NOTÍCIA
Encontro da Fundação Bracell destacou a importância de políticas públicas para essa etapa visando fomentar iniciativas bem-sucedidas, pesquisas e formação de gestores
Por Marcelo Daniel e Rubem Barros da revista Educação: O debate sobre oferecer educação infantil de qualidade tem crescido pelo país. Tanto que a Fundação Bracell realizou em 7 de outubro, em São Paulo (SP), o 2º Simpósio Internacional de Educação Infantil, que contou com especialistas nacionais e internacionais para debater políticas públicas para essa etapa, o papel da colaboração entre governos e a importância da formação de professores e professoras.
Durante o simpósio, a professora Dana McCoy, da Harvard Graduate School of Education, e também copresidente do Programa de Desenvolvimento Humano e Educação (HDE) da mesma instituição, classificou a educação infantil como “momento pivotal” para o desenvolvimento de habilidades de pensamento e da socialização, e completou: “Traz ainda benefícios para a sociedade ao permitir que os pais possam integrar a força de trabalho, melhorando a economia e promovendo a equidade de gênero”.
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Sua fala também destaca a importância de dar ênfase ao desenvolvimento integral e que a formação não seja atrelada, apenas, às competências acadêmicas. “Se os professores forem avaliados apenas com base em índices sobre a criança ler o ABC e escrever os números, esses docentes vão focar mais tempo nesses temas, no lugar de dar foco, também, a outras habilidades como curiosidade, criatividade, pensamento crítico, autorregulação e outros fundamentos de aprendizagem e desenvolvimento”, pontuou.
Simpósio lotou auditório na USP, em São Paulo, e colocou educação infantil no centro do debate (Foto: Carmen Fernandes)
Já no painel sobre priorizar que o financiamento esteja a serviço do pedagógico, foi ressaltado a importância de que as políticas públicas dialoguem com o ambiente diverso que compõe a realidade brasileira, com todas as suas complexidades. Essa conversa foi mediada pela chefe de educação do Unicef Brasil, Mônica Pinto.
O tema da priorização da educação infantil deve encarar o problema da condição docente, destacou André Lázaro, diretor de Políticas Públicas da Fundação Santillana no Brasil. “Mais de 90% são mulheres e não conseguimos incorporar o debate da equidade de gênero na formação, mesmo diante da sobrecarga e da tripla jornada de trabalho”, disse.
Carlos Eduardo Sanches, especialista no segmento educacional, explicou que o plano plurianual deve fazer parte da realidade de todos os municípios, levando em conta que seis em cada 10 cidades são pequenas, sem estrutura para esse tipo de elaboração. “É preciso garantir apoio técnico às redes para esse planejamento; caso contrário, o dinheiro, que já é pouco, não vai chegar”, orientou.
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A complementação da União ao Fundeb, o Valor Aluno Ano Total (VAAT), foi celebrada como importante evolução nos investimentos educacionais, mas também recebeu observações dos participantes sobre os critérios de partilha, no sentido de viabilizar o apoio à ampliação de matrículas. “É mais verdadeiro dizer que quem aumenta o atendimento recebe a complementação do VAAT que afirmar que quem recebe aumenta esse atendimento”, comentou o diretor de monitoramento, avaliação e manutenção da educação básica do MEC, Valdoir Pedro Wathier.
Organizar, sistematizar, coletar e, principalmente, utilizar os dados educacionais para que sejam transformados em conhecimento e, assim, subsidiar políticas públicas de qualidade. Essa foi a jornada do painel que teve mediação de Filomena Siqueira, diretora de projetos da Fundação Bracell.
Daniel Domingues dos Santos, coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social (Lepes) da FEA-RP/USP, ressaltou a urgência de trabalhar o processo avaliativo na educação infantil. “A avaliação é uma forma de garantir direitos e uma meta a ser atingida, quando não se faz isso, fica devendo algum tipo de satisfação à sociedade”, colocou.
Na avaliação de Ernesto Faria, diretor-executivo do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), os questionários do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) devem ser construídos dialogando com indicadores internacionais. “É necessário um monitoramento para ter uma medição mais fina e, assim, apoiar as redes para as avaliações formativas”, explicou.
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Oferecer um Saeb ampliado também fez parte da abordagem da diretora de avaliação da educação básica do Inep, Hilda Linhares. “Temos dois eixos principais: as interações e as brincadeiras; e lidamos com pelo menos dois contextos, creche e pré-escola, que têm especificidades que precisam ser consideradas numa avaliação mais ampla”, detalhou.
Com exibições de telas aos presentes, o novo sistema do Plano de Ações Articuladas (Novo PAR) foi comentado pela diretora de apoio à gestão educacional do MEC, Anita Gea Stefani. “Os painéis ajudam os municípios a enxergar os dados de forma mais ‘mastigada’, com o objetivo de colocar faróis nas informações e escolhas das redes. Na educação infantil, os parâmetros da qualidade e equidade são considerados referências”, citou.
