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Na França, medida existe desde 2018. Conversamos com duas educadoras que apresentam como o tema é colocado no dia a dia escolar daqui
Considerada um dos países mais liberais do mundo, a Holanda está prestes a proibir o uso de celulares em escolas de todo o seu território. A medida entra em vigor em 1º de janeiro e vai abranger até o final da etapa equivalente ao ensino fundamental, com exceção em aulas específicas de tecnologia e para assistência a estudantes com deficiências. No momento não estão previstas punições, mas o Ministério da Educação vai avaliar a efetividade depois de seis meses e pode, então, determinar sanções em caso de descumprimento.
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A principal intenção holandesa é aumentar o aprendizado. “Estudantes precisam se concentrar e devem ter a oportunidade de estudar bem. Celulares são uma perturbação, mostram pesquisas científicas. Precisamos proteger os alunos”, afirmou Robbert Dijkgraaf, ministro da Educação ao anunciar a medida.
A iniciativa não é única na Europa. Uma semana antes da Holanda, o governo da Finlândia havia comunicado uma medida semelhante, mas lá ainda falta aprovar a norma no parlamento. Desde 2018, a França adotou a proibição na mesma linha. À época, a lei francesa foi justificada como uma ‘medida de desintoxicação’ contra a distração nas salas de aula. O texto francês, contudo, permite exceções ‘para uso pedagógico’, decididas por cada escola.
Na Itália, a situação com os dispositivos móveis tem idas e vindas. Em 2007, uma norma do Ministério da Educação os proibiu. Em 2018, numa inversão da lógica restritiva, foram lançadas diretrizes para o uso consciente dos celulares na educação. Contudo, em dezembro do ano passado, o atual ministro enviou uma circular a todas as instituições de ensino lembrando que a proibição de 2007 continua válida e pedindo que façam valer a medida antiga.
Ainda que as restrições desagradem os adolescentes, as famílias europeias, de forma geral, parecem apoiar o banimento dos aparelhos. Em Portugal, onde não há nenhuma norma centralizada a respeito do tema, a iniciativa partiu da sociedade. Uma petição pública iniciada no primeiro semestre deste ano tem recolhido milhares de assinaturas de pais pedindo que o Ministério da Educação proíba os celulares nos recreios, para incentivar que as crianças se socializem cara a cara.
Educadores brasileiros, embora conscientes dos perigos do uso indiscriminado dos celulares dentro das escolas, defendem que uma proibição generalizada não seria a resposta ideal para o problema no país. Na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a competência seis, que trata da cultura digital, diz que os estudantes devem compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação. Na realidade do Brasil, nenhuma outra tecnologia digital está tão disseminada como o celular. Tirar o celular seria tirar acesso.
Em escolas de vanguarda no uso pedagógico de tecnologias digitais, os celulares são vistos com muitos senões. Outros tipos de aparelhos são melhores para o aprendizado, defende Silvia Scuracchio, diretora da escola Bosque, em São Paulo, considerada uma showcase school (modelo) pela Microsoft. “Temos como primeira opção fornecer os devices, já configurados de forma apropriada. O celular tem uma gama imensa de distrações”, afirma ela.
Muitas vezes, o estudante pode até pegar seu telefone para buscar alguma informação pertinente, mas com todos os aplicativos pessoais, vai receber também uma série de notificações tentadoras de assuntos alheios ao contexto escolar, explica Silvia. Mas nada disso descarta o fato que, em algumas situações, ele pode ser muito útil. “A gente gamificou uma visita ao zoológico: cada um tinha que responder questões pelo caminho, usando a geolocalização. O celular tinha um objetivo”, exemplifica Silvia.
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Até especialistas em pedagogia Waldorf, uma linha que costuma dar pouco espaço para tecnologias digitais entre suas estratégias educativas, acreditam que banir o celular seja improdutivo, pois pode torná-lo um fetiche. “Proibir nunca é legal. Com os pequenos, a gente conversa com os pais. Mesmo com os mais velhos, é possível fazer acordos. Eles vão contestar, vão infringir — e tudo bem. Mas o trabalho tem que ser pela conversa”, aconselha Melanie Mangels Guerra, diretora da Faculdade Rudolf Steiner.
Mas, num mundo onde há tantas tecnologias em toda a parte, Melanie defende que a escola pode aproveitar para explorar outros aspectos da realidade. “Acho que é um desafio interessante para o professor fazer um ensino de tal maneira que consiga afastar um pouco dos eletrônicos. A escola pode ser um espaço absurdamente interessante, onde a gente trabalhe a condição humana, relação entre os alunos no 3D e ao vivo”, defende.
Adriana Martinelli, diretora de conteúdo do congresso Bett Brasil, evento que tem o foco em tecnologias para instituições de ensino, vê que toda a discussão em torno do tema é uma forma de encontrar um bode expiatório para um problema mais profundo da escola: a dificuldade em despertar o interesse dos mais novos. “Proibir pode ser uma resposta emergencial para o outro extremo, que é o uso indiscriminado. Mas é só um paliativo. O que a gente precisa é garantir o engajamento do estudante no processo de aprendizagem”, diz.
A melhor resposta? Talvez seja levar o problema aos estudantes. “Se a gente quer mudar a cultura, para ter um processo de desenvolvimento de autonomia e pensamento crítico, a proibição não faz sentido porque priva de pensarem em soluções. Uma escola deveria se colocar na postura de não ter todas as respostas, poder testar, experimentar e descobrir caminhos”, orienta Adriana.