É neuropsicóloga, educadora e diretora da NeuroConecte
Publicado em 07/04/2023
Histórico de violência escolar cresce no Brasil. É preciso combater o bullying e a violência na escola
A educação já estava de luto quando atingiram o ‘coração’ da infância. No Sul do Brasil, uma escola de educação infantil é a vítima mais recente. Há um pouco mais de uma semana, em uma mesma manhã, aconteciam mais dois casos de violência escolar. Estes fatos repercutem na mídia despertando a atenção e indignação de muitas pessoas, mas isso é muito pouco perto da ‘ferida’ reaberta no futuro do nosso país.
Leia também
“É tiro, tia.” A rotina de violência imposta às escolas em áreas de risco
O primeiro dos casos mais recentes do país aconteceu em uma escola estadual na cidade de São Paulo, em um bairro vizinho ao meu, no mesmo dia em que uma uma mulher de 28 anos invadiu com armas de fogo uma escola infantil nos Estados Unidos. O agressor, com problemas anteriores de comportamento, era um aluno de apenas 13 anos, que segundo colegas era quieto e de poucos amigos, mas atacou professores e estudantes com uma faca.
O motivo do ataque pode demorar a ser esclarecido, mesmo porque são fatores complexos que ficam abaixo da ‘ponta do iceberg da violência’. Ser vítima ou agressor nos casos de bullying, ou apresentar transtornos mentais, somados aos gatilhos situacionais, geralmente fazem parte da matemática de um cenário violento. O segundo caso, e o mais recente, é com um jovem de 24 anos que tira a vida de quatro crianças em uma escola de educação infantil, trazendo à tona o ódio, sem piedade, fazendo ‘vazar’ o medo, o pânico, o sofrimento e o recrutamento intenso das forças emocionais de cada um.
Segundo uma pesquisa realizada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), entre 2002 e 2023 aconteceram cerca de 23 ataques violentos nas escolas brasileiras. A violência no ambiente escolar é um problema grave e crescente no Brasil, que afeta a segurança e o bem-estar de estudantes, professores e outros funcionários. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, foram registrados mais de 21 mil casos de violência física e verbal nas escolas brasileiras em 2019. Além disso, uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha em 2018 revelou que sete em cada 10 professores já foram vítimas de violência ou intimidação na escola. Esses números alarmantes refletem a gravidade do problema da violência escolar no Brasil, mas também a falta de recursos emocionais dos estudantes e de condições de trabalho dos professores.
A violência nas escolas afeta muito mais do que a segurança física dos alunos e educadores, pois há um impacto negativo na saúde mental, bem-estar de todos e, claro, na aprendizagem dos estudantes. Ou seja, todos perdem, inclusive quem acha que este assunto não lhe diz respeito.
E aí vem as perguntas e questionamentos. Deve ter policial dentro da escola? No meu entender esses episódios são casos de polícia ‘apenas’ no momento de responder rapidamente ao incidente, proteger e trazer um maior clima de segurança aos atores escolares e neutralizar o agressor. Além disso, a polícia também deve realizar uma investigação detalhada do incidente para fins jurídicos reparadores e ajudar na prevenção. Mas compreender as causas e prover as formas de prevenção da violência escolar é fundamental para garantir um ambiente seguro e acolhedor nas escolas brasileiras.
Leia também
A íntima relação entre saúde mental e aprendizagem
Existem diversos fatores que podem contribuir para o comportamento agressivo em crianças e adolescentes. Seguem alguns:
·Fatores individuais, como a falta de habilidades socioemocionais e problemas de saúde mental e baixa autoestima;
· Fatores familiares, como a violência doméstica, disciplina severa e baixo envolvimento parental;
·Fatores escolares, como um ambiente escolar hostil, bullying, pressão acadêmica e ausência de formação de profissionais para perceber situações de risco;
·Fatores sociais, incluem exposição à violência comunitária, uso de drogas e álcool, desigualdade social e conflitos religiosos e políticos.
Mas desde já é importante entender que a agressividade tem dois lados, pode ser saudável e é diferente de comportamento violento ou de atos de violência. A agressividade, por exemplo, pode ser uma resposta à frustração, pode ser uma forma de chamar atenção, pode fazer parte da expressão da raiva e outros, por isso que regras bem estabelecidas e vividas por todos os integrantes da comunidade escolar é primordial. Regras, discernimento e sanções claras em prol do indivíduo e do coletivo e assertividade devem ser a conduta por parte dos professores e afins.
