NOTÍCIA
Para isso, precisamos fugir de currículos que incentivem a concorrência e a individualidade
Por Ana Silvia Rodrigues*: A escola é a grande bússola social a nos guiar neste trajeto rumo à integridade das relações e à defesa dos interesses comuns. Para o professor Bernard Charlot, “aprender é entrar no mundo humano e nele produzir-se como sendo humano”**.
A educação tem o papel de nos humanizar, no contato com o outro. Usaremos como ferramenta o espaço e o tempo escolar que oferta demandas do cuidado, da participação coletiva e da possibilidade de nos questionar: que elementos são capazes de preservar a convivência e prosperar?
Diferenciar o individual e familiar daquilo que é do grupo social, na escola, é o primeiro trabalho, e para isso contamos com dinâmicas que seguem por tempos de reflexão e desaceleração, apoio emocional, consciência cultural, inclusão e inovação, formação profissional e integração comunidade e escola, temas geradores deste espaço único.
Para continuarmos a evoluir precisamos substituir a lógica de ‘seguir em frente a qualquer custo’ pela lógica do seguir juntos, um conceito centrado no benefício mútuo e na ampliação da generosidade, na contramão do egoísmo, do consumismo e da ganância.
Contudo, se viver é unir esforços para o bem comum, o que dizer dos currículos educacionais que não privilegiam esta condição e incentivam a concorrência e a individualidade?
Como o projeto educativo pode transformar a vida de uma criança ou adolescente com quaisquer carências, sociais, emocionais ou físicas? O que nos compete como educadores que pensam o mundo em que vivemos? Quais são as nossas inquietações? Para não agir como o predador que sobrevive abandonando os mais fracos, precisamos formular perguntas: por que isto é tão importante?
Nossas crianças estão silenciadas pelas telas que marcam incessantemente os valores desta sociedade adoecida. São tomadas por projeções narcísicas e por pensamentos onipotentes, que imaginam responder a tudo. São pressionadas por altas expectativas, afetadas pelo isolamento virtual e pela falta de redes de apoio e proteção. Portanto, sem as comunidades que se ajudam, estão abandonadas. Poderíamos condensar várias destas e outras questões que atravessam o universo infantil, questões complexas relativas ao crescimento das crianças, mas esta breve lista talvez já seja suficiente para entender que sua reação a tudo isso tem sido descarregar.
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Quando falamos de contenção, fronteira, borda, limites ou parâmetros, precisamos falar de cuidado. No entanto, o que vemos é a falta de cuidados e o aumento da excitabilidade das crianças por seu excesso de tarefas, pois se intui que elas são as “apostas futuras” de suas famílias, o que impõe a elas períodos de desligamentos e desatenções.
A maioria dos laudos de crianças que apresentam transtornos emocionais ou cognitivos — as chamadas crianças “atípicas” — dizem respeito a forças pulsionais intensas com as quais as crianças e os adolescentes não conseguem lidar. Elas não são capazes de dar conta dos desafios propostos pela vida e pelas exigências deste crescimento em desordem. Os pais se acalmam quando se deparam com o nome “diagnóstico”, e mais ainda se souberem que há uma medicalização que pode curá-lo.
Conseguir responder às demandas que chegam a eles os fortalece. Ajudá-los a resolver seus problemas, escutando-os, os fortalece. Sermos conciliadores e darmos amparo às suas relações pessoais, os fortalece. Buscar a subjetividade e a singularidade de cada um, elevando os níveis de atenção e cuidado, os fortalece.
Portanto, em um projeto pedagógico, as questões evolutivas da pessoa e sua humanidade não podem se distanciar de seu crescimento cognitivo e da aquisição de habilidades e competências acadêmicas. Suas capacidades estão contidas nas experiências sensoriais e emocionais que precisam ser vivenciadas socialmente. Se não oportunizarmos isso às crianças, seus registros serão de escassez na escuta, no envolvimento, nas experiências e nas expressões, o que irá impactar no momento da alfabetização, porque é este o instante em que a linguagem quer entrar e se fazer presente
Essa metodologia do cuidado e da atenção aos passos evolutivos da criança é uma ferramenta que busca a subjetivação e a autonomia para a livre expressão. Pois sair do eixo “transmissão, memorização e repetição” os fortalece.
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A experiência pessoal em um ambiente escolar possibilita observar e conviver com as diferenças, conhecer novos modos de se relacionar e criar representações do mundo para si, distante das projeções prontas. É uma tarefa clara aos educadores: diminuir a distância entre o desejo e a realidade possível a cada um. Este é um aprendizado longo e de muita negociação, que deve começar com a criança em um projeto pedagógico que privilegia a arte, a literatura e os saberes como possibilidades para perguntar e se tornar criativa.
É preciso renunciar aos desejos, ou seja, deixar o outro ser livre renunciando ao controle. E para quê? Para que as crianças tenham escolha. Se formos tomados pelos impulsos narcísicos e perfeccionistas e desconsiderarmos a negociação como possibilidade de inclusão, estaremos destinados à repetição. O que pode mediar a passagem para um pensamento reflexivo, sem a angústia do abandono, se não a continência?
O que vemos na tela todos os dias é a explosão do autoritarismo, vítimas dos espelhos refletidos em um mundo invertido, onde as saídas são pequenas. Por isso, é cada vez mais importante acertarmos na busca pela união de análises multidisciplinares norteadas pelas propostas coletivas. Assim, escutaremos suas vozes e mapearemos um caminho comum.
Nesta perspectiva, a educação pode ser o guia para os pactos que precisaremos fazer por meio do conhecimento e do respeito às pessoas. Estes temas podem nos remeter a uma sensação de vulnerabilidade do presente e incertezas do futuro. E é por isso que a educação tem papel fundamental a desempenhar, unindo diferenças e buscando consensos e diálogos. Um mundo que se apresenta dicotômico é bélico, excludente e não garante a pluralidade do pensamento na formação humana. Estes são desafios reais para as escolas, e é nossa tarefa elaborar um projeto pedagógico humano no qual caibam todos.
*Ana Silvia Rodrigues é pedagoga, orientadora de carreiras e coordenadora pedagógica geral dos colégios da Rede Alix.
**Saiba mais em https://grupoeducon.com/revista/index.php/revista/article/view/1767
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