NOTÍCIA

Políticas Públicas

Autor

Redação revista Educação

Publicado em 25/09/2025

Os rumos da educação com a nova Prova Nacional Docente

Possibilidade de incentivar melhorias na formação inicial e aprimorar processos seletivos locais são apontados como destaques positivos da PND. Já dificuldade de avaliar a complexidade do trabalho do professor é ponto de atenção

Por Rosi Rico | A possibilidade de aprimorar o processo de seleção de professores em todo o país por meio de uma prova nacional, unificada e anual, com a qual se pretende estabelecer um mínimo de conhecimentos essenciais que todo docente brasileiro deveria ter para ingressar em sala de aula da educação básica em escolas públicas. Essa é a premissa da Prova Nacional Docente (PND), elaborada recentemente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação (MEC), e que será realizada pela primeira vez em 26 de outubro.

Mas ela é suficiente para atestar a qualidade de um professor? Como ela pode estimular melhorias na formação inicial e continuada? Como será a adaptação dos processos seletivos locais para incorporar o uso da PND? Essas são algumas das questões levantadas por profissionais da educação e que indicam os desafios a serem enfrentados para o uso efetivo da PND.

“Acho que a PND cria um referencial de qualidade e tenho a expectativa de que ela contribua para aumentar o nível de exigência em algumas regiões, no sentido de também ofertar profissionais com qualificação elevada”, diz Luiz Miguel Martins Garcia, dirigente municipal de educação de Sud Mennucci (SP) e presidente nacional da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).

O fato de a prova ser nacional e unificada significa que um professor pode se candidatar tanto para uma vaga de uma cidade na região Centro-Oeste quanto para uma oportunidade no Sudeste, por exemplo, a depender dos estados e municípios que tenham formalizado a adesão à PND.

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É preciso pontuar, porém, que a PND não constitui um concurso público. Ela pretende ser um subsídio para os concursos ou seleções a serem realizados pelas redes municipais e estaduais. E ainda que seja uma prova nacional, sua utilização é opcional. Ou seja, estados e municípios podem decidir se querem incorporar a PND em seus processos seletivos de contratação de docentes, como etapa única (o resultado seria o único critério para classificar e aprovar os candidatos) ou de maneira complementar a outros requisitos e avaliações (como análise de títulos e testes práticos, por exemplo).

Essa possibilidade de escolha foi um diferencial para muitos dirigentes. Segundo Luiz Miguel, a proposta inicialmente foi recebida com apreensão, porque muitos achavam que teriam de adotar a PND como única avaliação. “Quando se deixou clara a possibilidade de ela ser uma das etapas dentro do processo seletivo, a ideia foi bem aceita e, agora, resta ver como será a implementação na prática”, afirma o presidente da Undime. “Se o primeiro ciclo for bem-sucedido em seu uso, a tendência é de ampliação das adesões das redes.”

Maria Helena Guimarães de Castro, presidente do Conselho Estadual de Educação de São Paulo e titular da Cátedra Instituto Ayrton Senna de Inovação em Avaliação Educacional do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP Ribeirão Preto), também afirma que a PND foi bem recebida por vários profissionais da educação. “Tenho participado de seminários e de reuniões do Conselho Estadual de Educação e do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação e, em geral, a apreciação da iniciativa é positiva, com boa avaliação em relação ao desenho que o Inep está propondo.”

prova nacional docente

Prova Nacional Docente vai utilizar as matrizes de referência e instrumentos de avaliação teórica do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes das Licenciaturas (Enade Licenciaturas) (Foto: Geovana Albuquerque/Agência Brasília)

Desafio: como avaliar a complexidade do trabalho docente

Cíntia Diógenes, professora de ensino fundamental da rede municipal de Fortaleza (CE) e formadora de professores, acha boa a “intenção de valorizar a carreira docente, garantir um patamar mínimo de conhecimento e, assim, talvez melhorar a qualidade do ensino ao selecionar profissionais mais qualificados”. Mas apresenta ressalvas, apontando que a prática pedagógica envolve dimensões que uma prova dificilmente consegue capturar.

Para ela, a PND não é suficiente para atestar a qualidade de um docente. “Ser professor(a) hoje não envolve só o domínio de conhecimentos teóricos, mas também habilidades como criar vínculos com os alunos, adaptar o ensino às diferentes realidades, gerenciar conflitos, inovar nas estratégias didáticas e promover um ambiente de aprendizagem acolhedor e estimulante.”

A professora reconhece o valor da PND como ferramenta diagnóstica, que pode oferecer informações importantes para subsidiar a resolução de problemas relacionados à formação inicial e continuada e estimular a criação de outras políticas públicas de valorização da carreira docente. Mas alerta para o risco de reducionismo, se a prova focar apenas em conhecimentos teóricos e também se desconsiderar as particularidades regionais. “O Brasil é um país continental. Como abranger a pluralidade de realidades que nós, professores, enfrentamos em escolas de diferentes contextos socioeconômicos?”

Em sua visão, é necessário considerar a importância do trabalho do educador no cotidiano escolar. “A avaliação da qualidade de um professor deve ser um processo constante, pois passa muito mais pela observação contínua da sua prática, pela troca com os colegas, pelos resultados de aprendizagem dos alunos e pelo seu engajamento com a comunidade escolar.” Para Cíntia, a PND não pode ser um passo único. “Há outros pontos cruciais a serem alvo de investimento, como formação continuada de qualidade, acompanhamento pedagógico e oferta de condições de trabalho dignas para os professores.”

