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Autor

Luciana Alvarez

Publicado em 15/04/2025

Diferenças do autismo em meninas atrasa diagnóstico

Em média, diagnóstico acontece três anos mais tarde do que no TEA masculino

O diagnóstico de autismo é mais comum entre os meninos do que entre as meninas, mas até hoje se discute no meio científico o quanto dessa diferença está ligada à genética e o quanto se deve a um aspecto cultural da sociedade. Provavelmente, há um pouco dos dois. 

Embora se acredite que a prevalência real entre homens seja maior, quem trabalha diretamente com crianças autistas sabe que diferentes expectativas sociais provocam atrasos na identificação do transtorno nas garotas, e nos casos mais leves, talvez elas passem a vida inteira sem saber. 

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“Em certas culturas, uma menina que não mantém contato visual, que não fala com os outros a não ser que falem com ela, é algo não só aceitável, como até desejável”, diz o médico Carlos Gadia, professor aposentado de neurologia da escola de Medicina da Universidade de Miami. Em compensação, um menino muito quieto, que fica só no seu canto, logo desperta sinais de alerta entre os cuidadores, explicou o médico. Carlos palestrou no Congresso Europeu de Autismo 2025, em Lisboa, em 12 de abril. 

Mas se o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é de fato mais prevalente entre os homens, por que deveríamos nos aprofundar no autismo feminino? “Porque, historicamente, as meninas e mulheres autistas têm sido invisibilizadas”, defende a neuropediatra Deborah Kerches, especialista em autismo, durante sua palestra no evento europeu. E ainda porque hoje já se reconhece que o autismo se manifesta de forma diferente entre os gêneros.

Compreensão do autismo entre as meninas e mulheres é uma necessidade urgente, diz Deborah Kerches (Foto: divulgação)

Diagnóstico tardio

Deborah explica que faltam estudos sobre as especificidades do autismo feminino, mas que não se pode esperar por eles sem fazer nada. Sobretudo quando é o TEA de nível de suporte 1, o tipo de autismo ‘mais leve’, o diagnóstico tem sido tardio entre as meninas e mulheres; em média acontece três anos mais tarde do que no TEA masculino. 

“Nossas adolescentes e mulheres vivem anos de desafios sem compreensão clara da sua condição. Isso leva a mais isolamento social e comorbidades psiquiátricas”, afirma a médica Deborah Kerches.

Para evitar que as meninas autistas sejam ‘esquecidas’, é preciso dar mais informações a professores e sociedade de forma geral, para que identifiquem sinais de alerta e possam encaminhá-las a especialistas o quanto antes. “As manifestações costumam ser mais sutis em meninas. Elas não costumam se esquivar de brincadeiras em grupo, mas o adulto precisa perceber se elas estão apenas junto fisicamente, ou estão mesmo compartilhando as brincadeiras, fazendo trocas”, sugere Débora. 

Outro ponto importante é que elas podem até olhar nos olhos de um interlocutor, mas têm dificuldade na habilidade de triangular, ou seja, trocar os olhos entre pessoas quando há uma interação em grupo. 

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De forma geral, pessoas com autismo usam um mecanismo chamado de ‘mascaramento’, em que tentam copiar os que as outras pessoas estão fazendo, mesmo sem entender muito bem os motivos, numa tentativa de se encaixar na sociedade neurotípica. Entre as meninas, o mascaramento tende a ser mais forte, e pode até provocar comportamentos opostos ao que as pessoas esperam normalmente de quem tem TEA. 

“Muitas delas fazem carinhos em excesso. Abraçam demais, apertam forte demais, mas se olhar com atenção, o adulto vai ver que algo está inadequado socialmente”, explica a médica.   

Uma característica que também embaralha os sinais esperados é o fato de a maioria das meninas com TEA não apresentarem atraso no desenvolvimento geral da linguagem, mas somente alterações na prosódia.

“Podem falar de maneira muito acelerada, sem entonações, com um discurso muito fragmentado, sem percepções sociais, o que dificulta comunicação recíproca. Podem falar num volume extremamente baixo ou ter mutismo seletivo, ou seja, deixar de falar em certas situações sociais”, exemplifica a especialista.

autismo em meninas

Congresso Europeu de Autismo 2025 aconteceu em Lisboa, em 12 de abril (Foto: Luciana Alvarez)

Fases da vida

Conforme vão crescendo, as meninas com TEA enfrentam desafios específicos por causa da menstruação. É comum que o período antes de menstruação seja especialmente desafiador por causa de dores e irritação, mas a própria menstruação, por causa do odor, da textura do sangramento e do absorvente, também tem um potencial bastante estressante para elas. 

Se a vida sexual, por envolver carinho e intimidade, tende a ser difícil para grande parte dos autistas, para o gênero feminino e pessoas não binárias, essa dificuldade expõe o indivíduo a comportamentos de risco. “Há dificuldade na comunicação para que estabeleçam consensos com seus parceiros e parceiras, o que as deixa em maior vulnerabilidade a comportamentos abusivos”, alerta Deborah.  Pesquisas indicam que grande parte das mulheres autistas adultas sofreram violência sexual ao longo da vida. O caminho para evitar que isso continue acontecendo passa não só pelo diagnóstico do autismo, mas também pela educação sexual desde cedo. 

“A compreensão do autismo entre as meninas e mulheres é uma necessidade urgente, para elas serem reconhecidas, acolhidas e apoiadas para, assim, viverem de maneira plena”, diz Deborah.

Contexto global

Oficialmente, o autismo foi diagnosticado pela primeira vez em 1943, pelo psiquiatra Leo Kanner. Desde então, o transtorno tem sido bastante estudado, mas ainda há um longo caminho para se conseguir entender completamente suas causas e mecanismos e, sobretudo, mais desafios para oferecer bons diagnósticos e tratamentos para todos e todas. 

Porém, em alguns aspectos, o mundo parece estar à beira de retrocessos. “O departamento de saúde atual dos EUA anunciou que prepara um relatório sobre o autismo e ‘quase com certeza’ vai vir apontando que a culpa é das vacinas. Tempos negros virão”, afirma o médico Gadia. Vale destacar que há estudos científicos robustos que descartam qualquer relação entre TEA e vacinas.

Para Gadia, uma mobilização ainda maior das famílias de autistas vai ser essencial para barrar tentativas de se negar a ciência. “Tudo de bom que aconteceu de positivo até aqui (no diagnóstico e tratamento do autismo) foi porque as famílias se uniram e tentaram fazer algo a respeito”, diz.

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