Visando minimizar a violência, ou ainda para sua erradicação, quisera eu ter uma fórmula. Mas um caminho necessário é responsabilizar as partes, e não me refiro apenas ao agressor, mas das plataformas da internet até os consumidores das informações veiculadas, das omissões às ações levianas – todos os cidadãos têm um papel para evitar tragédias desta natureza.
Escute nosso podcast:
Cultivar a convivência, valorizar e ampliar programas, tal como o CONVIVA da SEE-SP, e o Olweus Bullying Prevention Program (OBPP) que se mostraram efetivos, este último eficaz na redução de várias formas de bullying, são as medidas bem-sucedidas para diminuir o bullying nas escolas. A boa pergunta agora é: qual será a medida a ser adotada na sua escola?
Já sabemos que o bullying, o cyberbullying e a baixa autoestima geralmente estão nas bases daquele ‘iceberg da violência’ mencionado anteriormente, relembrando que o ônus recai para muito além da vítima.
Não podemos continuar enxugando gelo e temos uma enxurrada de necessidades nas escolas públicas, mas também, em certa medida, nas escolas particulares. Nossa sociedade está se afogando nos vídeos do Tiktok, na presença descartável e no egoísmo endêmico. Incentivar e criar condições favoráveis são componentes fundamentais do desenvolvimento saudável de uma criança, e também do jovem adulto.
Quando os jovens se sentem bem consigo mesmos têm maior probabilidade de enfrentarem os desafios com confiança e resiliência. Infelizmente, a falta de autoestima e habilidades de relacionamento podem ter consequências graves na vida de um ser em desenvolvimento, incluindo problemas emocionais, dificuldades acadêmicas e até mesmo comportamentos autodestrutivos. Além de ser fatores de proteção que evitam desfechos cruéis. Onde há empatia, boa convivência, diálogo e respeito há segurança, confiança e maior equidade.
Por isso a importância do desenvolvimento das habilidades socioemocionais vinculado à educação para uma saúde mental, mas também as ações efetivas por parte das políticas públicas.
Quando as famílias se envolvem na educação de seus filhos, elas fortalecem a suas relações com o corpo escolar, criando um ambiente em que todos podem trabalhar juntos para apoiar a saúde mental dos jovens. Além disso, pais, professores e outros atores educacionais, juntos, podem identificar sinais precoces de problemas de saúde mental em crianças e adolescentes, permitindo intervenções mais eficazes.
A participação das famílias também é importante para apoiar o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, ajudando os jovens a lidar com o estresse e a pressão social. Falarei mais deste assunto e convido você leitor a participar da palestra gratuita: Escola-família: criando vínculos pela aprendizagem e saúde mental.
Leia também
A diversidade na escola como direito
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) inclui a educação socioemocional como disciplina obrigatória, reconhecendo a importância do desenvolvimento das habilidades socioemocionais para a formação integral dos estudantes. No entanto, para que os professores possam perceber, identificar e manejar as questões socioemocionais de seus alunos, é necessário que sejam capazes de gerenciar as próprias emoções e que haja uma conexão com fatores de proteção para a saúde mental.
O treinamento dos professores em competências socioemocionais vinculados aos temas como prevenção do bullying e promoção da saúde mental pode incluir estratégias de gestão emocional como a respiração consciente e a identificação de emoções, além de técnicas de comunicação não violenta e de resolução de conflitos. Além disso, é importante que os professores estejam cientes dos recursos disponíveis para encaminhar alunos com problemas de saúde mental para atendimento especializado e que as escolas realizem programas de convivência e combate à violência. É o que precisamos investir, sem respostas fáceis, mas responsivas.
● Conversando sobre saúde mental e emocional na escola
● Diga NÃO ao silêncio: O guia completo para escolas sobre como abordar a prevenção ao suicídio com alunos e pais
Referências e programas:
1-Newsletter Olweus Bullying Prevention Program.
● Gaffney, H. Farrington, D. P., & Ttofi, M. M. (2019). Evaluating the effectiveness of school-bullying prevention programs: An updated meta-analytical review. Aggression & Violent Behavior, 45, 111-133.
● Gaffney, H. Farrington, D. P., & Ttofi, M. M. (2019). Ex- amining the effectiveness of school-bullying interventions globally: A Meta-analysis. International Journal of Bullying Prevention, 1, 14-31.
2- Conviva- Programa da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, hoje capitaneado pelo coordenador Mauro Augusto Almeida e que tem o apoio da Fundaciòn Mapfre, por meio do apoio técnico da Neuroconecte e da Unifesp.
Refugiados: para além de um lar, a garantia da escolarização