NOTÍCIA
Hoje, talvez um dos maiores obstáculos seja a dificuldade de manter vínculos: entre aluno e professor, entre aluno e escola, entre o jovem e seu projeto de vida. E vínculo exige presença. Exige troca, qualidade e outras relações
Por Valma Souza, diretora do PB Colégio e Curso | Como educadora há mais de 20 anos e mãe de uma criança em idade escolar, posso afirmar que nunca foi tão desafiador — e ao mesmo tempo tão necessário — falar sobre educação com profundidade, responsabilidade e, principalmente, empatia.
Estamos diante de uma geração que cresceu imersa em telas. Celulares, redes sociais, algoritmos e estímulos constantes moldaram o modo como nossos adolescentes se relacionam com o mundo, com o conhecimento e, inclusive, com eles mesmos. Ao mesmo tempo, vivemos um período em que transtornos como ansiedade, depressão e síndrome de burnout não são mais exclusividade do mundo adulto.
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Segundo dados recentes do Ministério da Saúde, os atendimentos relacionados à ansiedade cresceram mais de 3.300% entre adolescentes de 15 a 19 anos na última década. E, pela primeira vez, os índices de ansiedade entre crianças e jovens superaram os dos adultos no Brasil.
Esses números dizem muito. Eles escancaram que nossos jovens estão exaustos, pressionados, sobrecarregados emocionalmente. Em paralelo, professores enfrentam desafios igualmente gigantes: ensinar em salas de aula com múltiplos estímulos, lidar com desatenção, desmotivação, resistência à autoridade e, em muitos casos, com contextos de hostilidade e desvalorização.
No PB Colégio e Curso, lidamos com essas questões de frente. Desde a nossa fundação, optamos por não permitir o uso de celulares em sala de aula nem nos intervalos. Essa decisão não é punitiva, mas pedagógica. Sabemos que a atenção é um bem precioso e finito. E acreditamos que o ambiente de aprendizagem precisa ser protegido para que o ensino aconteça com profundidade e significado.
Vínculo exige presença. Exige troca. Exige tempo de qualidade. Exige relações humanas reais, com afeto, com firmeza, com propósito (Foto: Shutterstock)
A recente sanção da Lei que proíbe o uso de celulares em escolas reforça a importância desse posicionamento, que já faz parte da cultura do PB. Mas a grande questão que se impõe não é apenas a proibição do uso dos aparelhos.
O verdadeiro desafio está em conquistar a atenção dos nossos jovens, em tornar o conteúdo relevante, em construir pontes entre o que está sendo ensinado e o mundo real que eles habitam — dinâmico, volátil, repleto de incertezas e possibilidades.
Como educadora e como mãe, vejo que precisamos de um novo pacto educacional. Um pacto que una famílias, escolas e sociedade em torno de uma mesma causa: preparar os jovens para o futuro, sem esquecer que eles são, hoje, sujeitos em formação, que precisam de acolhimento, orientação, rotina e escuta ativa.
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A educação brasileira enfrenta muitos obstáculos — estruturais, econômicos e sociais. Mas talvez um dos maiores hoje seja a dificuldade de manter vínculos. O vínculo entre aluno e professor, entre aluno e escola, entre o jovem e seu projeto de vida. E vínculo exige presença. Exige troca. Exige tempo de qualidade. Exige relações humanas reais, com afeto, com firmeza, com propósito.
No PB, temos como prioridade não apenas a excelência acadêmica e a preparação para os vestibulares mais concorridos do país, mas também o desenvolvimento da autonomia, da disciplina e da autorresponsabilidade. Não há resultado sustentável sem esforço. Mas também não há esforço possível quando falta sentido.
Por isso, o papel do professor vai muito além do conteúdo programático: ele precisa ser mediador, inspirador, farol. E isso só é possível em um ambiente onde o respeito é a base.
Entendemos que a disciplina é uma aliada da liberdade. Ao contrário do que muitos pensam, impor limites é um gesto de cuidado. O adolescente precisa — e quer — saber até onde pode ir. E nós, adultos, temos a missão de mostrar que o mundo tem regras, mas também tem possibilidades. Que a vida é feita de escolhas, e que cada uma delas traz consequências. E que sim, é possível ser feliz estudando, é possível encontrar propósito mesmo em meio às pressões
A escola não pode ser apenas um lugar de cobrança. Ela precisa ser também um espaço de escuta, de acolhimento e de incentivo. Uma escola que entende que os jovens de hoje vivem sob intensa pressão para escolher uma profissão, para se destacar, para agradar, para dar conta de tudo — e, ao mesmo tempo, lidar com dúvidas, inseguranças e questões internas que nem sempre sabem nomear
Estamos, como sociedade, diante de um paradoxo: nunca tivemos tanta informação disponível, e nunca foi tão difícil manter o foco. Por isso, mais do que nunca, precisamos de uma educação que forme para a vida. Que ensine a pensar, a argumentar, a respeitar. Que valorize a rotina, o silêncio, o esforço contínuo. Que incentive a leitura como hábito transformador. Que forme cidadãos éticos, resilientes e colaborativos
Desejo que possamos resgatar o valor do ensino como ferramenta de transformação social. Que valorizemos os professores que, diariamente, se desdobram para manter viva a chama do aprendizado. Que pais e responsáveis compreendam que educar é tarefa coletiva. E que os jovens saibam que estamos aqui para apoiá-los, guiá-los, fortalecê-los
Educar é, antes de tudo, um ato de fé no futuro. E temos que ter fé em cada um dos nossos alunos. Acreditar que, com disciplina, dedicação e apoio emocional, eles podem chegar onde quiserem. E estaremos ao lado deles — como professores, mentores e também como quem entende, de dentro para fora, que aprender é um caminho que se faz todos os dias.
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