Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)
Publicado em 23/05/2024
A racionalidade tecnocrática promove pedagogias que suprem a autonomia dos professores
Teixeira de Freitas, 7 de março de 2044
Já aqui vos trouxe estas palavras da Cecília, mas as retomo. Nos idos de 20, esse texto mantinha-se atual (80 anos após ser escrito).
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“Que lhes valeu todo o curso que fizeram durante longos anos? Em vão leram livros copiosos, beberam a caudalosa erudição dos catedráticos imponentes, como oradores parlamentares, fizeram provas escritas de inúmeras laudas, com letra miúda. Palavras, palavras, palavras que o vento levou…
As aulas de psicologia ficaram geladas nos livros; as de pedagogia fecharam-se nas caixas de jogos; as outras não levaram em si nenhum gérmen dessas duas, que são, no entanto indispensáveis a quem vai ser professor.
Pobres alunas que não tiveram quem as orientasse a tempo. Depois de tanto trabalho, terão de fazer por si mesmas, e com enorme esforço, aguilhoadas pela pressa de quem já está no quadro do magistério, toda a cultura técnica que ninguém pensou ou lhes pôde fornecer no momento devido.”
A situação descrita (que só quem não a partilha poderá questionar) contrastava com os propósitos expressos em teses e documentos de política educacional.
Em meados de 70, quando a Ponte dava os primeiros passos de uma formação emancipadora, o Decreto-Lei 290/75 tecia considerações jamais concretizadas:
“Na revisão do regime de formação, haverá que engendrar decididamente pela elevação do nível de preparação daqueles que escolheram o magistério como carreira profissional”.
De um modo geral, a formação organizada segundo esse tipo de racionalidade era geradora de formas de organização escolar decalcadas de antanho, nas quais os professores exerciam um controle escasso sobre o seu trabalho. Programas e projetos de formação colocavam a ênfase em “técnicas pedagógicas que, em geral, evitam as questões sobre as finalidades e o discurso de crítica e de possibilidade” — palavras de Aronowitz e de Giroux.
A racionalidade tecnocrática, que tendia a separar a teoria da prática, promovia pedagogias que suprimiam a autonomia dos professores (e, concomitantemente, a dos alunos). Na Ponte se questionou ideologias que legitimavam a separação entre processos de conceptualização e de execução. E uma das primeiras tarefas da formação, que se fazia há 20 anos, foi a de elaborar contratos e termos de autonomia.
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Há 20 anos, a avaliar pelo desempenho da maioria dos novos professores, a formação inicial continuava a manifestar incapacidade para obstar ao choque das realidades. À formação inicial desprovida dessa qualidade juntava-se à não inicial, que qualitativamente nada acrescentava à primeira.
O professor recém-formado era atirado, sem recursos, para o isolamento de uma sala, que tinha dentro um grupo de crianças. Desenvencilha-se. Os primeiros dias eram decisivos, definitivamente decisivos para a instalação de rotinas que resolvessem a crise inicial.
O professor ‘probatório’ evocava modelos da sua experiência como aluno e passava a exercer um apertado ‘controle disciplinar’, que anulava o exercício de autonomia nos alunos, anulando a sua própria autonomia. Recorria ao manual, que anulava o professor. Utilizava o teste, que anulava uma avaliação ‘alinhada’ com a aprendizagem. A passagem do tempo e o exemplo dos colegas asseguravam a sedimentação do isolamento, do improviso e do primado da racionalidade instrumental.
Estão decorridas duas décadas sobre os “Encontros de Sábado”, um tempo em que a formação ganhou novos contornos. Bem hajam aqueles que neles participaram. Bem-vindos aqueles que, hoje, nesses educadores se inspiram.
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