Estímulo à revisão de currículos e melhorias na formação

A qualidade da prova também é uma preocupação de Maria Helena. “É desafiador elaborar uma prova que realmente avalie aquilo que o futuro professor precisa saber e fazer”, pondera. Ainda assim, ela percebe a PND como uma iniciativa promissora do Inep, que pode ser aperfeiçoada ao longo do tempo e estimular uma revisão dos currículos das licenciaturas e fortalecer os estágios supervisionados, aproximando teoria e prática.

“Acho que a PND tem potencial para transformar o sistema de avaliação dos professores, introduzindo questões mais práticas. E, como reflexo, mudar os currículos”, afirma. “Normalmente, os cursos de graduação priorizam as questões conceituais e teóricas. Claro que elas são importantes, mas é fundamental entender como aplicar esses conteúdos na prática. Em geral, a parte prática, que são os estágios, é muito simples, com poucas oportunidades para os estudantes compreenderem como funciona a sala de aula. Será muito importante e positivo se a PND impulsionar uma revisão e aprimoramento dos currículos. E mesmo da formação continuada oferecida pelas escolas e redes públicas.”

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Luiz Miguel segue em caminho semelhante. “A possibilidade de impulsionar melhorias na formação é um dos principais pontos positivos da PND, no sentido de permitir às instituições que estão fazendo formação inicial olharem e compreenderem o que são padrões mínimos que as colocam realmente como instituições capazes de entregar ao mercado um aluno com empregabilidade.”

“Quando começarem a ser reprovados candidatos saindo de faculdades ruins, as faculdades vão ter de melhorar seus cursos ou fechá-los”, complementa Cristovam Buarque, que foi ministro da Educação durante o início do primeiro mandato de Lula. Em sua gestão, o político chegou a estruturar uma proposta semelhante à PND, na época batizada de Exame Nacional de Certificação. Mas a ideia foi engavetada quando ele deixou o cargo. Desde então, Cristovam continuou defendendo uma avaliação nacional do trabalho docente e, agora, acha positiva a iniciativa do governo atual.

Mas ele ressalta que, para a qualidade no ensino superior melhorar, é preciso investir também na qualidade da educação básica. “Quando o curso superior tem de dedicar parte do período para ensinar pontos básicos, que deveriam ter sido aprendidos na educação básica, o país está perdendo.”

Caminho para baratear e aprimorar os processos seletivos

Para Luiz Miguel, a utilização efetiva da PND tende a se consolidar, mas pode não ser um processo rápido. A implementação do uso da PND é um desafio, uma vez que vai ser preciso olhar para a organização das legislações locais e a adequação dos processos seletivos. “Temo que os municípios de pequeno porte demorem mais para aderir à proposta, afinal, o processo de adaptação depende muito da rede. Para incentivar as mudanças, será necessário publicizar os ganhos, demonstrando que professores mais qualificados geram resultados mais eficazes”, afirma.

Segundo ele, um ponto a ser destacado para os dirigentes é a possibilidade de direcionar os valores que seriam pagos para organizar a realização de provas escritas, e que agora será feita pelo governo federal, para a elaboração de avaliações práticas, o que pode qualificar os processos seletivos locais. Luiz Miguel também aponta que a prova pode permitir às escolas atrair profissionais diversos, algo que enriquece o ambiente escolar. “Vai permitir trabalhar com uma diversidade de formação técnica e cultural muito maior. Isso tira vícios das escolas e é altamente motivador.”

Por outro lado, indica que será desafiador reter esses profissionais oriundos de outras regiões, especialmente em municípios pequenos. “O professor aprovado pode usar o concurso como trampolim para as redes mais próximas de sua cidade de origem, o que compromete a continuidade pedagógica e a construção de vínculo com a comunidade.”

Como a Prova Nacional Docente está estruturada e quem pode participar

A Prova Nacional Docente vai utilizar as matrizes de referência e instrumentos de avaliação teórica do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes das Licenciaturas (Enade Licenciaturas). Ela será composta por uma parte de Formação Geral Docente, com 30 questões de múltipla escolha, que, segundo o edital, envolve “situações-problema, com conteúdos transversais pedagógicos comuns a todas as áreas que serão avaliadas”; e uma questão discursiva “para avaliar clareza, coerência, coesão, estratégias argumentativas, vocabulário e gramática adequados à norma padrão da língua portuguesa”. A outra parte é a de Componente Específico, próprio de cada área de avaliação das licenciaturas, com 50 questões envolvendo situações-problema e estudos de caso.

Um giro pela Prova Nacional Docente

Podem participar estudantes na fase final de cursos de licenciatura que estão inscritos no Enade 2025 e professores já formados que estejam interessados em participar de concursos ou processos seletivos públicos. Para esses estudantes que estão nos últimos anos ou semestres, a PND corresponderá à avaliação teórica do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), e a inscrição será obrigatória.

A PND faz parte do Programa Mais Professores para o Brasil, lançado pelo MEC no início deste ano, e que inclui outras propostas, como a do Bolsa Pé-de-Meia Licenciaturas, para fomentar o ingresso, a permanência e a conclusão nos cursos de licenciatura, e a do Bolsa Mais Professores, para incentivar a atuação em regiões e áreas de conhecimento com carência de docentes. Também foi criado o Portal de Formação, para incentivar o desenvolvimento profissional de acordo com o perfil e a necessidade do docente.

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