NOTÍCIA
Movimento com grandes entidades apresenta diretrizes voltadas a essa faixa etária historicamente excluída de seus direitos
Publicado em 23/07/2024
As eleições municipais são um momento essencial na criação de novos projetos que garantam os direitos das crianças e adolescentes e assim transformem o momento atual e o futuro deles. Esse público, com menos de 18 anos, no Brasil representa quase um quarto da população, segundo dados do Censo Demográfico 2022.
A Agenda 227, um movimento apartidário que busca garantir os direitos das crianças e adolescentes, surgiu em 2022, tendo como objetivo estimular a qualificação dos programas de governo das candidaturas à presidência da República nas eleições de 2022. O movimento conta com o apoio de mais de 400 organizações de todas as regiões brasileiras, incluindo o Instituto Alana, a Fundação Itaú e a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.
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Recentemente, com o intuito de colocar a infância e a adolescência como vetor prioritário nos debates eleitorais deste ano e, por consequência, avançar no cumprimento do que preconiza o artigo 227 da Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Marco Legal da Primeira Infância, o movimento lançou um documento intitulado Prioridade absoluta nas eleições 2024: diretrizes para uma gestão municipal comprometida com a infância e a adolescência.
Direitos das crianças e adolescentes
“O Movimento Agenda 227, analisando todas as dimensões dos direitos humanos de crianças e adolescentes e do desenvolvimento sustentável, elaborou um conjunto de diretrizes com ampla articulação da sociedade civil organizada e as apresenta para as pessoas candidatas às prefeituras municipais”, conta Lucas Lopes, secretário executivo da Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes e integrante da coordenação colegiada da Agenda 227.
De acordo com ele, é no município que os direitos das crianças e adolescentes se concretizam, por meio de políticas, programas e serviços.
“As eleições municipais são uma janela de oportunidade para discutir e propor um projeto de cidade cujas crianças e adolescentes estejam no centro das prioridades. E por quê? Porque programas de governo que não garantem os direitos das crianças e adolescentes não são compatíveis com o desenvolvimento sustentável — econômico, social, ambiental e institucional — da sociedade”, explica Lucas Lopes.
O documento elaborado pela Agenda 227 divide as propostas em eixos temáticos voltados ao ECA, à Inclusão, diversidade e interseccionalidades, e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.
Para Lopes, as diretrizes oferecem às candidaturas uma visão sistêmica dos principais aspectos necessários para uma administração pública comprometida com os direitos das crianças e dos adolescentes. Entre esses aspectos estão o orçamento público, a intersetorialidade, o fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, a participação social e o fortalecimento dos conselhos e o alinhamento com as metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
“Não basta a intenção das pessoas candidatas, é preciso uma agenda alinhada ao Estatuto da Criança e do Adolescente, às políticas nacionais vigentes e às demandas sociais de crianças e adolescentes, bem como das organizações de defesa de direitos”, pontua Lucas.
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No que diz respeito às diretrizes relacionadas à educação, para Maria Thereza Marcilio, presidente da Avante – Educação e Mobilização Social, que integra o Grupo de Trabalho de Educação da Agenda 227, a questão intersetorial embasada no orçamento é fundamental para a garantia da educação.
“Não adianta a gente pensar só no fortalecimento da área da educação se a gente não tiver saneamento básico na cidade, se não temos uma coleta de lixo adequada, se as ruas não facilitam o trânsito, se temos muita violência, se o posto de saúde não está funcionando, se nada é oferecido para complementar a educação na área de lazer, esportes, se não tem espaços urbanos de convivência…”, pontua Maria.
Para ela, a escola, o centro de educação, exerce um papel fundamental na vida da criança, em sua educação, na prevenção à violência, na atenção à saúde, mas sozinha não dá conta de garantir todos os direitos às crianças e adolescentes. Então, é necessário que haja uma ação articulada das políticas intersetoriais junto com a família.
“São vários aspectos que a gente precisaria levantar sobre essas diretrizes, lembrando sempre que o foco é o território em que essa criança está e essa atenção integral e integrada, que deve existir”, diz Marcilio.
Após as eleições, a Agenda 227 ainda promete atuar no monitoramento das propostas do Plano país para a infância e a adolescência, um documento criado pela Agenda que aponta caminhos para o mandato presidencial de 2023 a 2026, e que reúne um conjunto de propostas, programas e ações do governo, que ao serem adotadas pela administração federal, poderão impulsionar as políticas públicas voltadas ao público infantil e adolescente.
Para Juliana Diamente, que é doutora em educação e professora no Núcleo de Educação Infantil na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), quando falamos do cenário de disputa eleitoral, embora crianças e adolescentes sempre apareçam nos discursos, propagandas, imagens e na mídia, isso não significa necessariamente firmar um compromisso ou ser fiel a elas nas agendas políticas.
“Isso porque historicamente há uma dívida brasileira com as crianças e os adolescentes que não decorre somente da desigual distribuição de renda, mas também da desigual distribuição dos benefícios das políticas sociais. Isso pode ser explicado em parte por uma hierarquização etária da sociedade brasileira (adultocêntrica), que incide na baixa prioridade dada às crianças no que se refere às suas condições de vida (educação, moradia, saúde, nutrição, cultura)”, explica Diamente.
Porém, para ela, é fundamental reconhecer a presença de ações e políticas voltadas para as infâncias e as juventudes, favorecidas, sobretudo, por um contexto internacional, por avanços nas agendas de pesquisas, por necessidades públicas. Há uma construção no campo teórico, por exemplo, que incide na agenda política e vice-versa. A ideia da criança como sujeito de direito, desde a promulgação do ECA é um exemplo disso.
Garantir o direito das crianças é garantir aquilo que é fundamental para que vivam com dignidade (educação, saúde, moradia, alimentação, cultura). Mas não só isso: que sejam protegidas em todos os âmbitos de suas vidas (física e emocionalmente) e que possam participar dela, reconhecendo seus pontos de vista, seus conhecimentos e experiências, pontua Juliana.
De acordo com ela, é preciso questionar, do ponto de vista da agenda política, o que se concebe quando falamos sobre os direitos das crianças: “quais direitos e de quais crianças?”.
“Para isso, o primeiro passo é reconhecer a existência delas nos territórios (nos espaços), mas de todas elas: bebês, crianças maiores ou jovens; meninas e meninos; brancas, negras, indígenas; com ou sem deficiências; moradoras das cidades ou do campo; de ocupações, de comunidades; de diferentes classes sociais, etc… e pensar de maneira ampliada e articulada essa ideia de direitos”, pontua a professora.
Também é preciso ser fiel às concepções que reconhecem as crianças como sujeitos ativos, parte das estruturas e processos sociais, à medida que produzem (e são produzidas) por seus territórios, e criar mecanismos de escuta e participação de todas elas.
“Como escutamos os bebês? Ou todos aqueles outros que não falam verbalmente? Quem chamamos e consideramos chamar para pensar sobre isso? Em quais espaços/tempo do território? As crianças precisam fazer parte do projeto político da sociedade que queremos”, finaliza Juliana Diamente.
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