NOTÍCIA
Verticalização curricular instiga estudantes que têm ainda convivência prática empresarial
Por Adriana Amâncio | Desde adolescente, Jorge Terence, 19 anos, morador de São Bernardo, no ABC Paulista, traçou como objetivo escolar sair do ensino médio pronto para o mercado de trabalho. Por essa razão, aderiu à modalidade de ensino Articulação da Formação Profissional Média e Superior (AMS), do Centro Paula Souza, tida como verticalização curricular. A modalidade AMS permite que o estudante conclua, em cinco anos, ensino médio, técnico e o superior tecnólogo. O curto período para o recebimento de três diplomas atraiu Jorge.
Mesmo sendo tradição assumir o pequeno comércio da família, o jovem escolheu seguir carreira própria. Cursou o técnico em Desenvolvimento de Sistemas na Escola Técnica Estadual (ETEC) Jorge Street, em São Caetano, e, agora, está no último ano do tecnólogo em Análise e Desenvolvimento de Sistemas, na Faculdade de Tecnologia São Caetano do Sul – Antonio Russo.
Curso de mecatrônica, incorporado recentemente à grade da formação integrada (Foto: Roberto Sungi)
Para tornar o projeto possível, foi fundamental para o Centro Paula Souza, que é uma autarquia vinculada à Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, adotar a verticalização curricular. Nela, as matérias-base do curso técnico não são repetidas na graduação. Com isso, os estudantes cumprem uma trilha ascendente, avançada por disciplinas inéditas que aprofundam o conhecimento na área escolhida. Trocando em miúdos, hoje, por exemplo, um estudante do curso técnico de Desenvolvimento de Sistemas que decide fazer a AMS, ao ingressar no superior tecnológico de Análise e Desenvolvimento de Sistemas, é dispensado de disciplinas como lógica de programação, que já foi abordada no curso técnico.
O Paula Souza é responsável por administrar as 228 escolas técnicas e 79 faculdades de tecnologia do estado. Deste total, 48 escolas técnicas e 41 faculdades oferecem formação integrada. Há casos nos quais uma mesma faculdade possui parceria com duas escolas técnicas em diferentes cursos.
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Um currículo tridimensional para exercer a mudança
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A formação integrada, aplicada nesse novo modelo, é fruto da parceria entre o Centro Paula Souza e a empresa de tecnologia IBM. Em 2018, a empresa novaiorquina propôs a implementação da metodologia Ipec — formação que permitia ao estudante frequentar disciplinas do ensino superior e ter contato com o ambiente industrial enquanto cursava o ensino médio. A proposta estava sendo experimentada, desde 2011, nos Estados Unidos.
Como a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação brasileira não permite que um estudante frequente disciplinas do ensino superior sem concluir o ensino médio, foi adotado o formato de verticalização do currículo para viabilizar o projeto. Inicialmente, a IBM e a Volkswagen apoiaram a formação.
Jorge Terence conseguiu estágio em uma multinacional (Foto: arquivo pessoal)
Há três meses, o estudante Jorge Terence estagia em uma multinacional. Cumpriu 35 dias de treinamento em linguagens de programação e, agora, integra uma equipe que realiza manutenção de um site de uma rede de universidades dos Estados Unidos. “Tem a rapidez para se formar, acessar mercado de trabalho, sem ter que enfrentar a burocracia do vestibular. Eu estou feliz na AMS”, comemora o jovem que também quer dar aulas no futuro, para isso, pretende cursar mestrado e doutorado.
O diretor do Grupo de Formação e Análises Curriculares na Unidade do Ensino Médio e Técnico do Centro Paula Souza, Hugo Ribeiro, explica que diferente das graduações comuns, que reúnem estudantes com diversos níveis de conhecimento, na AMS “o aluno não começa mais do zero, pois o professor já sabe o que o aluno desenvolveu durante os três anos de ensino médio e técnico. No superior, ele se aprofunda nesse conhecimento”, detalha.
Segundo o gestor, inclusive, a repetição de disciplinas na graduação é um ponto negativo para muitos estudantes. “A gente percebia que era desestimulante para um aluno que já tinha feito um curso técnico começar um curso superior e voltar às matérias já vistas no médio e técnico”, informa.
Criada em 2019, a AMS passa por uma adesão exponencial de jovens estudantes, diz Hugo. No início foram três turmas, já no segundo, passou para seis e, no terceiro, nove. No quarto ano subiu para 12 e no quinto, 15 turmas. Seis anos após a sua criação já são 199 turmas e 7 mil estudantes inscritos.
