NOTÍCIA
Especialistas alertam sobre atrasos no programa de escolha e distribuição de materiais didáticos para todo o país
Publicado em 18/05/2022
Com mais de 30 anos de existência e sendo fundamental para a equidade do sistema público brasileiro, o Programa Nacional do Livro e Material Didático (PNLD) passa por um momento crítico. Ele foi ampliado em 2017 para incluir, além dos livros didáticos que os alunos recebem nas escolas de todo o país, também materiais digitais, obras literárias e de formação docente. As mudanças são vistas pela maioria dos educadores e editores como positivas, só que começaram a surgir problemas de cronogramas questionáveis e prazos apertados demais.
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Neste ano letivo, os estudantes de ensino médio receberam novos materiais didáticos, já de acordo com a proposta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Um dos problemas apontados pelos especialistas, porém, é a demora para o envio do material para a formação de docentes para o novo ensino médio e dos recursos digitais. Foi a primeira vez que, além dos livros para os alunos, foram incluídos materiais para professores e recursos digitais.
“O PNLD é um programa exemplar para o mundo inteiro. Mas a gente precisa que os livros cheguem na hora certa”, afirma Lauri Cericato, especialista em PNLD e políticas públicas educacionais. Como a reforma do ensino médio entrou em vigor este ano, houve muitas mudanças na etapa, como a inclusão de projeto de vida. Além disso, os livros didáticos deixaram de ser seriados e divididos por disciplina e agora estão organizados por áreas de conhecimento. A ideia é promover o trabalho integrado entre as disciplinas tradicionais e dar mais flexibilidade para o professor, que pode trabalhar na sequência que fizer mais sentido para sua realidade.
“Os materiais didáticos que chegaram às escolas já são adequados para a BNCC, só que os professores não receberam formação para usá-los. O professor que sempre ensinou química vai encontrar o livro de ciências da natureza completamente diferente daquela a que estava acostumado. Ele deveria ter recebido o material com as orientações antes de tudo”, alerta Lauri. A previsão, contudo, é que cheguem só no meio do ano.
Silvia Panazzo, presidente da Associação Brasileira dos Autores de Livros Educativos (Abrale), defende que os livros para os docentes serão muito úteis em qualquer momento, pois a transição para o novo ensino médio está em processo. Mas ela também considera que o atraso trouxe prejuízos para as escolas. “O esforço em alinhar essa política pública às demandas inéditas trazidas pela reforma torna o PNLD ainda mais relevante, especialmente se considerarmos as condições adversas que se fazem presentes na realidade de muitas redes de ensino. Isto posto, idealmente, a entrega dessas obras no início do ano letivo tornaria acessível às equipes gestoras e aos professores essa ferramenta complementar que estudada e debatida pelos profissionais da rede tem potencial para impulsionar o processo de formação continuada em curso.”
Se esse é um problema que já chegou às salas de aula, as editoras e os autores preocupam-se ainda com o que pode acontecer em 2024, ano em que devem ser enviados os materiais para a segunda etapa do ensino fundamental, por causa de prazos excessivamente apertados. “O funcionamento do PNLD é uma grande “engrenagem” composta por etapas subsequentes, mas interdependentes. Dessa forma, a questão do cronograma precisa ser vista de maneira sistêmica para buscar soluções para pontos de estrangulamento que não necessariamente podem estar na fase de entrega das obras, mas que acabam por afetá-la, incorrendo em atrasos indesejáveis”, disse a presidente da Abrale.
O edital para 2024, que era previsto para ser publicado em dezembro, saiu apenas em abril, e deu às editoras apenas quatro meses para a elaboração das propostas, um prazo considerado perigosamente estreito.
“Historicamente, as editoras sempre querem mais prazo; é natural. Faz 26 anos que trabalho com PNLD e nunca houve uma situação como a atual. Para se ter uma ideia, o edital anterior para a mesma etapa tinha o dobro do prazo. E era de uma complexidade muito menor”, afirma Ricardo Tavares, vice-presidente da Abrelivros (Associação Brasileira de Livros e Conteúdos Educacionais).
A maior complexidade se deve ao fato de que, além dos livros impressos, as editoras devem entregar uma versão em HTML 5, uma linguagem de programação que permite a inserção de recursos interativos.
O gargalo do tempo não pode ser contornado com contratações extraemergenciais, garante Ricardo. “Não existe mão de obra para contratar, parceiros ou fornecedores para atender o que as editoras gostariam de fazer. Não dá para produzir.” No momento, a Abrelivros pediu uma reunião com o Ministério da Educação (MEC) e espera conseguir negociar o cronograma. Se não for possível, a solução vai ser reduzir o número de obras que vão ser inscritas no programa, o que traz impactos em sala de aula ao diminuir a variedade da oferta. “Se uma editora gostaria de apresentar dois livros, vai preferir fazer só um. Haverá menor diversidade, e também maior susceptibilidade a erro”, avalia o vice-presidente.
Outra preocupação do setor no edital para 2024 é na parte das obras literárias. Houve uma mudança inesperada: cada editora só poderá inscrever um livro por etapa. Isso significa que muitos autores não vão chegar aos estudantes, porque as editoras de grande porte têm em seu catálogo vários autores de peso. A Salamandra, por exemplo, é quem publica Ruth Rocha, Pedro Bandeira, Ilan Brenman e Walcyr Carrasco. Com as novas regras, apenas um deles poderá ir para as escolas.
Fontes do setor indicam que a mudança se deve à falta de avaliadores dentro do MEC. Em vez de reforçar a equipe, decidiu-se por reduzir o número de obras no processo. O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia do MEC responsável pelo PNLD, foi procurado pela reportagem para comentar o assunto, mas não respondeu.