NOTÍCIA
Gibrilo Djalo, secretário de Estado do Ensino Superior e Investigação Científica, afirma que eles não sofrem com a falta de professor; valorização salarial está entre as causas. Alternativa para financiamento educacional também é destaque da entrevista
Publicado em 07/11/2024
Como conseguir fontes alternativas para financiar a educação está entre as discussões que mais instigam Gibrilo Djalo, secretário de Estado do Ensino Superior e Investigação Científica na Guiné-Bissau, pasta que está dentro do Ministério da Educação Nacional. Seu país está localizado na África Ocidental, fronteira ao norte com Senegal.
Gibrilo esteve presente na Reunião Global da Educação (GEM na sigla em inglês), da Unesco, entre 31 de outubro e 1º de novembro, em Fortaleza, CE, o qual contou com mais de 50 ministros de Educação e Finanças de diferentes países (clique aqui para saber mais). Nesta edição, o Ministério da Educação brasileiro também atuou na organização.
“Desta reunião, o que mais me cativou foi a possibilidade de conseguirmos outras fontes alternativas por meio de uma melhor utilização do dinheiro público”, diz o secretário da Guiné-Bissau.
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Segundo Gibrilo, o desinteresse da juventude em ser professor ou professora não é realidade em seu país e nem um problema visualizado para os próximos 20 anos, “porque temos uma política que beneficia os professores, de modo que há uma avalanche de interesses dos jovens”. Para esse resultado, claro, a valorização salarial também é colocada: “os professores na Guiné-Bissau, comparados com o restante dos funcionários públicos, têm um salário, digamos, ‘mais aceitável’”.
A pedido da repórter, Gibrilo Djalo compartilha um dos pontos que considera mais positivo de seu país e que o mundo precisa conhecer. “Temos algo que é único praticamente em toda África: pesquisem Ilha dos Bijagós, nosso paraíso na terra”. A seguir, confira a entrevista que aconteceu presencialmente no último dia da GEM.
Dou nota positiva à organização e aos resultados obtidos porque, para além dos objetivos fixados, é uma oportunidade única que temos enquanto membros do governo de participar, partilhar nossas experiências e criarmos redes de contato — visto que a problemática que o Brasil enfrenta é praticamente a mesma que Guiné-Bissau enfrenta, a mesma que Ruanda, Bolívia ou Colômbia enfrentam. Essas ocasiões permitem uma maior partilha de informações, uma maior partilha de experiências e que, no final, vamos todos, de mãos dadas, rumo à nossa educação de qualidade, que é o que se procura.
Participei de sessões, inclusive como painelista, por exemplo, sobre educação para a paz e outra de combate ao analfabetismo. Mas vou levar, sobretudo, a problemática do financiamento do sistema educativo. Eu já tinha em mente como conseguir fontes alternativas para financiar a educação e presenciei uma sessão sobre o tema [minutos antes da entrevista] em que a ideia é criar novos impostos ou criar outros mecanismos de financiamento.
Por exemplo, maior racionalização das despesas públicas de modo a que se consiga criar mais poupanças para que elas sejam reinvestidas na educação, porque imposto, às vezes, tem efeito dissuasor e às vezes não contribui para o crescimento econômico, dependendo de como for gerido.
Mas se for bem pensado, bem implementado, dá sempre bons resultados. Dos financiamentos, o que mais me cativou foi a possibilidade de conseguirmos outras fontes alternativas por meio de uma melhor utilização do dinheiro público.
As duas coisas. Tanto apoio internacional como a nível interno. Aliás, eu sou defensor de que a cooperação sempre ajuda. Só que as fontes nacionais devem assumir a responsabilidade da educação, deve-se criar condições, mecanismos e tudo que for preciso para que a educação consiga funcionar. A cooperação repara, ela começa a partir de um certo momento e vai até um período com todas as vantagens que traz; chega um momento que acaba. Já as nacionais continuarão sempre atentas às necessidades da educação.
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Portanto, a criação de mentalidade da assunção da nossa responsabilidade enquanto principais atores de nossos sistemas educativos é fundamental. De modo que essa preocupação de criação de outras fontes de financiamento educativo pode vir dos apoios externos, assim também como pode vir das poupanças internas.
Apoios externos no sentido, por exemplo, da nossa cooperação com a União Europeia. Imagine que disponibilizem 10 milhões de euros para o setor das pescas e se o dinheiro for bem gerido, talvez com seis, sete ou oito milhões consegue-se atingir e cobrir todas as necessidades do Ministério das Pescas. Com essa boa gestão, você consegue poupar dois milhões de euros e esses dois milhões de euros que vêm da cooperação internacional podem ser investidos na educação para combater as deficiências. O mesmo é válido para as situações internas.
Não temos feito algo especial para que haja um aumento do número de estudantes no ensino superior. É certo que há um grande número, mas estamos mais focados na qualidade daqueles que saem com formação de ensino superior.
De nada serve termos uma produção em massa de licenciados, mestrados, doutorados, que no fundo não sejam capazes de satisfazer as necessidades do país, de não estarem à altura.
O nosso foco é, sobretudo, na formação vinculada às competências que sejam realmente precisas para que as pessoas possam contribuir no desenvolvimento do país.
Talvez ainda não chegamos ao nível do Brasil em termos de preocupação da avaliação. Mas temos um regime jurídico de qualidade do ensino superior. Ou seja, é um conjunto de regras e normas que devem ser obedecidas tanto pelas universidades como pelos estudantes para, no final, saírem com um título.
Essa problemática de professores aqui e ali varia e depende dos contextos e dos países. Por exemplo, há países em que a profissão do ensino, a profissão do professorado, é bem aceita. No meu país essa não é uma questão que se coloca daqui 10 anos ou 20 anos porque temos uma política que beneficia os professores, de modo que há uma avalanche de interesse dos jovens.
Política de incentivo ao ensino. Na Guiné-Bissau temos duas leis voltadas aos professores: a Lei da Carreira Docente, aplicada aos professores de ensino básico até o secundário, e temos a Lei da Carreira Docente do Professor Universitário. Essa última lei ainda não está a ser aplicada por inteira, mas a primeira, sim. De modo que acaba por criar um tratamento privilegiado para os professores em termos salariais.
Os professores na Guiné-Bissau, comparados com o restante dos funcionários públicos, têm um salário, digamos, ‘mais aceitável’. E não é só isso, essa é uma parte. A outra parte que contribuiu também na adesão de jovens ao professorado [é devido à] possibilidade que se abriu no Ministério da Educação dos jovens poderem ter acesso à administração pública, o que é congelado nos ministérios restantes.
Que temos um certo número de funcionários públicos; digamos que já estamos no limite da capacidade de absorção da administração pública, mas abriu-se uma exceção, uma brecha no Ministério da Educação e da Saúde para que pudéssemos contratar novas pessoas e aquilo funcionou como mágica para atrair muitas pessoas.
*A repórter viajou a Fortaleza a convite do Ministério da Educação
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