação, desenvolvimento profissional contínuo dos professores, decisões de liderança e impacto no aprendizado dos estudantes, responsabilidade e prestação de contas, relação com a comunidade escolar, cultura de confiança, dentre outros.

  • Metodologia

Os cursos combinam aprendizado online com sessões presenciais. As atividades incluem a análise de situações reais e resolução de problemas típicos enfrentados por diretores escolares, a mentoria por diretores mais experientes e o desenvolvimento de um projeto aplicado de gestão escolar. 

  • Oferta

O curso é ofertado por instituições que desenvolvem o conteúdo e estruturam a sua oferta. Estas instituições, que em geral são instituições de ensino superior ou redes de diretores escolares, ofertam os cursos de formação em parceria com outras organizações, que oferecem as aulas em turmas menores em diferentes territórios. Desta forma, cada organização parceira fica responsável por uma região específica, mas há um alinhamento a cargo da instituição principal, validada pelo Ministério de Educação.

  • Avaliação

Todos os cursos e escolas na Inglaterra são avaliados por um órgão externo, a Ofsted (Office for Standards in Education, Children’s Services and Skills). No caso dos cursos de formação continuada para professores e diretores escolares, as instituições são avaliadas num processo abrangente que envolve a avaliação do conteúdo, entrevista com os participantes e monitoramento das organizações parceiras.

O olhar para casos internacionais é sempre complexo. Nossos contextos são muito diferentes e podemos ficar presos ao que nos diferencia de outras redes e sistemas, dificultando a abertura para refletir e aprender. O intuito, porém, não é de nos compararmos, mas de trazer reflexões que possam nos inspirar a fazer algumas coisas de maneira diferente, entendendo o nosso contexto e nossas especificidades. 

Embora o sistema educacional inglês seja diferente do brasileiro, muitas das competências desenvolvidas nos cursos de formação de diretores escolares são universais e podem ser muito úteis no contexto educacional brasileiro. 

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Aqui no Brasil, muitos estudos vêm buscando entender os desafios enfrentados pelos diretores escolares. Em muitos casos, a ausência de formação específica em gestão escolar, especialmente antes da entrada no cargo ou nos primeiros meses de atuação, tende a aprofundar os problemas. Alguns estudos² indicam que a formação inicial, no Brasil, ainda não tem sido suficiente para preparar adequadamente os novos diretores para o cargo. 

A análise das matrizes curriculares de cursos de pedagogia e licenciatura apontou que a maioria dos cursos oferecia uma ou nenhuma disciplina relacionada à gestão escolar³. Em termos de formação continuada, os dados do Censo Escolar de 2022 indicavam que apenas 11% dos diretores brasileiros realizaram formação continuada em gestão escolar com mais de 80 horas. 

Neste contexto, é fundamental refletirmos sobre a importância e centralidade da formação dos diretores escolares, especialmente no momento de transição da sala de aula para um cargo de gestão. Mais do que a formação dos diretores, é preciso olhar para a gestão escolar de maneira mais abrangente, analisando as condições de trabalho, os apoios que são dados às escolas, a remuneração, dentre outros. 

A formação, apesar da sua centralidade, não consegue reverter, isoladamente, questões contextuais mais profundas, que também precisam de atenção por parte das políticas públicas.

Com este breve texto, espero ter trazido algumas reflexões sobre um sistema que é reconhecido pelo investimento na gestão e liderança escolar. A formação é um dos pilares desta política, que abrange um conjunto de estruturas e programas de apoio aos diretores escolares e à gestão escolar. 

Como professora e pesquisadora, espero que possamos caminhar para um cenário semelhante aqui no Brasil, onde os diretores escolares sejam valorizados e reconhecidos por todo o trabalho e pela imensa colaboração que trazem para uma educação de qualidade. 

Notas e referências

¹ Para esta experiência, contei com uma bolsa da Fapesp. Deixo aqui meu agradecimento à instituição. Número do processo: 2024/21207-7.

² Para saber mais, consultar: 

Mello, M. M. (2014). Diretores de escola: O que fazem e como aprendem [Tese de doutorado]. Universidade Federal de São Carlos.

Melo, L. L. de, & Miranda, N. A. de. (2020). Desafios da gestão na escola pública paulista: A percepção do diretor ingressante. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, 36(1), 130-152. https://doi.org/10.21573/vol36n12020.96631

Silva, C. G. da. (2015). Dimensões da gestão escolar: Saberes e práticas do diretor de escola [Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. Repositório PUC-SP. https://tede2.pucsp.br/handle/handle/9860

³ Oliveira, A. C. P. de, Paes de Carvalho, C., & Brito, M. M. A. de. (2020). Gestão escolar: Um olhar sobre a formação inicial dos diretores das escolas públicas brasileiras. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, 36(2), 473-496. https://doi.org/10.21573/vol36n22020.99857

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