NOTÍCIA
Concurso unificado para contratar docentes, tendo o Enade das licenciaturas como prova, instiga professoras, ex-ministro e uma das criadoras do Enem ouvidos nesta reportagem
*Por Adriana Amâncio: O setor da educação aguarda mais informações sobre o concurso unificado para professor e professora, anunciado em 30 de outubro a jornalistas pelo ministro da Educação, Camilo Santana. Segundo o ministro, a divulgação oficial será ainda em novembro, junto a um pacote de valorização docente que inclui também o ‘Pé-de-meia’ das licenciaturas — bolsa financeira de pelo menos 500 reais mensais para quem prestar a área já ano que vem, inclusive, com a nota do Enem 2024 — e outras iniciativas.
O pouco que se sabe é que o concurso unificado, também intitulado pelo secretário-executivo do Ministério da Educação (MEC), Leonardo Barchini, como exame nacional, será por adesão das redes municipais e estaduais e que deve ser implementado por meio da prova do Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) das licenciaturas — esse último divulgado em julho pelo MEC e o Inep, o qual visa medir a qualidade dos cursos de licenciatura, com o propósito de implementar mudanças para aperfeiçoar a formação, refletindo na qualidade da educação básica.
Ouvimos especialistas sobre a expectativa em relação ao concurso unificado para professor, entre eles, Cristovam Buarque, ministro da Educação (2003-2004) do governo Lula 1, que diz sentir-se “contemplado com o anúncio feito pelo atual ministro da Educação, Camilo Santana”. Em agosto deste ano, Buarque sugeriu em sua coluna Aos mestres com carinho, na revista Veja, um ‘Enem dos Professores’. No artigo, ele sugere ao governo federal assumir a responsabilidade pela criação de um “piso de conhecimento para os professores da etapa básica”. Atualmente, os critérios para essa escolha ficam a cargo dos estados e municípios.
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Concurso unificado para professor será anunciado em novembro pelo MEC e presidente Lula
Entenda o que é o Enade das licenciaturas
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Assim que soube do concurso unificado, Buarque afirmou à repórter: “creio que [o concurso unificado] é uma boa medida e vai ajudar a defender um piso de conhecimento do professor”, observa. Cristovam Buarque lembra que, quando era ministro, sugeriu um Certificado Nacional, que atestaria um nível de qualificação e garantiria um adicional ao salário de cada professor que o obtivesse. “Lamentavelmente eu saí do ministério, vieram outros ministros tanto no governo Lula 2 como da Dilma e nenhum deles se interessou.”
O pesquisador considera a educação básica uma das etapas mais relevantes da educação, por isso, defende um próximo passo para fortalecer os educadores que atuam nesta etapa de ensino. “A carreira dos professores da educação básica deve ser uma carreira federal, deve ter o mesmo investimento que as universidade e os Institutos Federais têm. Defendo isso porque os municípios são pobres, não podem pagar por isso. O próximo passo, agora, deve ser um piso federal para os professores da etapa básica”, instiga.
Em Recife, Pernambuco, a professora de química Meydja Ferreira, 33 anos, aguarda mais detalhes sobre o Enade das licenciaturas. Ela, que dá aula no ensino médio, concluiu sua licenciatura em 2013 e desde então presta concurso público, pois busca ser admitida pela rede estadual de ensino. Meydja evita concursos para a rede municipal de educação, segundo ela por ser competitivo. “As escolas municipais não costumam abrir muitas vagas na área de química, já as do estado disponibilizam mais”, diz.
Meydja Ferreira participou de dois concursos, mas não foi admitida em nenhum. Desde 2021, leciona em regime de contrato na Escola Rosa Magalhães de Melo, que fica no bairro Dois Unidos, na zona norte do Recife. Para ela, o concurso unificado é uma esperança de conquistar a tão sonhada estabilidade profissional. “Se o concurso unificado for mais frequente, pode ajudar. Os concursos estaduais ocorrem em intervalos longos. Agora, será que vão criar um piso federal unificado?”, questiona. “Pois nem todos os estados pagam o piso”, especula.
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Estudante que usar Enem 2024 para prestar licenciatura poderá receber bolsa de pelo menos 500 reais
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Sandra Santos, 50 anos, do bairro Passarinho, na zona norte do Recife, concluiu o curso de pedagogia em 2015, e atua como Agente de Apoio do Desenvolvimento Escolar Especial com crianças do ensino fundamental 1. Desde que concluiu a formação, ela já prestou cinco concursos públicos para os municípios de Recife, Olinda, Camaragibe, Moreno e Jaboatão, mas nunca foi aprovada. A professora considera injusto o fato de terem profissionais que conseguem passar nos concursos, “acumulam dois, três vínculos e não dão conta de nenhum. Enquanto eu e outros professores não temos oportunidade. Eu acredito que não sou aprovada porque não tenho pós-graduação”, cogita.
Sandra recebe o anúncio do concurso unificado com esperança. “Acho que vai dar mais chance para quem ainda não conseguiu ser aprovado. Se vai ser um concurso unificado, eu posso ser aprovada para outros lugares, em vez de um concurso apenas para Recife”, avalia.
Uma das criadoras do Enem e presidente do Inep (1995-2002), Maria Helena Guimarães de Castro considera o Enade das licenciaturas “uma boa ideia” e se diz “favorável à iniciativa, principalmente porque avalia os cursos e não os professores individualmente. E também porque o resultado dessas avaliações deve orientar a adoção de melhorias nas licenciaturas”, analisa a hoje titular na Cátedra Instituto Ayrton Senna de Inovação em Avaliação Educacional, da USP de Ribeirão Preto, SP.
Atualmente, o principal problema da educação, segundo Maria Helena, é a formação inicial dos professores. Por isso, prossegue, é importante definir diretrizes curriculares para potencializar essa formação.
A repórter entrou em contato com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) para ouvir como eles receberam a notícia do concurso unificado. Por meio de sua assessoria de imprensa, disseram que “preferem não comentar até a divulgação dos detalhes da medida.” Já em conversa fechada com a editora, um secretário que integra a Undime revelou que ele e outros integrantes são favoráveis à iniciativa, mas que até o dia do anúncio aos jornalistas sobre o concurso unificado (30 de outubro), o Ministério da Educação não havia entrado em contato com a Undime.
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