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Cesar Callegari*: No ano de 2023, o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) entra em sua terceira fase de implementação, trazendo novas características de funcionamento que impactam diretamente o cotidiano das redes públicas de ensino, tanto por novos recursos que começam a […]
Publicado em 14/04/2023
Cesar Callegari*: No ano de 2023, o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) entra em sua terceira fase de implementação, trazendo novas características de funcionamento que impactam diretamente o cotidiano das redes públicas de ensino, tanto por novos recursos que começam a ser distribuídos, como pelo funcionamento de mecanismos de indução de práticas e indicadores educacionais.
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A primeira fase de implementação do novo Fundeb ocorreu logo após a promulgação, em 20 de dezembro de 2020, da Lei Federal nº 14.113, que é a marca de inauguração de um novo capítulo do financiamento da educação brasileira. Alicerçada na Emenda Constitucional nº 108/2020, aprovada em agosto do mesmo ano, a lei de regulamentação deu novas configurações a uma política pública consolidada nas últimas décadas, como veremos a seguir.
Já a segunda fase de implementação tem início após a promulgação da Lei Federal nº 14.276, em 27 de dezembro de 2021, que atualizou a Lei nº 14.11/2020. Além de ajustes pontuais nos mecanismos de financiamento, as principais mudanças da atualização da Lei foram a nova definição de “profissionais da educação” (alterando assim as categorias beneficiadas com a subvinculação de recursos do Fundeb) e a permissão legal para uso do Fundeb em bonificações e abonos salariais. A segunda fase de implementação também foi marcada pelo já previsto maior salto na complementação da União ao Fundeb, passando de 12% da soma dos fundos estaduais em 2021 para 15% em 2022.
A terceira fase de implementação, iniciada em 2023, tem como marcador fundamental o início da distribuição da Complementação da União na modalidade VAAR (Valor Aluno/Ano Resultados) aos Estados e Municípios. Como veremos a seguir, essa transferência federal de R$ 1,7 bilhão no total do País – sendo R$ 124 milhões para municípios do Estado de São Paulo – representa uma nova fonte de recursos para investimento em educação pública que, em função das suas condicionalidades e fórmulas de distribuição, incentivará as redes a tomarem determinadas decisões a respeito das políticas públicas em seus territórios.
É essencial aos atores do campo da educação compreender os mecanismos vigentes do Fundeb, os valores atualmente transferidos para cada rede pública de ensino e as novas sistemáticas de indução que passam a operar no arranjo federativo brasileiro.
Por um lado, ter nitidez sobre as possibilidades de financiamento das políticas públicas no nível local permite que os pleitos e demandas possam ser dirigidos às lideranças educacionais com fundamentação no cenário financeiro orçamentário.
Por outro, o conhecimento das regras do novo Fundeb abre a possibilidade de incidência para os ajustes necessários e correções de rotas na política pública nacional. A nova gestão do Governo Federal vem demonstrando abertura democrática e dialógica para encontrar os melhores caminhos no sentido da construção da educação pública de qualidade, com valorização dos profissionais da educação e cumprindo os demais nortes manifestos no Plano Nacional de Educação. Vale ressaltar que é prevista nova atualização da Lei em outubro de 2023, momento no qual devem ser redefinidos os fatores de ponderação das matrículas.
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De antemão, cabe recuperar o registro de que o novo Fundeb é, sobretudo, uma conquista dos movimentos sociais da área da educação, apesar dos problemas causados gestão do Governo Federal entre 2019 e 2022. A inserção do “Novo” Fundeb na agenda de votação no Congresso Nacional teve como força motriz a mobilização de diversas entidades representativas da educação de todo o território brasileiro. Sob qualquer ângulo de análise da formação dessa agenda, é nítido perceber que enquanto os movimentos sociais pressionaram pela votação de um texto pró-equidade e pró-educação pública, o Governo Federal e parte de sua base parlamentar atuaram como um “freio de desarrumação”, com representantes do Ministério da Economia chegando a defender o fim do Fundeb e das garantias constitucionais de recursos para a educação.
O fato é que, no momento em que a votação do Fundeb já se tornava uma realidade inadiável, o Governo Federal à época atuou pela desidratação da complementação da União, pela retirada de preceitos educacionais medulares e pela inclusão de mecanismos perversos como vouchers para a educação particular e o incentivo para matrículas em instituições religiosas.
