Mestre em letras e consultora de gestão de projetos educacionais para redes públicas e privadas de ensino
Publicado em 22/03/2022
O primeiro aspecto é do pertencimento; os corpos negros não estão presentes nos currículos
Uma sala de aula composta por meninas negras onde a professora propõe o tema da aula do dia: “A gente vai falar sobre a escola dos sonhos. Como é a escola que vocês sonham?”.
Com a imaginação correndo solta, as proposições vão desde aulas sobre o espaço sideral à inclusão de rap na aula de música – uma escola que não tenha racismo, mas que tenha piscina e mais meninas negras, entre outros pontos.
Leia também
Entenda o que é uma educação antirracista e como construí-la
Documentário de Emicida inspira professora da rede pública
Essa é a discussão que inicia o minidocumentário Por que preciso voltar à escola?, dirigido pela criadora de conteúdos e empresária Ana Paula Xongani por meio da iniciativa Creator’s for Change promovida por Michelle Obama em parceria com o YouTube. No vídeo, Xongani rememora sua relação com a escola e as relações que ali aconteciam por meio de uma carta a sua filha, indagando por que esse ambiente que lhe traz memórias duras de desafeto e solidão é aquele ao qual ela, agora mãe, também “entrega” sua filha.
Em outubro de 2021, a organização Todos pela Educação lançou o Educação Já 2022, uma proposta de agenda estratégica para a educação básica brasileira, com vistas à necessidade constante de discutir e propor caminhos para políticas públicas a serem implementadas em prol de uma educação de qualidade para todos. Os tópicos que organizam o documento estão dispostos em dois pilares: ações para mitigar os impactos da pandemia na educação brasileira e ações estratégicas e sistêmicas para a educação básica. No primeiro pilar, são tratadas questões que perpassam a evasão escolar; ações de acolhimento; superação de lacunas de aprendizagem e a inclusão digital. Todos aspectos emergentes que não surgiram com a pandemia, mas, sem dúvida, foram impulsionados e explicitados por ela.
Dos quatro itens citados, vejo a realização de ações de acolhimento de modo transversal, uma vez que para garantir que todos permaneçam ou retornem à escola e que nela sejam acolhidos para que tenham ali retomada a rotina estudantil em prol de seu desenvolvimento integral é necessário cuidar de todas as crianças para que todas possam aprender, e é nesse aspecto que retorno ao documentário de Xongani.
Ao longo do filme, um grupo de especialistas discorre sobre como se dão as relações das meninas negras na escola. Os dados são alarmantes. O primeiro aspecto é do pertencimento; esses corpos não estão presentes nos currículos, e além disso, as relações, desde a mais tenra infância, são pautadas pelo racismo e machismo, uma vez que o racismo estrutural se desdobra pelos estereótipos de gênero; e o quanto isso impacta no comportamento dessas meninas, cuja resposta pode vir na forma de timidez, desinteresse ou até agressividade.
A agenda da educação em 2022 traz grandes desafios para educadores, famílias e poder público, por isso, não podemos perder de vista que no momento em que práticas pedagógicas são revistadas, há que se pensar em como transformar os modos de aprender e de ensinar, percebendo as potencialidades e especificidades que estão postas. Afinal, como concluiu Ayoluwa, filha de Ana Paula Xongani, o que se espera é que aquela escola dos sonhos se torne realidade.
Damaris Silva é mestre em letras e especialista em gestão escolar