COLUNISTAS

Colunista

Instituto Ayrton Senna

Artigos escritos por pesquisadores do laboratório de ciências para educação do Instituto Ayrton Senna (eduLab21)

Publicado em 24/02/2025

Aprender a aprender: dicas práticas que unem ciência e experiência

Juntas, vivência em sala de aula com evidências da ciência educacional auxiliam o(a) educador(a) a empregar métodos eficazes para a aprendizagem

Por Gisele Alves*, gerente executiva do eduLab21 | Série – Saindo do senso comum — capítulo 4: Com frequência, debates contrapõem o valor científico de uma proposta à experiência de quem a aplica. Mas será que essa aparente tensão é realmente necessária? Convido você a refletir sobre essa questão a partir de um caso fictício, sob a perspectiva de um educador.

Thiago, professor com mais de 20 anos de experiência, percebeu que alguns de seus alunos parecem aprender melhor quando expostos a conteúdos auditivos, como explicações orais. Com base nessa observação, ele concluiu que esses estudantes têm um ‘estilo de aprendizagem auditivo’ e que, para otimizar seu ensino, deveria priorizar esse formato

————————————————

Leia também

Série Saindo do Senso Comum

Lidando com frustrações: um olhar sensível para resultados de avaliações educacionais

Entendendo a ansiedade durante avaliações educacionais

————————————————

Mas, até que ponto essa conclusão se sustenta? Outros professores fizeram observações semelhantes? Essa regra é universal, ou seja, se aplica a todos os estudantes e em todos os contextos? Há outros fatores envolvidos no aprendizado que podem estar sendo ignorados?

A teoria dos estilos de aprendizagem, amplamente difundida na educação, propõe que cada aluno aprende melhor quando recebe informações de acordo com sua preferência sensorial — visual (vendo), auditiva (ouvindo) ou cinestésica (aprendendo com o movimento). No entanto, diversos estudos científicos testaram essa ideia de forma sistemática e verificaram que não há ganhos significativos de aprendizagem ou melhoria de desempenho quando se ensina com base em um suposto estilo. 

Em vez disso, essas pesquisas mostram que o aprendizado requer múltiplos sentidos simultaneamente — e até mesmo estudantes que se identificam como ‘auditivos’ podem se beneficiar de explicações visuais, por exemplo.

 

ciência e experiência

Integração entre conhecimento científico e vivência pedagógica é essencial para transformar boas ideias em mudanças reais e positivas na educação (Foto: Shutterstock)

Seres humanos diversos pedem diferentes métodos

Mais do que focar em preferências individuais, diferentes experimentos demonstraram o que muitos professores também já observavam e teorizavam em sua prática de ensino: todos os estudantes aprendem melhor quando expostos a uma combinação de métodos, como o ensino estruturado (structured teaching) e a prática espaçada (spaced repetition). 

O ensino estruturado organiza o conteúdo de forma clara e progressiva — do simples ao complexo —, utilizando explicações diretas, exemplos concretos e prática guiada, com feedbacks imediatos, reduzindo a carga cognitiva e aumentando a eficiência do aprendizado. Já a prática espaçada distribui o estudo ao longo do tempo, com revisões periódicas e realizadas em intervalos crescentes e com esforço ativo na recuperação das informações, fortalecendo a retenção da informação e evitando a sobrecarga.

Ao se deparar com essas informações, Thiago poderia reagir com ceticismo: “Mas os estudos têm limitações. Prefiro confiar na minha experiência”. E ele tem razão em um ponto crucial: nenhuma pesquisa é livre de limitações, e sua vivência em sala de aula lhe proporciona um repertório valioso de observações. 

————————————————

Leia também

Desafios e oportunidades da lei que proíbe o uso de celulares nas escolas

Uma pedagogia com humanidade

————————————————

Além disso, muitas práticas pedagógicas surgiram intuitivamente e apenas mais tarde foram testadas cientificamente — algumas se confirmaram eficazes, outras não. Da mesma forma, há também práticas derivadas de estudos científicos cujas conclusões não se aplicam a todos os contextos. É exatamente por isso que o diálogo entre experiências cotidianas e evidências científicas é indispensável.

A ciência educacional busca minimizar vieses e garantir que decisões pedagógicas sejam fundamentadas em dados confiáveis, evitando que práticas ineficazes — ainda que bem-intencionadas — sejam adotadas e perpetuadas apenas com base em percepções individuais e potencialmente causando prejuízos a estudantes e educadores. 

Empregando métodos apropriados, controlando variáveis e analisando grandes amostras com representatividade adequada, os estudos reduzem a influência de fatores subjetivos e permitem uma melhor generalização dos resultados para embasar políticas públicas e aprimorar o ensino. Nesse contexto, o letramento científico dos educadores torna-se indispensável, possibilitando a adequada interpretação e tradução dos achados da pesquisa em estratégias pedagógicas fundamentadas.