A professora emérita da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, Susan Harriet Fuhrman falou, em palestra realizada de maneira remota, sobre as lições da academia na implementação de políticas públicas. De forma didática, explicou que, tanto nos EUA quanto no Brasil, é comum que os caminhos escolhidos costumem ser o mais fácil, favorecendo o incrementalismo. Dessa forma, exemplifica, políticas curriculares recentes devem ser executadas enquanto a formação e valorização dos professores prossegue à moda antiga. “A chegada das novas políticas públicas sobrepõe as anteriores, que frequentemente mantém características que permanecem em vigor”, disse.
Na prática, os resultados são menores e mais discretos do que os formuladores dessas propostas esperam. “O apoio ao desenvolvimento profissional é uma estratégia de longo prazo que, embora sensata, costuma não obter apoio de políticos que têm visão de curto prazo, pois não querem investir em algo que não vai ficar pronto enquanto eles ainda estiverem ocupando essa posição”, explicou.
Para implementar uma política pública, Fuhrman destacou capacitação, um sequenciamento realista, desenvolvimento de cronogramas viáveis e análise das características herdadas de propostas do passado, para eliminar sinais contraditórios.
Discutir quais as alavancas necessárias para que as políticas públicas implementadas tenham ganho em escala, com qualidade e equidade, foi o ponto norteador do painel conduzido pela diretora de advocacy e comunicação da Fundação Bracell, Alejandra Velaz Melasco.
Apesar de registrar um avanço maior que nas décadas anteriores, os últimos 10 anos mostraram um crescimento ainda aquém do que o Brasil necessita, segundo a reflexão do consultor em gestão de políticas públicas, Binho Marques. Para o especialista, um caminho para esse avanço está na entrega de referenciais para os gestores e não de definições rígidas e engessadas, elogiando o lançamento do Compromisso Nacional pela Qualidade e Equidade na Educação Infantil (Conaquei). “É preciso ter não um padrão de qualidade, mas uma qualidade padrão”, pontuou.
Essa abordagem também teve o apoio do diretor de políticas e diretrizes da Educação Integral Básica do MEC, Alexsandro do Nascimento Santos, que ressalta o compromisso nacional pela equidade na educação infantil. “Nossos eixos de atuação estão na fila da creche; na elaboração do plano de expansão de vagas; na melhoria de infraestrutura física e pedagógica; e no curso de especialização em gestão da política pública de educação infantil”, enumerou.
Olavo Nogueira, diretor-executivo do Todos Pela Educação trouxe os exemplos práticos do sucesso na implementação de políticas públicas ao mostrar os índices alcançados por municípios cearenses. “Foram aplicadas nos conceitos mais diversos, mais pobres e mais desiguais e foi possível fazer a coisa acontecer no conjunto de cidades do Ceará — que hoje é o estado que tem a menor desigualdade de aprendizagem entre localidades dentro de uma mesma unidade federativa”, exemplificou.
No campo das práticas pedagógicas de qualidade, a especialista em educação infantil do Unicef, Carolina Velho, mediou conversas permeadas por vivências práticas, com bons resultados em diversas regiões do país.
A professora Mônica Correa Baptista, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), trouxe a experiência do Leitura e Escrita na Educação Infantil (LEEI), programa que coordena, e a importância do ensino adequado aos docentes. “É urgente discutir a formação inicial desses profissionais, caso contrário os cursos de formação continuada serão sempre para apagar incêndios que a primeira etapa não cumpriu”, enfatizou.
A política de formação continuada para o ensino infantil, em regime de colaboração no Maranhão, foi o case apresentado por Beatriz Cardoso, diretora do LabEdu – Laboratório da Educação. “A implementação é um campo de estudo, é fazer chegar a uma cadeia formativa, estabelecer um processo de acompanhamento e monitoramento, necessários para possibilitar uma escala de qualidade”, explicou.
A subsecretária de Educação de Guarulhos (SP), Minéa Paschoaleto Fratelli, ressaltou o desafio dos gestores para que sejam firmes no propósito de uma entrega qualificada, baseada em planejamento. “O conveniamento é essencial, mas a questão é como a gente dá acesso e vê a qualidade que precisamos ofertar aos bebês e crianças, pois não serve qualquer espaço nem qualquer prática”, pontuou.
O papel do regime de colaboração na implementação das normativas para a educação infantil reuniu especialistas sob a mediação do titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP de Ribeirão Preto, Mozart Neves Ramos.
Referência nacional nesse segmento, o nome da professora Rita Coelho, coordenadora-geral de educação infantil do MEC, foi citado sob aplausos diversas vezes durante o simpósio. Em sua fala, reforçou a necessidade de definições mais claras que constituem o docente e o auxiliar no educacional, qual a função e a formação necessária. “A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) admite outros profissionais atuando, mas não define quem são; hoje nós temos mais de 50 denominações para os auxiliares, monitores, recreadores, pajens, babás etc.”, elencou.
