NOTÍCIA
A pedagogia monodisciplinar começa a perder força frente à aprendizagem que dialoga com diferentes áreas; mas para isso de fato gerar efeito, docentes devem estar preparados
Por Cristine Conforti, diretora do Programa Brasileiro da Avenues São Paulo: A dúvida de uma professora experiente no ensino médio sobre a questão 78 da Fuvest — “As alternativas fogem ao que esperamos na matemática” — ilustra um impasse fundamental da pedagogia monodisciplinar. Essa guinada, promovida por um dos vestibulares mais tradicionais do país, reflete as transformações em curso tanto na universidade quanto no ensino médio, entre elas, a interdisciplinaridade.
As mudanças aprovadas pelo governo federal recebem aplausos, questionamentos e sugestões. A rigor, o novo ensino médio foi regulamentado em 2017, e as recentes mudanças constituem adaptações na distribuição da carga horária curricular. A essência dessas duas etapas de reforma educacional permanece a mesma: ou a escola dialoga com a dinâmica planetária que suspendeu as certezas, rompeu paradigmas e implodiu o pensamento moderno, ou deixa de existir como formadora de sujeitos e cidadãos livres.
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O objetivo nuclear dessa reforma é alinhar a educação ao acelerado desenvolvimento científico-tecnológico e às visões e ações socioambientais e formas diversas de estar no mundo.
O que se denomina ‘novo’ no ensino médio corre o risco de prescrever; mas mesmo em atraso, representa uma transformação na estrutura educacional brasileira e uma resposta à necessidade de modernizar um sistema engessado, convergindo ensino e aprendizagem às expectativas dos estudantes e às urgências do organismo social.
No cerne dessa mudança está a flexibilidade curricular, que permite aos alunos escolher áreas de concentração conforme seus interesses e objetivos, personalizando a trajetória de aprendizado. Essa visão reconhece que, não obstante o caráter coletivo da escolaridade, cada estudante é único e precisa de um quadro curricular que reflita suas aspirações.
Interdisciplinaridade no ensino médio: é possível integrar temas curriculares a problemas reais e suas soluções (Foto: Shutterstock)
Também é crucial o enfoque interdisciplinar, que possibilita integrar temas curriculares a problemas reais e suas soluções; por exemplo, estudar mudanças climáticas integrando matemática, biologia e políticas públicas torna o aprendizado vívido e aplicável. Dentro e fora da escola, abordagens interdisciplinares avançam tanto na pesquisa científica quanto em análise de conflitos.
O reducionismo disciplinar artificializa a compreensão dos fenômenos naturais e sociais em seu contexto holístico. Nesse sentido, o novo ensino médio finalmente nos autoriza a circular pelas varandas de uma ‘educação renascentista’, fechando pouco a pouco cada porta dos liceus inflexíveis das duas primeiras revoluções industriais.
Outro pilar do modelo é a centralidade do aluno. A ênfase na participação ativa e resolução de problemas visa apurar o pensamento crítico. Tecnologias educacionais, como realidade aumentada e inteligência artificial, são coadjuvantes nesse cenário, personalizando o aprendizado e tornando-o mais envolvente.
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No entanto, a implementação do novo ensino médio enfrenta desafios. É preciso dedicar tempo e oferecer formação aos atores centrais de qualquer mudança educacional — professores — que necessitam da confiança de seus gestores e do apreço da sociedade por sua profissão.
Formação docente inclui oportunidade de criar, opinar e aprender. Uma experiência interdisciplinar não é tarefa fácil para quem tem formação monodisciplinar e pressupõe reuniões de planejamento multidisciplinar. Há carência de material didático para projetos desse tipo, e as provas do Enem e de vestibulares têm se constituído o principal acervo para os professores.
O ensino médio é uma fase educacional que vem depois de 10 anos de escolaridade.
Não existe novo ensino médio sem novo ensino fundamental. Isso significa que as reformas educacionais são extensivas, e não nucleares.
Uma concepção pedagógica transformadora começa mais cedo. Por exemplo, o estudo de uma usina hidroelétrica integra de forma contextualizada conteúdos básicos de biologia, física e química, em diferentes níveis de aprofundamento, das séries iniciais ao final do fundamental.
Aos gestores escolares compete flexibilizar programação, introduzir eletivas, repensar a avaliação, substituir provas por portfólios e projetos, e incentivar a criatividade de professores e estudantes.
Até mesmo a colaboração com o setor privado pode inspirar projetos, superar barreiras financeiras e viabilizar mudanças estruturais. Se implementadas com coragem e consistência, as mudanças do ensino médio podem tornar a educação brasileira mais inclusiva e alinhada aos desafios do século 21. Ao incluir a realidade que circunda a escola, um novo currículo se faz permeável ao tempo presente e corajosamente intercede em favor da sociedade futura.
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