Aluno se sente desestimulado com curso superior cujas matérias ele teve no médio e técnico, diz Hugo Ribeiro, do Centro Paula Souza (Foto: arquivo pessoal)
Para ascender à graduação, os estudantes precisam cumprir uma carga horária de 200 horas de contextualização profissional, com vivências práticas em empresas parceiras do projeto, e serem aprovados com boas notas. Ágata Cesquim, 19 anos, cursou técnico em Desenvolvimento de Sistemas, na ETEC Jorge Street. Este ano, conclui a graduação em Análise e Desenvolvimento de Sistemas, na mesma faculdade que Jorge. Ela considera uma segurança para o jovem que vem de escola pública ter acesso a um diploma de forma prática.
Ao longo dos cinco anos, os estudantes têm que apresentar três grandes projetos de avaliação de desempenho. Um trabalho de conclusão do curso técnico ao final dos três anos de formação, um projeto integrador 1, ao ingressar na graduação, e, por fim, o projeto integrador 2, no último ano do tecnólogo.
A média de aproveitamento de conclusão nos cursos da AMS é de 50%, o que segundo Hugo “é um bom desempenho para a modalidade de ensino médio” que, “a cada dia enfrenta mais dificuldades de atrair e manter os estudantes engajados com a formação”, observa. O Centro Paula Souza atende estudantes das classes D e E, cujas famílias buscam ensino público de qualidade, detalha Hugo, com base em estudos socioeconômicos realizados pela própria entidade.
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A urgência da valorização docente em tempos de adoecimento coletivo
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Diante de diferentes problemas para reter e, assim, fazer com que as juventudes brasileiras concluam o ensino médio, esse modelo está surtindo efeito. Para se ter uma ideia, dos 120 alunos que iniciaram em 2019 o programa, 102 concluíram o curso de ensino médio com habilitação profissional técnica em Desenvolvimento de Sistemas no final de 2021. Deste total, 89 iniciaram a graduação em Análise e Desenvolvimento de Sistemas, em 2022, e 45 concluíram, em 2023. Isso representa uma taxa de 50% em relação ao total de estudantes que ingressaram na graduação.
O Centro destaca-se nas principais análises de desempenho do ensino. Das 50 melhores escolas públicas municipais com a melhor nota do Enem, 40 são do Centro Paula Souza. No estado, entre as 60 melhores escolas públicas, 37 são escolas técnicas. Em âmbito nacional, das 100 melhores escolas estaduais, 64 escolas técnicas são do Centro. No Enade, os cursos da entidade estão classificados com nota quatro e cinco.
Na categoria leitura do Pisa, alunos das escolas técnicas tiveram nota 515, enquanto a média de países da OCDE é 476 e, no, Brasil 410. Ou seja, as escolas técnicas tiveram média superior à da OCDE e superior ao Brasil. “Hoje, com a AMS, o ensino de qualidade que facilita a formação profissional e acesso ao mercado de trabalho é outro atrativo para esses países”, conclui Hugo.
Ágata Cesquim não se imaginava cursando o ensino superior (Foto: arquivo pessoal)
Sarah Melo, 19 anos, estuda Análise e Desenvolvimento de Sistemas na Fatec Antonio Russo, em São Caetano, curso que deve concluir este ano. “Ter um diploma de graduação aos 20 anos, com possibilidade de concluir outra graduação com menos de 25 anos, é uma vantagem competitiva.”
Ao longo da formação, Sarah conquistou duas oportunidades de trabalho. Atuou como suporte técnico de uma faculdade de tecnologia e, agora, atua como engenheira de dados na Pluxee, empresa de multibenefícios de alimentação e refeição. “Qualquer um pode se tornar uma pessoa em TI. [Só que com essa formação] você entra com 20 anos nesta área sabendo muito mais e com vantagem competitiva muito maior. Então, vejo isso como uma oportunidade em 1 milhão”, conclui Sarah.
Passados seis anos da criação do curso, Hugo afirma que muitos estudantes, justamente por quererem ingressar no mercado de trabalho, precisam ter flexibilidade na troca do turno de estudo. Por isso, o Centro Paula Souza está trabalhando visando criar condições para o estudante migrar para o turno da noite, à medida que adquire uma oportunidade de trabalho.
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