Celi Corrêa Neres, vice-presidente da Região Centro-Oeste do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação (Foncede), destacou o papel desses órgãos na organização das práticas educacionais nos diversos níveis. “O conselho elabora normas e diretrizes que complementam a legislação nacional, adaptando-as à realidade de cada estado, especialmente quando não há um sistema municipal”, citou.
Adenilde Stein Silva, do GT de Educação Infantil da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), ressalta a importância do regime de colaboração na concretização de entregas, com ênfase para que olhar dos pequenos estudantes seja contemplado. “É preciso pensar como a criança, até mesmo para definir os brinquedos, os playgrounds, toda essa infraestrutura da escola, pois são recursos destinados a elas”, concluiu.
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Criada no final de 2023 e operando desde 2024, a Fundação Bracell nasce com um sentido de urgência para uma questão-chave: apoiar a estruturação e efetividade da educação infantil no Brasil. Esta etapa da educação básica foi definida como seu principal eixo de atuação, mas não o único. Os outros dois são a primeira infância e o desenvolvimento de lideranças, três áreas que se entrecruzam.
“Nosso grande objetivo é colocar a educação infantil no lugar onde acreditamos que ela tem de estar, ou seja, no mesmo patamar do fundamental 1, do fundamental 2 e do ensino médio, onde hoje ela claramente não está, o que se pode constatar ao conversar com prefeitos, secretários, governadores”, diz Eduardo de Campos Queiroz, diretor-presidente da Fundação Bracell.
Com experiência no campo educacional como CEO da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV) e passagens na Secretaria estadual de Educação (SP) e na Secretaria Nacional de Articulação, Queiroz e sua equipe ancoram sua atuação num mantra já praticado nestas outras experiências: trabalhar sempre em parceria. Exemplo foi o 2º. Simpósio de Educação Infantil realizado em 7 de outubro, quando, ao lado de Ministério da Educação, da Cátedra Sérgio Ferreira (USP/Ribeirão Preto), Fundação Van Leer, Itaú Social, Rockefeller Center (Harvard) e Unicef, a fundação reuniu um conjunto dos mais influentes gestores e educadores do país.
A ponto de a coordenadora-geral de educação infantil do MEC, Rita Coelho, enfatizar que um evento nesses moldes para a etapa não era realizado desde 2006. Não só pelo porte, mas pela construção conjunta da agenda de discussões.
No âmbito da primeira infância a Bracell optou por apoiar projetos estratégicos liderados por outras instituições presentes no campo, como a FMCSV. Já nos dois outros eixos Queiroz e sua equipe diretiva – Alejandra Velasco, (Advocacy e Comunicação), e Filomena Siqueira, (Projetos), ambas bastante experientes – têm participação ativa na formulação de propostas e interação com parceiros.
Além de programas que para melhorar aprendizagens, que mesclam pesquisa aplicada e testagem de soluções com potencial de se tornar políticas públicas, a atuação institucional tem foco na produção de informações e evidências. E, além disso, na formação de gestores, de modo a potencializar sua atuação, o uso de recursos e o trabalho educacional.
No âmbito das pesquisas, além do levantamento de mídia que analisou 5.116 notícias publicadas entre janeiro de 2023 e dezembro de 2024, foi anunciada no seminário a criação de um fundo de pesquisa, em parceria com a Fapesp e o Itaú Social que terá R$ 6,4 milhões disponíveis para que sejam investigadas questões sensíveis da etapa.
Queiroz lista alguns pontos que julga serem críticos no contexto atual. Um deles é o regime de colaboração para a educação infantil, em relação à integração tanto de entes federativos, como, no interior deles, de áreas como educação, saúde e assistência social. E ressalta a importância desta última: “se a assistência social não for reconhecida como deve ser, porque é ela que cuida dos mais vulneráveis, a educação vai sempre melhorar em velocidade de voo de galinha”, alerta.
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Outros temas sensíveis são currículos que efetivamente apoiem os professores e a oferta de ambientes ao ar livre, essenciais para as crianças de 0 a 6 anos. “No mundo, há cidades que estão se redesenhando nos caminhos percorridos pelas crianças, pensando em quem tem três anos de idade e 95 cm de altura.” É o projeto Urban 95, da Fundação Van Leer.
Na linha de dar visibilidade à educação infantil, a Bracell, ao lado do BID, Itaú Social e da Van Leer, trabalha também na criação de um ambiente especialmente dedicado à etapa no Qedu, o site que traz resultados educacionais de estados e municípios brasileiros.
Por fim, destaque para o curso feito ao lado do Insper, formulado por Renato Paes de Barros e Laura Machado, tendo como foco a implementação de políticas públicas na educação. A primeira versão, ocorrida no 1º. semestre deste ano com a presença da presidente do FNDE, Fernanda Pacobahyba e da secretária de Educação Básica, Kátia Schweickardt, foi bem recebida e gerou pedido para ser replicada com todos os diretores da SEB e do FNDE que atuam junto a estados e municípios.
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