Professor de pós-graduação em educação: currículo na PUC-SP e secretário municipal de Educação da cidade de São Paulo (2001-2002)
Publicado em 29/11/2022
Será ela uma proteção e/ou uma rede de convívio? Será ela uma ‘parede’ prisioneira ou uma ‘rede’ de mentiras e enganos – indução ao consumo ou ao fechamento em bolhas?
Há sempre múltiplas formas de comparar a escola com algumas de suas finalidades, com suas práticas e seus resultados. Escola ‘guardiã’ da cultura, ‘celeiro’ de cérebros, ‘patrimônio’ da sociedade, ‘estrada’ da sabedoria, a ‘castradora’ da criatividade, a ‘morte’ da liberdade…todas são metáforas do que podem ser as escolas.
Só que as metáforas são sempre imperfeitas. Elas são ricas, mas trazem falhas e por isso é bom mostrar-lhes as suas induções a erros conceituais. Não se trata de dizer que não se deva criar metáforas para entender a vida. A rosa é sempre uma bela metáfora do amor, mas não esgota a inteligibilidade do amor. A metáfora é uma forma de sermos cativados pela beleza, ironia, pungência ou pela violência, pois as metáforas nos permitem reviver algo perdido no cotidiano.
No caso deste artigo sobre educação escolar, o título nos aproxima da crise da escola entre sua dimensão de parede – velha crítica à escola, nascida nos meados do século passado e intensificada com a chegada massiva das TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação) como suporte ou modo de pensar. De outro lado, numa visão mais moderna e leve, dizem que a escola deveria se entender como uma rede. Uma rede como símbolo de articulação e extensão sem fim e de total diálogo sem quebras nem hierarquias. Ambas as metáforas são ótimas de um lado e enganosas de outro.
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O aspecto de parede da escola tem duas fundamentações diversas: a violência coercitiva de seus métodos disciplinares e o seu caráter reprodutivista pelo qual sua função única (ou preponderante) é o reforço e manutenção de dado modelo econômico que a abriga.
O uso de ‘paredes’ em instituições sociais como prisões, manicômios, hospitais e escolas foi classificado marcadamente por Michel Foucault (1926-1984) como representação arquetípica de suas idênticas dimensões ideológicas de coerção, de gradeamento e de perda de liberdade.
No entanto, ‘parede’ pode ser também proteção, abrigo, intimidade, além de um local para juntar pessoas e festejar ou dar segurança contra as feras, ou ainda como abrigo do frio. As paredes podem ser de palha, de bambu, de papel, de vidro ou de tijolos. Elas podem ser metáforas de proteção e intimidade e também opostamente metáforas de coerção e prisão. A escola, afinal, é o quê?
A ‘rede’ como metáfora também pode ser entendida como embaraço, prisão e engano.
Rede de mentiras, arapucas, enovelamento, enredamento em enganos…Ou pode ser uma rede que permite o acesso a muitas localidades de maneira colaborativa e com ligações múltiplas e cheia de opções. A escola, afinal, é o quê?
De fato, a escola e as redes virtuais de conhecimento trazem essas duas dimensões, como quase todas as instituições humanas. A perspectiva deste artigo é trazer questões para um exercício crítico de análise do projeto pedagógico e curricular de uma escola: será ela uma proteção e/ou uma rede de convívio? Será ela uma ‘parede’ prisioneira ou uma ‘rede’ de mentiras e enganos – indução ao consumo ou ao fechamento em bolhas?
Um bom roteiro para diagnosticarmos a crise ou os acertos da escola (e do seu currículo) está na clareza de seu escopo e de sua origem – dos sentidos das metáforas que a constroem.
Quais as várias formas de entender os acertos e as crises da escola assim como da educação formal?
A crise da escola se deve a ela não ser universal (nem todos estão nela)? De que não há condições de trabalho para alunos e professores? Ou a crise é evidenciada pelo fato de que não se está aprendendo adequadamente ou sobre sua falta de sentido? Qual é a dimensão de educação que se está desenvolvendo na escola? A quem servem as relações que se estabelecem na escola? O que a escola vem fazendo pela tecnologia, para que ela se torne humana e com sentido social?
Embora possa parecer que as frases acima são de efeito meramente lógico, elas parecem importantes como forma de mudar o rumo da conversa: a pergunta a ser feita não é “o que as modernas tecnologias podem fazer pela escola, mas o que a escola pode fazer para educar as tecnologias? Ou o que a escola pode fazer pelas redes sociais?”
A perspectiva da vigilância e as fake news criadas nas redes sociais vão trazer uma dimensão assustadora à inocência e ao descuido com que todos nós nos debruçamos sobre o uso das TICs em nossas casas e escolas. Esse é um dos efeitos da escola como rede. Rede como ‘prisão’, como enredamento para um mundo questionável. Tudo vai acontecendo sem percebermos os imensos e refinados dados que estamos entregando para o uso de um controle que cria um novo e difuso Estado transnacional de controle assentido. É uma pandemia envenenadora com que o vírus da abertura de todos os dados íntimos são entregues irresponsavelmente a um grande irmão que se estende em rede e que não respeita ‘paredes’.
De outro lado, a função da escola como ‘parede’ esconde um mundo de desafios, de criatividade, de percepção de novas realidades as quais o jovem e a criança têm que conhecer. Mas, como parede, precisa se abrir a outras realidades tais como os desafios do mundo digital, da inteligência artificial, das questões do alongamento da vida e dos inventos genômicos, e das novas formas de energias. Só que a parede se quebra, ou se torna transparente, quando a partir do seu abrigo vemos as causas dos problemas do mundo concreto, e não apenas do mundo virtual. A protetora parede da escola se complementa com as redes sociais e de aprendizagem coletiva no sentido de enfrentar a realidade da economia, da distribuição das riquezas, das questões da destruição ambiental, das delicadezas das relações humanas, da fome, das guerras, assim como do futuro de toda a humanidade.