Ações pedagógicas integradas

Mas, afinal, isso significa que Thiago deve ignorar sua percepção sobre os estudantes que parecem aprender melhor com explicações orais? De maneira alguma. A questão não é negar que estudantes tenham preferências, mas entender que essas preferências não determinam a eficácia do aprendizado e podem ser integradas às ações pedagógicas planejadas para a turma. Assim, ele pode — e deve — diversificar suas abordagens, integrando diferentes formas de apresentação do conteúdo sem cair no mito dos estilos de aprendizagem.

Em vez de restringir os estudantes a um único modo de ensino, Thiago pode oferecer oportunidades diversificadas de interação com o conhecimento. Por exemplo, ao abordar um conteúdo, pode explicá-lo verbalmente (auditivo), apresentar diagramas ou mapas conceituais (visual) e propor atividades práticas progressivas (cinestésico) — tudo dentro de um ensino estruturado. 

Na hora da revisão, pode incentivar a recuperação do conteúdo com estratégias como discussão em grupo (auditivo), resumos ou flashcards (visual) e resolução de problemas (cinestésico) — aplicando, assim, a prática espaçada.

————————————————

Leia também

Charles Fadel, da OCDE: países devem apoiar docentes em um redesenho curricular que dê espaço à adaptabilidade

Direção escolar: um turbilhão também passou por aqui

————————————————

Essa abordagem amplia as chances de aprendizado porque não limita os estudantes a um único estilo, mas expande suas capacidades cognitivas ao favorecer múltiplas formas de acesso e processamento da informação. Além disso, estudos indicam que a combinação de estímulos sensoriais fortalece as conexões neurais e favorece a retenção. 

Ainda, dependendo do conteúdo, um canal pode ser mais relevante que outro: geografia e geometria, por exemplo, podem se beneficiar bastante de recursos visuais, enquanto trabalhos manuais em artes exigiriam mais experiências cinestésicas.

Ao integrar ensino estruturado e prática espaçada com abordagens variadas, Thiago alia sua experiência à ciência, tornando suas aulas mais acessíveis e eficazes para todos. Isso mostra que o debate não deve ser sobre o que tem mais valor — experiência ou evidência — mas sim sobre como ambos podem se complementar para promover o aprendizado. 

Essa mesma lógica se aplica à formulação de políticas públicas: para serem eficazes, elas precisam ser fundamentadas em informações confiáveis e generalizáveis, sem ignorar as particularidades dos contextos em que serão implementadas.

Quando construídas dessa forma, as políticas não apenas ganham em eficácia, mas também se tornam mais humanas e suas práticas adequadas às realidades locais. A ciência fornece uma base sólida e verificável, enquanto a experiência do dia a dia adiciona contexto e nuance às decisões. Essa integração entre conhecimento científico e vivência pedagógica é essencial para transformar boas ideias em mudanças reais e positivas na educação. Como Paulo Freire nos lembra: “Não há saber mais ou saber menos — há saberes diferentes.”

Para explorar mais

Brown, P., Roediger III, H. L., & McDaniel, M. A. (2018). Fixe o conhecimento: a ciência da aprendizagem bem-sucedida. Penso.

Evans, P., & Martin, A. J. (2023). Explicit instruction. In Oxford handbook of education. https://doi.org/10.1093/oxfordhb/9780199841332.013.53

Narkhede, K., Patil, R., Kasat, A., Gawas, A., & More, P. (2024). Unveiling the art of effective learning through spaced repetition and evidence-based techniques. In 2024 IEEE International Conference on Contemporary Computing and Communications (InC4) (pp. 1–6). IEEE. https://doi.org/10.1109/inc460750.2024.10649261

 

*Gisele Alves é gerente executiva do Laboratório de Ciências para a Educação (eduLab21) do Instituto Ayrton Senna. Chairholder da Cátedra Unesco de Educação e desenvolvimento humano na mesma instituição. Psicóloga, mestre em psicologia com ênfase em avaliação psicológica pela Universidade São Francisco. Consultora em avaliação psicológica, construção de instrumentos, adaptações transculturais e treinamento na área de avaliação psicológica.

——

Revista Educação: referência há 30 anos em reportagens jornalísticas e artigos exclusivos para profissionais da educação básica

——

Escute nosso podcast

 


Leia mais

transformar-educacao

Inspirar para transformar

+ Mais Informações
Side,View,At,Diverse,Group,Of,Children,Sitting,In,Row

Proibição dos aparelhos celulares não pode impedir a inserção da...

+ Mais Informações
Elementary,School,Kids,And,Teacher,Sit,Cross,Legged,On,Floor

Aprender a aprender: dicas práticas que unem ciência e experiência

+ Mais Informações
Learning,,Smiling,And,Creative,Young,Girl,Drawing,With,A,Colorful

Entre traços e tecnologias, o poder da escrita manual

+ Mais Informações

Mapa do Site