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Adriana Fóz

É neuropsicóloga, educadora e diretora da NeuroConecte

Publicado em 22/03/2023

A íntima relação entre saúde mental e aprendizagem

Uma boa saúde mental pode predizer uma boa capacidade de aprendizagem, principalmente após anos tão difíceis e custosos à educação

Uma boa saúde mental pode predizer uma boa capacidade de aprendizagem. Mas, e se o estudante está deprimido ou com um rendimento abaixo do esperado? Estas são razões para se compreender tal relação, principalmente após anos tão difíceis e custosos à educação.  


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Falar sobre aprendizagem é sem dúvida falar também das dificuldades e suas variáveis. Mas, vamos descomplicar? Problemas de aprendizagem podem ser entendidos de várias formas. Aqui alguns pontos-chaves, a começar pela diferença entre uma mera dificuldade e um transtorno. Os transtornos de aprendizagem (TAs), que eram anteriormente chamados de distúrbios, são um grupo heterogêneo caracterizado por falhas inesperadas do indivíduo em adquirir, recuperar e/ou usar informações de modo competente e/ou esperado. O TA é um termo genérico referindo um grupo de desordens ou disfunções no sistema nervoso central, manifestadas por dificuldades na aquisição e no uso de habilidades, tais como falar, ler ou raciocinar, as quais não dependem, prioritariamente, do ambiente e tampouco se constituem como sinônimo de falta de inteligência. 

Já a dificuldade de aprendizagem depende mais do ambiente. É quando uma regulação faz com que a dificuldade seja pontualmente superada. Por exemplo, uma criança trocou de lugar na classe e melhorou o desempenho, ou após mudar de escola recuperou os conteúdos e está mais engajada e feliz.

Importante saber que há mais alunos com meras dificuldades do que com um transtorno de aprendizagem. Por volta de 40% da população em idade escolar pode apresentar dificuldades de aprendizagem. Apenas entre 3% e 5% teriam um transtorno de aprendizagem, como apontam várias pesquisas. E vale a pena ressaltar que problemas de memória, de atenção e dificuldades no gerenciamento das interações sociais não são considerados TAs. 

Se a criança, por exemplo, apresentar uma instabilidade na sua memória operacional ou memória de trabalho, não necessariamente configurará um caso de TA. Ademais, transtornos mentais também têm uma etiologia complexa, passando por questões que vão desde o nível genético, o momento histórico, as condições socioeconômicas, até as características da comunidade em que está inserida a criança. A susceptibilidade maior aos problemas de saúde mental tem a ver com a falta de suporte, a características da personalidade e temperamento, que podem influenciar no aparecimento da doença mental*. 


Escute nosso episódio de podcast:

 


Os profissionais da saúde e educação estão ‘observando’ o impacto da pandemia pelo SARS-CoV-2 e de outros fatores, tanto na saúde da mente quanto na aprendizagem dos alunos. Uma pesquisa da FMUSP em 2021 mostra que mais de um terço dos jovens (entre cinco e 17 anos) apresentavam níveis clínicos de sintomas ansiosos e depressão. Estes sintomas ‘conversam’ com as dificuldades de aprendizado, e não é de agora.  No entanto, uma criança que apresenta um transtorno e é tratada pode gozar de saúde integral, aquela que transcende ao físico, envolvendo as emoções, a cognição, ou melhor, a mente e seu organismo.

O reconhecimento precoce e o encaminhamento a profissionais de saúde mental qualificados para diagnósticos e tratamentos basea­dos em evidências são necessários para alcançar o melhor resultado possível. Identificar qual questão se encontra mais na base, ou seja, perceber se a dificuldade na atenção se mostra mais prevalente do que a dificuldade para aprender a matemática. Isso exige muita experiência e comprometimentos dos especialistas em questão. 

Ademais, cabe à escola orientar a melhor conduta para a aprendizagem escolar do estudante. Não há um único caminho ou tratamento mágico. Mas é possível escolher por condutas mais adequadas e reavaliar sempre que possível. No consultório temos recebido famílias e jovens em sofrimento pelo exagero de cobranças das escolas particulares. É claro que esta pode ser a realidade para famílias que fazem parte de menos de 2% da população.

Por outro lado, 50% dos estudantes com 15 anos de idade não atingiram o nível mínimo na última edição do Pisa (2018), quadro este agravado após a pandemia. Não entro no mérito do descaso com a educação básica pelo anterior governo, contudo, meu intuito é sensibilizar para os entendimentos da íntima relação entre a saúde mental e a aprendizagem desenvolvida na escola. 


Leia: Neuroeducação abre possibilidades de melhoria nas estratégias de aprendizagem


Melhorar os problemas da educação pública passa por conhecimentos de ordem sistêmica, de gestão e responsabilidades entre as partes. Tanto uma criança quanto um adolescente precisam ser vistos e atendidos considerando seus aspectos emocionais e mentais subjacentes ao pedagógico. O que aponta para a importância e necessidade de as escolas e os serviços de saúde mental apresentarem esforços para um maior cuidado e comunicação mais efetiva junto aos pais, professores e especialistas.

Afinal, da mesma forma que uma criança não aprende de ‘barriga vazia’, não aprende também com uma mente ‘cheia’ de medos, angústia, ansiedade, sem contar o estresse nocivo, o qual compromete, além da saúde, a capacidade para uma aprendizagem de acordo com o esperado para a faixa etária correspondente. Para tanto, indico o e-book Conversando sobre saúde mental e emocional na escola** – para baixar gratuitamente.

Da integralidade do aluno à necessidade da boa formação e condições de trabalho do professor, somente assim vislumbraremos uma educação brasileira mais ‘saudável’. 

*Em janeiro do ano passado, a autora conversou em live com Guilherme Polanczyk, psiquiatra da infância e adolescência da USP. Assista em https://bit.ly/40LKprg 

**E-book resultado da parceria entre Fundación Mapfre e a Secretaria da Educação do Estado de SP por meio do CONVIVA, com a realização técnica da Unifesp e NeuroConecte: www.neuroconecte.com/livro

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