ARTIGO
Escritoras negras Janine Rodrigues e Kiusam Oliveira, reconhecidas internacionalmente pelo ativismo antirracista, debateram o tema no LC Talks, da Escola Lourenço Castanho
Publicado em 30/05/2024
Na educação antirracista, a literatura é uma aliada na compreensão dos impactos do racismo estrutural, ensinando o respeito às individualidades. Foi o que debateram as escritoras negras Janine Rodrigues e Kiusam Oliveira no LC Talks, painel de debates da Escola Lourenço Castanho, em SP, realizado em 20 de maio, em que o tema foi o Diálogo pela igualdade: o papel das histórias na desconstrução dos estereótipos e na valorização das diferenças.
Para Janine, a literatura dá voz ao diverso, ao plural e à representatividade. “Mas também é sobre proporcionalidade. Não é só eleger um livro, um tema ou autora e ponto. É muito ruim ser o único ou a única escritora, somos muitos e muitas. Precisamos trazer o tema [da desigualdade] para o nosso dia a dia, porque a arte tem esse poder de fazer a gente se mexer.”
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Como escritora, Janine é autora de Nuang – caminhos da liberdade, Onde está o Boris e As incríveis aventuras de Nirobe na terra do Não, de conteúdo infantil e explorando como cenário histórias de sua infância e cultura afro. Todos foram publicados pela sua edetech, a Piraporiando, que cria experiências e conteúdos antirracistas, antibullying e antipreconceito.
É importante que os grupos não brancos sejam vistos como pessoas que ocupam espaços, e não apenas como os ‘exóticos’, argumenta a escritora. “Tem muita coisa maravilhosa acontecendo no Brasil e que não chega aqui, na região Sudeste. Ou quando chega, é como o exótico e quem perde são as nossas crianças.”
Descendente de negros, indígenas, quilombolas e caiçaras, Janine conta ter vivenciado experiências de racismo estrutural na sua trajetória pessoal e profissional, inclusive na educação.
No que se refere à educação antirracista, Janine defende que a contribuição dos negros e outros grupos para a formação histórica e cultural do Brasil seja revista e recolocada em patamar de igualdade. “Nosso olhar foi educado para a naturalização de pessoas negras em lugares de serviço, violência e desumanização. Ser antirracista é incômodo, demanda esforço e a pessoa branca é idealizada. Mas é preciso abrir mão de privilégios e compartilhar um olhar de humanidade.”
Com temas étnico-raciais, a obra da escritora Kiusam Oliveira é reconhecida pela ONU como uma das 10 mais importantes para a educação e formação de crianças em direitos humanos. Por influência da mãe, Kiusam anotava suas memórias e fatos cotidianos desde criança. “Minha mãe dizia para escrever tudo o que você viver”, recorda a escritora.
Isso foi a base de suas obras, que tratam do racismo estrutural e autoafirmação, como O black power de Akin (ed. de Cultura), e o poema Inesquecíveis (ed. Moderna). Para ela, a literatura é uma forma de mostrar a discriminação que as crianças negras sofrem desde a infância. Como professora, Kiusam viu situações chocantes.
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“Em berçário, vi crianças de dois anos chamando outras de ‘preta’ em tom pejorativo. Elas não sabiam falar, mas já xingavam outras de preto o dia inteiro. Meu alerta é que temos que pensar e falar sobre o assunto em toda sua plenitude”, orienta Kiusam Oliveira.
Kiusam é crítica em relação à ‘branquitude’, termo que define o comportamento arraigado que desqualifica a identidade cultural de pessoas não brancas. “É um jeito muito perverso (de preconceito) que se desenvolve na nossa sociedade, um processo que os filhos e filhas vão reproduzir na escola.” Assim como Janine, Kiusem acredita que a forma de evitar a criação de comportamentos discriminatórios é entender e estudar a contribuição dos povos negros para a história brasileira.
Encerrando o debate, a mediadora Vivian Alboz, diretora pedagógica de educação infantil da unidade Vila Nova Conceição da Escola Lourenço Castanho: “Este é um tema que está posto em nossa sociedade. Não basta não ser racista, tem que ser antirracista”.
O papel da literatura na valorização da diversidade, tema abordado no LC Talks, também foi um dos artigos da revista Bússola, publicação da Lourenço Castanho que chega à sua sexta edição e foi apresentada durante o debate.
Voltada para educadores, a revista Bússola aborda outros temas, como a exploração do espaço urbano de São Paulo em propostas pedagógicas e práticas de exercício que promovem o bem-estar e equilíbrio das crianças na escola. A publicação pode ser acessada clicando aqui.
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