NOTÍCIA
Cultivo à diversidade vai da ambientação das salas de aula até as brincadeiras com figuras de afeto. Gestão democrática é outra característica da instituição paulistana
Publicado em 11/06/2024
Referência em diversidade, inclusão e inovação na educação, a Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) Nelson Mandela, localizada no bairro do Limão, zona norte de São Paulo, é pioneira na inclusão da Lei 10.639/03 (ensino obrigatório de história e cultura afro-brasileira). Por meio de atividades e um ensino que vai além do convencional, a escola garante a aprendizagem das crianças e cultiva a educação antirracista desde a infância.
Segundo Solange Miranda, que trabalha na EMEI desde 2012, já foi professora, coordenadora e hoje atua como diretora interina, para trabalhar as culturas africanas e afro-brasileiras no currículo da escola é preciso que todos os profissionais passem por um processo de formação.
“Isso não pode acontecer de forma pontual, apenas com datas e festividades. A gente entende que isso precisa de fato fazer parte da nossa proposta pedagógica, e que a nossa equipe precisava passar por um processo de formação”, conta a diretora.
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Evento na cidade de SP
Educadoras da EMEI Nelson Mandela estarão em 19 de junho no evento da revista Educação, Escolas Mais Admiradas. Será na Fecap, bairro Liberdade, SP. José Pacheco, Bárbara Carine e outras pessoas referências na área também estarão presentes. Clique aqui para saber mais e garantir o seu ingresso.
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“O racismo existe, está presente na sociedade, e a escola é o primeiro lugar que as crianças vão lidar com ele, ou passar por ele. Crianças pequenas também sofrem racismo”, alerta a professora Ana Cristina Silva Godoy sobre a necessidade da formação dos professores para lidar com o cenário.
Comunidade com voz
O modelo de gestão democrática adotado pela EMEI Nelson Mandela, um formato que baseia-se no compartilhamento de responsabilidades, coloca todos os profissionais da escola como educadores, e exerce uma influência positiva na formação das crianças.
“Em algumas comunidades afro-brasileiras e indígenas, por exemplo, não existe hierarquia no sentido de hierarquização de poder. Existe o respeito às pessoas mais velhas e uma experiência de vida em comunidade que entendemos como comunitarismo, um valor civilizatório afro-brasileiro da professora Azoilda Trindade. Valores nos quais pautamos nossas experiências aqui na EMEI”, explica a diretora Solange.
A professora Ana Cristina complementa que a gestão democrática ainda proporciona às famílias das crianças um ambiente acolhedor, de escuta e participação em todos os projetos.
“A gente tenta construir ferramentas para que além da educação das crianças, todas essas pessoas participem das decisões e da construção coletiva dos projetos da escola. Então é muito comum que as educadoras da limpeza participem de rodas de conversa para compartilhar os saberes delas com as crianças”, pontua Marina Basques Masella, também professora na Nelson Mandela.
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Com o intuito de garantir que a chegada da Lei na escola fosse marcante para as crianças, em 2011, por exemplo, as professoras criam o príncipe sul-africano Azizi Abayomi, boneco que faz parte do projeto de figuras de afeto criado pela escola. Na narrativa contada para as crianças, o boneco é neto de Nelson Mandela e dentro de sua mala traz objetos que ajudam a contar a história do lugar em que Azizi nasceu.
A chegada do boneco trouxe outras transformações, como a mudança do nome da escola, em 2016. Antes chamada de EMEI Guia Lopes, a escola passou a levar o nome de Mandela, como forma de homenagear o falecido ex-presidente da África do Sul, e também após a sugestão de um pai das crianças.
Além disso, o fato de a figura ser avô de Azizi exerceu um papel importante na modificação do nome. Outra modificação foi nas datas comemorativas. A escola passou a não comemorar mais datas como o Dia das Mães e a Páscoa. Já a Festa Junina foi substituída pela festa afro-brasileira, que reúne a comunidade e as famílias dentro da EMEI.
A série de transformações também foi marcada por um episódio antes nunca acontecido na escola: uma pichação com uma frase racista foi feita nos muros da EMEI. Solange conta que “depois do susto todo, se entendeu que mais do que nunca esse trabalho deveria continuar na escola”. Como resposta, a rua em que o episódio aconteceu foi fechada e as crianças e a comunidade fizeram desenhos no muro como uma forma de ressignificar a frase.
Embora tenha sido marcante, o episódio racista nos muros da escola não freou os avanços da instituição rumo a uma educação antirracista. Essa formação, que acontece não só com a interação das crianças com as figuras de afeto, ainda é feita por meio de livros que contam sobre as histórias das culturas africanas e afro-brasileiras em conjunto com a ambientação das salas de aula da escola.
“Esse ensino obrigatório de história e cultura afro-brasileira na nossa escola é trabalhado em todos os territórios, não só na sala de aula. Então se a gente está no parque a gente está pensando em uma educação antirracista, se a gente está na nossa horta, se a gente tá no nosso jardim agroecológico…a gente pensa a partir da perspectiva de que a educação é relação”, explica Marina.
O projeto de figuras de inspiração, iniciado em 2018, com pessoas negras importantes para nomearem as salas de aula, faz com que as crianças conheçam mais sobre essas figuras. Neste ano, as personalidades que nomeiam as salas fazem parte do bairro do Limão, Casa Verde, Cachoeirinha, ou nasceram na zona que a escola está localizada.
Miranda acredita que “trazer referências de pessoas negras que são importantes intelectuais para as crianças amplia aquilo que não é só representatividade, mas é apresentar para as crianças negras as possibilidades de ser e estar no mundo enquanto crianças negras”. Além disso, a dinâmica é importante para que crianças brancas enxerguem além do que se parece com elas.
“Trabalhar a educação para as relações raciais tem que ser prioridade. Não é esperar um caso de racismo acontecer para só daí você falar sobre racismo. A ideia é que isso nem chegue a acontecer, que isso diminua”, finaliza Solange sobre a implementação da Lei nas escolas.
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