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Adriana Fóz

É neuropsicóloga, educadora e diretora da NeuroConecte

Publicado em 21/08/2023

Há cura para a epidemia do estresse docente? 

Possibilitar que os educadores e educadoras tenham competência socioemocional é tarefa imprescindível

habilidades socioemocionais_2 Foto: shutterstock

Por Adriana Fóz com participação de Alcione Marques*: Não é novidade que a profissão do professor(a) tem sido caracterizada como uma dentre as atividades mais estressoras, geradora de forte demanda emocional e de grandes frustrações. Além do mais, quando há fracasso na aprendizagem do estudante, a responsabilidade é do professor, mas quando são bem-sucedidos e fazem seu trabalho com maestria acredita-se que não fazem mais que a obrigação.


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Já eram críticas as condições anteriores à pandemia pelo coronavírus, mas a aceleração de novas tecnologias, diferentes linguagens e maiores exigências e responsabilidades trouxeram uma carga adicional a uma profissão que, a priori, deve contar com leveza, disponibilidade e muito conhecimento.

Será que se tornará insustentável o peso de ser professor? Quando vejo jovens inteligentes, interessados pela causa educacional em fase de vestibular, dizerem: “minha última opção é ser professor”, me angustia. Suas justificativas vão desde “não teria paciência com as ofensas verbais dos alunos” até “ganham muito mal”. As famílias também têm participação negativa neste aspecto, pois muitos preferem criticar o professor a criticar seu próprio filho ou a eles mesmos.

Isso sem falar que o professor parece não poder genuinamente sentir ‘dor’, o que o leva a uma grande exigência emocional. Segundo Mary Sandra Carlotto, grande estudiosa do assunto, esse fenômeno não se restringe apenas aos professores brasileiros, apresentando um caráter epidêmico mundial. Não há uma única vacina para este mal, mas há caminhos para melhorar os principais desafios da maioria dos docentes: salário, formação continuada (de qualidade), apoio dos pais, recursos materiais, clima escolar positivo, valorização da profissão, saúde laboral (e outros). E cada vez mais aumenta o conhecimento sobre os impactos do que funciona e não funciona na escola.

Já é até ‘retórica redundância’ o fato do excessivo estresse dessa profissão que apresenta, mundialmente, a maior vulnerabilidade para manifestar, inclusive, a síndrome de burnout. Embora seja essencial, desejável e ‘irritantemente’ óbvio criar condições mais favoráveis ao trabalho no ambiente escolar ao que se refere a políticas educacionais, valorização da docência, melhor formação dos professores e melhor infraestrutura, continuam fazendo parte de suas rotinas de trabalho as situações estressantes. 

Ampliar o conhecimento sobre as emoções, aumentar a percepção de suas próprias reações e desenvolver melhores formas de lidar com as situações difíceis por meio de estratégias de regulação emocional diminuem as reações de estresse e, claro, são associados ao aumento de qualidade na vida dos indivíduos. Mas, se por um lado sabemos que aprender sobre emoções e competências socioemocionais promovem nossa saúde física e mental, por outro lado ainda é pífio o adequado preparo do professor para lidar com as próprias emoções. Apenas 30% dos cursos de formação em pedagogia, segundo a Fundação Getulio Vargas em 2022, tratam deste tema, e arrisco dizer que talvez tratem apenas conceitualmente. 

Eu mesma visitei muito este tema na minha dissertação de mestrado que, inclusive, foi apoiada no CASEL. Segundo a Collaborative for Academic, Social and Emotional Learning (CASEL, 2018), a aprendizagem socioemocional (ASE), que envolve habilidades que podem ser ensinadas e aprendidas, é definida como o processo pelo qual crianças e adultos adquirem o conjunto de conhecimentos, atitudes e habilidades que constituem a competência socioemocional. Mas existem outros modelos conceituais de competências socioemocionais que muitas organizações adotam, como o Big Five, que tem seu próprio conceito e ‘metodologia’ sobre ASE. Fato é que apenas recentemente voltaram-se os olhos, ainda de soslaio, para a ASE do educador.

Com a crescente evidência de que o aprendizado de habilidades socioemocionais pelo estudante pode favorecer seu desempenho acadêmico, assume-se que o professor já tem (ou deveria ter) esta competência, fazendo com que ele conte apenas com as habilidades que já possui. Mas como e quais formações incluir, se são muito poucos os programas ou intervenções que ampliam as habilidades socioemocionais voltadas ao professor como uma maneira de se melhorar a qualidade do ensino?


Escute nosso episódio de podcast

 

 


A experiência de um programa que começou na Unifesp

Neste sentido é que quero compartilhar meu aprendizado dos últimos 15 anos (dos 34 da formação em pedagogia), quando passei a ser gestora de um projeto em prol da saúde mental e emocional na escola, do Departamento de Psiquiatria da Unifesp. Lá formamos uma equipe multidisciplinar com educadores, psicopedagogos, psicólogos, psiquiatras e neuropsicólogos que estudaram e organizaram alguns programas, dentre estes, um para a Formação em Competências Socioemocionais para Educadores — na época visto como ‘mimimi’ ou um recurso de menor valia.

Para terem noção, até no próprio programa tínhamos que ‘lutar’ pela relevância do cuidado e atenção às habilidades socioemocionais dos estudantes, que dirá dos professores. Na época eram ainda incipientes os programas desta natureza no mundo, quiçá no Brasil. Alcione Marques, Luiza Hirome e eu fizemos até um artigo que mostrava quão ínfimos eram estes. A partir das evidências dos programas desenvolvidos em diferentes países, foi criado o Programa de Educação Emocional do Professor (PEEP), que foi aperfeiçoado pela Neuroconecte (após desativação do projeto). 

O objetivo desse programa inclui: compreender o constructo das competências socioemocionais, suas dimensões e sua importância como recurso interno para o professor, além de ampliar a compreensão sobre as emoções, vivências, e avaliação do processo. Impactou mais de 70 mil educadores, e continua impactando, foi pensado para acontecer em grupos e apoiado em conhecimentos teóricos-práticos e reflexivos a partir das experiências emocionais dos participantes. É dividido em cinco módulos principais em que o primeiro é sensibilizador e trata da neurociência das emoções, afinal, entender o fenômeno emocional, sua relação com a cognição e aprendizagem, facilita ‘o preparo do terreno’. O PEEP inclui algumas técnicas reconhecidas e outras fruto de nossa experiência. 

Assim como essa formação, que outras possam levar ao reconhecimento das competências socioemocionais como um recurso interno valioso para o professor, auxiliando-o a lidar com as demandas da atividade docente, e a reconhecer a dimensão emocional e relacional como fundamentais no processo da educação escolar.  

Talvez não haja vacina que dê conta do estresse, mas deixo como símbolo para reflexão o aforismo de Sócrates, um dos mais famosos da história: “conhece-te a ti mesmo”, professor.

*Alcione Marques é formadora de professores em saúde mental e diretora da NeuroConecte

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