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Políticas Públicas

Autor

Redação revista Educação

Publicado em 08/05/2025

Como evitar um apagão docente no Brasil

‘Mais Professores’, programa do governo federal, contribui com qualificação docente, mas não será suficiente para acabar com possível falta de profissionais no ensino básico

Por Raul Galhardi | Dentro do universo educacional, o professor surge como o pilar fundamental não apenas da sala de aula, mas do desenvolvimento nacional. Mais do que transmitir conhecimento, ele é aquele que desperta curiosidade, forma cidadãos críticos e abre as portas para um futuro mais promissor. De acordo com a Pesquisa sobre a qualidade de professores e aprendizado no Brasil, da Fundação Getulio Vargas (FGV), os professores são o fator intraescolar que mais impacta a aprendizagem dos estudantes. Eles são responsáveis por 65,7% do resultado de aprendizagem no ensino fundamental e 47% no ensino médio. Isso mostra que o docente sozinho é mais relevante do que todas as outras variáveis escolares juntas, como o número de alunos por turma, a escolaridade dos pais e o acesso à internet. O estudo revela também que a importância dos professores se torna ainda maior para crianças com perfil socioeconômico baixo.

“Na educação nada é mais importante e essencial do que professores qualificados e valorizados. E para termos bons professores, a formação, a carreira, a remuneração e as condições de trabalho precisam ser melhoradas”, afirma Cesar Callegari, sociólogo e presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE).

apagão docente

Dados do Inep indicam que há um déficit de professores da educação básica e que o país se encontra na iminência de um ‘apagão docente’ (Foto: Shutterstock)

‘Apagão’ docente

O Brasil tem hoje cerca de 2,4 milhões de professores na educação básica que atendem 47,3 milhões de estudantes, segundo o Censo Escolar da Educação Básica 2023. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) indicam que há um déficit de professores da educação básica e que o país se encontra na iminência de um ‘apagão docente’, com falta de professores com formação adequada em muitas regiões do país. De acordo com uma pesquisa do Instituto Semesp, se nada for feito para reverter esse quadro, o Brasil terá um déficit de 235 mil professores no ano de 2040.

“É fato que vivemos um ‘apagão do magistério’ que pode comprometer qualquer projeto de desenvolvimento econômico e social do país. Para resolver a questão são necessárias formação em tempo integral; bolsas de permanência para estudantes; carreira nacional do magistério; porta de entrada para os melhores profissionais e de saída para aqueles com baixos níveis de desempenho e comprometimento; salários altos capazes de competir com vantagem no mercado de trabalho; e efetiva valorização social da carreira. Países que se destacam no campo educacional fizeram e fazem isso”, explica Callegari.

apagão docente

Cesar Callegari, presidente do Conselho Nacional de Educação (Foto: arquivo pessoal)

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Diante desse cenário, o governo federal lançou em janeiro deste ano o Programa Mais Professores, iniciativa que tem como objetivo fortalecer o quadro docente em municípios com maior carência de profissionais, especialmente em áreas remotas e periféricas. A ideia é atrair e reter educadores qualificados melhorando o ensino por meio de incentivos financeiros e estratégias de valorização da carreira.

A iniciativa é constituída por cinco eixos: seleção para o ingresso na docência, com a criação da Prova Nacional Docente para subsidiar estados, Distrito Federal e municípios nos processos de seleção do magistério; atratividade para as licenciaturas, que cria o ‘Bolsa Pé-de-Meia Licenciaturas’ para fomentar o ingresso, a permanência e a conclusão nos cursos de licenciatura; alocação de professores, com o ‘Bolsa Mais Professores’ para incentivar a atuação em regiões e áreas de conhecimento com falta de professores; formação docente, portal cujo objetivo é melhorar a formação profissional de acordo com o perfil e a necessidade de cada profissional; valorização dos professores, com ações de reconhecimento da importância social dos profissionais, por meio de parcerias estabelecidas com ministérios e órgãos públicos.

“Considerando que a última política criada no sentido de valorizar o professor foi a instituição do piso nacional do magistério público em 2008, estamos há bastante tempo sem nenhuma iniciativa mais expressiva que venha contribuir com essa valorização. Por isso, o anúncio do Mais Professores é acolhido de forma bastante esperançosa porque é uma sinalização no sentido de acordar a sociedade brasileira para o fato de que estamos na iminência de um ‘apagão’ de professores”, defende Alessio Costa Lima, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).

Alessio Costa, presidente da Undime: última política criada para a valorização docente foi em 2008; “Por isso, o anúncio do Mais Professores é acolhido de forma bastante esperançosa” (Foto: arquivo pessoal)

‘Bolsa Mais Professores’

No terceiro eixo do programa está o ‘Bolsa Mais Professores’, que cria um apoio mensal de R$ 2.100, com duração de dois anos, destinado a fomentar o ingresso e a permanência de professores nas redes públicas de ensino da educação básica em localidades e áreas com carência de profissionais. Ao longo desse período, os selecionados para a bolsa deverão fazer um curso de pós-graduação lato sensu em docência para a educação básica.

