NOTÍCIA

Gestão

Autor

Redação revista Educação

Publicado em 26/06/2025

Quando uma professora morre em serviço: o que isso tem a ver com você, gestor(a) escolar?

A morte de uma professora por mal súbito em uma escola é o retrato da exaustão dos profissionais da educação

Por Lailson Lima* | Durante uma reunião de trabalho em uma escola pública, uma professora morre após sofrer um mal súbito. Não foi em casa, nem na rua — foi na escola. E a pergunta que precisa ecoar, principalmente entre gestores(as) da rede privada, é: o que isso tem a ver comigo?

Respondo que tudo. Porque o que está em jogo aqui não é um caso isolado. É o retrato de uma realidade que não respeita fronteiras entre o público e o privado: a exaustão dos profissionais da educação. Estamos diante de um alerta profundo sobre como temos conduzido o trabalho docente — com sobrecarga, descuido e uma perigosa normalização do sofrimento e de assédios.

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Diretrizes internacionais: saúde mental no trabalho é um direito humano

Diversas organizações internacionais vêm chamando a atenção para a saúde mental como uma dimensão essencial do trabalho digno. A Organização Mundial da Saúde (OMS), em conjunto com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), publicou em 2022 diretrizes que afirmam: “Ambientes de trabalho psicologicamente seguros não são um luxo, mas uma necessidade — e responsabilidade das instituições”.

A Unesco, principal referência em educação na esfera das Nações Unidas, também tem reiterado que não basta garantir o conteúdo escolar; é preciso garantir a saúde, o bem-estar e a valorização dos educadores.

Em seu Relatório global sobre professores, a Unesco afirma que: “a motivação, o bem-estar e a retenção dos professores estão diretamente ligados às condições de trabalho, ao apoio institucional e às oportunidades de desenvolvimento profissional”.

Isso está diretamente conectado à qualidade da educação e à sustentabilidade dos sistemas escolares.

professora morre

Enquanto naturalizarmos o sofrimento docente como parte da profissão, continuaremos falhando como sociedade (Foto: Shutterstock)

Brasil, NR-1 e os riscos psicossociais no ambiente escolar

A Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), do Ministério do Trabalho e Emprego, obriga as instituições a adotarem um Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO): processo contínuo e sistemático de identificação de perigos, avaliação e controle dos riscos ocupacionais de uma organização, com a finalidade de proporcionar locais de trabalho seguros e saudáveis, prevenir lesões e agravos à saúde relacionados com o trabalho e melhorar o desempenho em segurança e saúde do trabalho nas organizações. 

O GRO deve abranger os riscos que decorrem dos agentes físicos, químicos, biológicos, riscos de acidentes e riscos relacionados aos fatores ergonômicos (NR-17), incluindo os fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho, por exemplo, estresse crônico, burnout, ansiedade, sobrecarga, assédio, baixas recompensas e reconhecimento, eventos violentos ou traumáticos, isolamento, excesso de pressão entre outros.

Isso significa que toda escola, seja pública ou privada, tem responsabilidade legal e ética de prevenir o adoecimento emocional dos seus profissionais. A NR-1 não é opcional: ela é um chamado à gestão consciente e comprometida com a vida.

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Da norma à prática: o que sua escola tem feito?

A pergunta que não quer calar é: como você, gestor ou gestora escolar, está cuidando da saúde mental dos seus professores e professoras?

Criar uma escola emocionalmente segura envolve mais do que um mural no Setembro Amarelo. Envolve:

— Implantar e implementar uma cultura de segurança e saúde no trabalho de forma permanente e com melhoria contínua;

— Implantar políticas, normas e procedimentos para a promoção da prevenção de acidentes, promoção da saúde e bem-estar no ambiente de trabalho.

Fazer a gestão das políticas públicas existentes, por exemplo, o Dia Nacional da Segurança e Saúde no Trabalho nas Escolas — que ocorre em 10 de outubro por conta da Lei nº 12.645 de 2012. Essa lei tem como objetivo aproximar a escola do mundo da segurança e saúde do trabalhador, promovendo atividades e eventos que visem a conscientização sobre a importância da segurança e saúde em ambientes escolares. 

Outro exemplo de umas das pendências de muitas escolas públicas e privadas tem a ver com a Lei nº 13.722, conhecida como Lei Lucas, implementada no Brasil em 4 de outubro de 2018. Esta norma marca um passo significativo para a segurança em ambientes educacionais e recreativos e torna obrigatória a capacitação em primeiros socorros de professores e funcionários, garantindo que as instituições de ensino estejam mais preparadas para lidar com emergências. 

Será que as pessoas de uma escola sabem o que fazer se alguém tem uma parada cardíaca? Será que todos têm memorizado o telefone do Samu, dos bombeiros ou o endereço do hospital mais próximo? As escolas possuem planos de atuação de emergência e realizam simulados?

Para além disso, há urgências como:

— Reestruturar rotinas para respeitar pausas, limites e tempos de recuperação;

— Valorizar o planejamento e reduzir reuniões improdutivas;

— Oferecer acesso real a apoio psicológico e escuta ativa de cada educador;

— Investir em mobiliário ergonômico e infraestrutura adequada;

— Investir em espaços de descanso para os profissionais da educação;

(Descanso é tão importante quanto o trabalho. É preciso pausar para continuar em movimento. É preciso pausar para regenerar as funções mentais — imprescindíveis no desempenho desta função laboral.)

— Cultivar um ambiente institucional acolhedor, onde o medo e o assédio não tenham espaço;

— Mapear procedimentos burocráticos e eliminá-los da rotina;

— Cumprir com a lei e ter canais de denúncia e também jornadas formativas que ampliem o repertório de atuação da liderança, com foco na saúde mental de seus educadores.

Uma professora morreu em serviço. E agora?

Aquela professora não está mais aqui. Mas a escola continua. E com ela, a responsabilidade de todos nós. A morte em serviço de uma educadora precisa ser mais do que uma tragédia lamentada. Precisa ser um marco de mudança.

Enquanto naturalizarmos o sofrimento docente como parte da profissão, continuaremos falhando como sociedade.

Se educar é um ato de amor, cuidar de quem educa é um ato de justiça. Silvaneide Monteiro Andrade, que em paz descanse. Quanto a nós, precisamos agir, rumo à construção de ambientes laborais dignos para cada professor, começando pela formação dos líderes. É urgente assumir os erros cometidos até agora, reparar neles e repará-los.

*Lailson Lima é professor, engenheiro de segurança do trabalho, vice-presidente na Reinventando a Educação e membro da Academia Líderes da Educação – Revista Educação

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