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José Pacheco

Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)

Publicado em 06/02/2025

Darcy Ribeiro: muito se teorizava e quase nada se praticava

Políticos o celebravam em comícios e festanças, enquanto a memória de Darcy agonizava nas salas de aula instrucionistas

Fidelândia, 22 de novembro de 2044 | A vida de Darcy Ribeiro foi um contínuo ato de amor…e de coragem. Enfrentou uma ‘crise’, denunciou um ‘projeto’. Não se conformou — se indignou.

Quase três décadas decorridas sobre o seu desaparecimento, o seu legado era objeto de apropriação e deturpação — muito se teorizava e quase nada se praticava.

Em tempo de eleições, políticos oportunistas e de baixo estofo moral evocavam o seu nome e obra. Eleitos, não praticavam Darcy. Nas universidades, em congressos, formações, não faltava quem usasse e abusasse da memória do mestre. Eram darcynianos não praticantes, áulicos operando a segunda morte de Darcy — a morte da memória. Na política, na universidade, no chão das escolas, era escasso o número daqueles que o celebravam condignamente, honrando a memória, praticando Darcy.

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Ao longo do século 20, o Brasil foi pródigo em fazedores de boa educação. E um português ilustre se juntou a uma plêiade de sábios, ignorada pelos brasileiros. Entre eles, o mestre Agostinho, para quem mais importante do que educar, seria evitar que os seres humanos se deseducassem, pois “cada pessoa que nasce deve ser orientada para não desanimar com o mundo que encontra à volta”.

Esta asserção aplicava-se plenamente aos tenebrosos tempos vividos por volta de 2024. Políticos celebravam a memória de Darcy em comícios e festanças, enquanto a memória de Darcy agonizava nas salas de aula instrucionistas. Palestrantes enriqueciam debitando frases de Darcy em palestras de Power Point e saliva, traindo Darcy nas salas de aula da universidade.

Agostinho acreditava sermos capazes de reencontrar o que em nós é extraordinário para transformar o mundo. E agiu em coerência com as suas convicções. Ajudou a criar universidades, tertúlias, institutos. Traduziu para a língua brasileira a obra de Montessori e de outros escolanovistas, ousou a ruptura com o instrucionismo, gesto poético de quem aprendeu a arte de colocar o sonho em ato.

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Debaixo de uma mangueira próxima da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, escrevia poemas, que distribuía por alunos, professores e candangos. E, quando propôs que se trocasse o lema “ordem e progresso” por “liberdade e desenvolvimento”, sofreu as consequências da sua civil desobediência e coerência.

Agostinho amou e celebrou, viveu como um franciscano, porque sabia que nascemos para criar e que a vida deve ser gratuita. Quando puderdes, lede o Manifesto lançado por educadores para quem Agostinho continuava a ser inspiração, educadores que não deixaram morrer a criança grande que os habitava, que perceberam o significado da entronização da criança na Festa do Divino, objeto de muitas de agostinianas reflexões.

Etimologicamente, a palavra crise — do grego Krisis — designa um momento crítico. Após 40 anos da despedida brasileira de Agostinho, a educação daquela que foi a sua segunda pátria continuava imersa numa crise de séculos, com a educação à deriva, pois quem a poderia transformar não tinha poder e quem tinha poder não a transformava.

Agostinho partiu de Brasília para Portugal, quando a ditadura destruiu o projeto da faculdade sonhada para Brasília, quando a “pátria mãe andava distraída em tenebrosas transações” e a ditadura levava Darcy ao exílio. Com Darcy, na Brasília do início dos anos 60, fundou um Instituto de Letras e concebeu um projeto de universidade.

Agostinho lançou sementes de mudança na educação, no reconhecimento de que não existe alternativa à concretização de utopias. E novas utopias se anunciaram, no dealbar de 25.

Darcy Ribeiro

A vida de Darcy Ribeiro foi um contínuo ato de amor…e de coragem (Foto: Celio Azevedo/Senado Federal)

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