Apesar de ter sido lançado em janeiro, o programa carece ainda de divulgação adequada. Daniela Soares de Araújo, professora de língua portuguesa da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Manoel de Abreu, localizada no bairro Jardim Noronha, na zona sul de São Paulo, afirma que ela e seus colegas de trabalho ouviram falar sobre a iniciativa, mas não conhecem ainda o programa.

“Li que se trata da contratação de professores para reforço no contraturno, nas áreas de português e matemática. No entanto, até o momento, não houve nenhuma implementação nas escolas da prefeitura. Perguntei a alguns amigos professores, mas ninguém sabe ao certo como funciona”, diz ela.

Ela afirma que, embora a escola onde trabalhe não tenha um ‘déficit’ oficial de docentes, na prática, porém, a realidade é outra. “A escola não enfrenta déficit. O problema é que muitos estão afastados por motivo de doença, licença ou faltas. Fui enviada para a escola como professora substituta, mas, ao chegar, o professor da turma estava afastado. Assim, assumi como regente dos sextos anos. Ele retornou e voltei a atuar como substituta. No entanto, devido à ausência de professores, entro em sala todos os dias.”

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“Nas circunstâncias atuais, penso que o governo brasileiro está fazendo o possível diante de um quadro de fortes restrições orçamentárias e do legado de destruição deixado pelo período anterior”, analisa Callegari, presidente do CNE.

Apesar de avaliar como positiva a ação do governo federal, Alessio, da Undime, acredita que a bolsa, voltada para a questão da pós-graduação, não irá solucionar o ‘apagão’ de professores, porque o problema não reside na falta de professores habilitados em nível de especialização, mestrado ou doutorado.

“O problema está na graduação. Há uma carência de profissionais com formação inicial de graduação no nível superior em licenciatura nos diversos componentes do currículo da educação básica. Portanto, o programa ajuda na qualificação, mas não vai ao cerne do problema da questão do déficit de professores”, afirma o presidente da Undime.

Segundo o dirigente, o ‘Pé-de-Meia Licenciaturas’ seria uma ação que talvez caminhe na direção de contribuir com o fim do déficit porque incentiva e atrai jovens para fazer cursos de licenciatura.

“Está claro, entretanto, que são medidas necessárias, mas não suficientes. É preciso lembrar que estamos em um sistema federativo onde outros atores têm que fazer a sua parte. A formação inicial de professores depende da qualidade dos cursos superiores e das políticas de valorização da carreira cuja responsabilidade direta é dos estados, municípios e escolas privadas. O governo federal e o MEC têm um papel indutor de políticas”, avalia Callegari.

Papel da sociedade civil e empresas

Em relação à importância da sociedade civil no debate, há concordância entre os entrevistados de que ela poderia contribuir muito com iniciativas que visem fortalecer uma cultura de reconhecimento da importância do professor.

“O docente é o agente responsável pela formação das gerações futuras e por assegurar a transmissão do conhecimento técnico-científico. É preciso reconhecê-lo como um profissional associado ao desenvolvimento do país”, defende Alessio Costa Lima, para quem o reconhecimento da sociedade é um elemento que ajuda na valorização da profissão, funcionando também como elemento atrativo.

“Quando você tem uma determinada carreira que, embora não tenha uma remuneração tão alta, possui o reconhecimento social da sua importância, ela já passa a atrair jovens formandos”, explica ele, lembrando que apenas este fator não é suficiente se não existir uma política de valorização da carreira com uma remuneração digna e condizente com o exercício da profissão.

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Callegari lembra que o CNE está se preparando para atualizar as Diretrizes Curriculares dos Cursos de Pedagogia e das demais licenciaturas. Além disso, do ponto de vista da mobilização da sociedade, ele defende a necessidade de se construir redes de colaboração entre universidades, empresas e escolas públicas e privadas, nas quais aqueles com melhores condições e desempenho ajudem as instituições com maiores dificuldades.

“Atualmente, percebo que muitos estudantes sonham em ser youtubers e não enxergam a educação como um meio para adquirir conhecimento e construir um futuro sólido. Além disso, a aprovação automática contribui para a falta de engajamento, já que, independentemente do desempenho, os alunos sabem que passarão de ano”, afirma a professora Daniela.

Na escola em que Daniela Soares é professora substituta, em SP, o problema, segundo ela, é a quantidade de professores afastados (Foto: arquivo pessoal)

Outro ponto de extrema importância tratado como desafio pela professora é o envolvimento das famílias. “Na minha experiência, muitos problemas enfrentados na educação estão ligados ao ambiente familiar. Muitas crianças chegam à escola sem limites bem definidos e, em vários casos, a família tem dificuldade em acompanhar e incentivar os estudos. A ausência dos pais nas reuniões escolares reforça, para algumas crianças, a ideia de que podem agir sem consequências. Ainda há muito a ser feito, mas a parceria entre escola e família continua sendo essencial para fortalecer o compromisso dos alunos com a aprendizagem”, afirma ela.

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