A crescente pressão política para a votação do novo Fundeb deu-se, principalmente, pelo receio do caos educacional que sua descontinuidade produziria. O ciclo constitucional do Fundeb, iniciado em 2006 com a EC nº 53, tinha validade apenas até 31 de dezembro de 2020. Portanto, salvo votação de renovação, o Fundeb acabaria e cessariam todos os mecanismos redistributivos inaugurados com o Fundef em 1996. Concretamente, a extinção da política de fundos, que durante duas décadas foi a base para os avanços educacionais do país, levaria a uma queda abrupta das condições de financiamento dos municípios mais vulneráveis.
Os 1.220 municípios de mais baixo nível socioeconômico (onde estudam 7,5 milhões de alunos), perderiam, em média, metade da capacidade de investimento por aluno. A desigualdade entre o município com mais recursos por aluno (considerando também as outras receitas componentes do Valor Aluno/Ano Total – VAAT) para aquele com menos recursos por aluno saltaria dos atuais 570% para 13.800%. Entre municípios paulistas, essa desigualdade passaria, segundo as estimativas com dados públicos, de 187% para 2.158%. Um dos municípios mais “pobres” do Estado de São Paulo, Francisco Morato, perderia cerca de 55% do seu VAAT – beneficiando municípios relativamente mais ricos e o governo estadual.
Isso ocorreria porque o funcionamento do Fundeb é, grosso modo, a redistribuição de recursos vinculados à educação em cada Estado de acordo com o número de matrículas ponderadas em cada rede de ensino.
Redes com relativamente mais matrículas que impostos vinculados à educação são recebedores líquidos, enquanto redes com relativamente mais impostos arrecadados que matrículas transferem parte de seus recursos para os demais. Vale lembrar que tais recursos do Fundeb só podem ser destinados a despesas com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), parte delas para remuneração de profissionais da educação (conforme será discutido a seguir).
A aprovação do novo Fundeb significou, portanto, um alívio para as redes municipais de ensino mais vulneráveis, que puderam manter os níveis de remuneração dos profissionais da educação e os orçamentos dedicados às escolas públicas. Mais do que isso, sua inserção na parte permanente da Constituição Federal, sem prazo de validade, garantiu a perenidade da política pública que será aprimorada ao longo do tempo e não poderá mais ser extinta sem que haja uma profunda mudança na Constituição.
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Como enunciado anteriormente, o novo Fundeb não é uma cópia do antigo. Ele mantém os mecanismos existentes até 2020, mas traz 17 inovações que alteram seu funcionamento e, em alguns casos, mudam os fluxos de impostos vinculados à educação, elementos para os quais os gestores públicos e profissionais da educação devem estar atentos. Abaixo, são elencadas tais transformações principais, já considerando a atualização da Lei em Dezembro de 2021.
1) Alteração da cesta de impostos redistribuídos pelo Fundeb: foram excluídos da redistribuição os recursos relativos à Lei Kandir e incluídos os recursos relativos às alíquotas adicionais de ICMS para os Fundos de Combate à Pobreza (no Estado de São Paulo, adicional de 2% na alíquota do ICMS de bebidas alcóolicas e de fumo e seus sucedâneos manufaturados);
2) Matrículas contabilizadas na distribuição de recursos dos Fundebs estaduais e da complementação da União: inclui matrículas em instituições privadas conveniadas na educação profissional técnica de nível médio, incluídas aquelas do Sistema S, o que tende a beneficiar os governos estaduais em detrimento dos municípios, uma vez que matrículas de nível médio só são contabilizadas em redes estaduais (conforme Art. 211 da Constituição Federal).
Cabe registrar que essas matrículas deverão ser comprovadas pelas instituições conveniadas e conferidas pelo Poder Executivo do respectivo ente subnacional, em momento anterior ao repasse dos recursos recebidos pela via do Fundeb;
3) Prazo de retificação das matrículas do Censo Escolar: os municípios e estados terão apenas 30 dias para retificar – quando necessário – os dados preliminares do Censo Escolar, não podendo alterar os dados após a publicação final das informações;
4) Fatores de ponderação das matrículas para distribuição de recursos dos Fundebs estaduais e da complementação da União: cria contabilização de dupla matrícula para a educação profissional técnica de nível médio articulada ao ensino regular. A dupla matrícula era computada, até 2020, apenas para atendimento educacional especializado. Isso significa uma vantagem para as redes estaduais. Adicionalmente, a Lei do novo Fundeb vincula conceitualmente a definição dos fatores de ponderação à definição do Custo Aluno Qualidade (CAQ), embora na prática tais fatores não estejam sendo definidos a partir de diferenciais de custo entre as etapas, modalidades e tipos de ensino.
*Cesar Callegari é presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada (IBSA). Foi secretário de Educação Básica do MEC e Secretário Municipal de Educação de SP