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Alexandre Le Voci Sayad

Alexandre Le Voci Sayad é jornalista, educador e escritor. Mestre em inteligência artificial e ética pela PUC-SP e apresentador do Idade Mídia (Canal Futura)

Publicado em 22/01/2024

As cidades contra a desinformação

Países como os do norte europeu têm uma cultura de educação midiática para além da sala de aula, atingindo o convívio social. No Brasil, a Emef Duque de Caxias, SP, desenvolve o valioso projeto Aulas Públicas

Há cinco mil anos, as cidades são o ponto máximo de concentração do poder e cultura de uma comunidade”, escreveu o sociólogo e filósofo americano Lewis Mumford. Eu, e muitos outros pesquisadores, poderíamos adicionar ‘aprendizagem’ nessa espécie de ‘ode à modernidade’ do convívio social. Na contemporaneidade, de fato, é no ambiente comunitário (conglomerados urbanos, vilas rurais ou recortes sociais menores dentro de ambientes mais amplos) que o ser humano passa a maior parte do seu tempo — e também se educa.


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É na cidade onde fisicamente vivemos; e nesse sentido, o ‘nacional’ e ‘estadual’ são abstrações que até se refletem em seu desenho, mas não são o objeto em si. Tendo a acreditar que por isso mesmo as eleições municipais são as mais importantes, nas quais devemos mais estar atentos aos movimentos. Afinal, são literalmente a política da ‘polis’.

Com a compreensão de que é por entre as redes das cidades que nos perdemos na desinformação, seja pelo excesso, pela mentira ou pela condução política, desde 2018, a Unesco (órgão das Nações Unidas para a Ciência, Educação e Cultura) tem investido na ideia de que a comunidade rural ou urbana é um elemento importante na educação de cidadãos mais bem informados e resilientes. Mas, afinal, como uma cidade educa?

Basta imaginá-la como uma rede — suas tramas são feitas por ruas, avenidas e vielas que ligam dos atores mais ortodoxos da educação (escolas, bibliotecas e universidades) aos não convencionais (museus, parques, residências, ginásios esportivos). Esse desenho potencializa a educação na fusão integral de modelos formais, informais e não formais de processos formativos.

O currículo da escola e os elementos de educação midiática são centros itinerantes dessa rede. Educar para as mídias e contra desinformação é uma demanda da educação hoje, como sublinhei em diversas colunas anteriores. O que a Unesco acredita é na criação de ‘trilhas educativas’ que envolvam escolas, museus, parques, bibliotecas, ginásios e famílias — elas devem dar conta de educar para as mídias, auxiliando o cidadão a procurar as melhores fontes de informação, selecionar o que é importante para ele e facilitar seu acesso digital a serviços e conteúdo de utilidade pública. 

As Cidades AMI da Unesco (acrônimo para Alfabetização Midiática e Informacional) são um ponto de partida de combate à desinformação — ainda não são referências prontas. Exemplos não param de crescer, como a Imprensa Jovem, projeto em SP que há mais de 20 anos estimula estudantes a produzir conteúdo como forma de expressão e olhar de mundo e que costuma ‘cobrir’ eventos como a Bienal do Livro, entrevistando autores e buscando dicas de leitura. Já na cidade de Santos, o Parque Tecnológico é um aparelho municipal recheado de oficinas sobre ética e cuidados digitais que envolve escolas de educação infantil e ensino fundamental.  


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Os países mais eficientes no combate à desinformação, segundo os levantamentos anuais da Open Society Foundation, geralmente no norte europeu, desenvolvem práticas de educação midiática não somente nas salas de aula, mas criam um cultura que permeia os diversos ambientes de suas cidades quase como um item mandatório do convívio comunitário.  

Inspirações para as Cidades AMI não faltam, já que a própria educação nasceu comunitária e foi centralizar-se no currículo escolar apenas há alguns séculos. As cidades-estado greco-romanas foram o palco para a paideia, um processo que acontecia liderado por preceptores por entre suas vielas. Na verdade, desde então a comunidade foi ora esquecida, ora valorizada em diversos ciclos na história da educação. Mais recentemente, no século passado, o movimento das cidades-educadoras nascido em Barcelona, Espanha, procura a integração de políticas públicas municipais para a educação. 

As barreiras para as Cidades AMI são diversas dependendo do país em questão; vão do medo da violência nas ruas à corrupção dos gestores públicos, sem deixar de fora aquelas comunidades em que comumente faltam itens básicos, como saneamento. De certa forma, são problemas sistêmicos do próprio universo da educação. Mas o olhar para as Cidades AMI deve ser também utópico e de apropriação cidadã; uma espécie de retomada de questões que sempre foram públicas mas, às vezes, deixadas de lado. Neste momento um conjunto de guias, parâmetros, indicadores e sugestões sobre as Cidades AMI são preparados pela Unesco. 

Enquanto isso, os educadores que desejam iniciar um trabalho de combate à desinformação podem iniciar pensando como a biblioteca municipal dialoga com suas aulas no auxílio ao estudante para a busca de fontes confiáveis de pesquisa. O trabalho internacionalmente reconhecido Aulas Públicas, liderado pelo professor Paulo Magalhães da Emef Duque de Caxias, SP, é um desses passos importantes na construção de uma cidade que combate a desinformação. Ele faz do território uma extensão da sala de aula. Trata-se do primeiro cerzir de um tecido que tem potencial para cobrir toda a cidade, na garantia ao direito à informação de qualidade, educação e comunicação.



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