Mestre em letras e consultora de gestão de projetos educacionais para redes públicas e privadas de ensino
Publicado em 17/03/2022
O labirinto de conteúdos disseminados nas redes sociais requer mediação equilibrada de como se recebe o que é lido
Um leitor competente é aquele capaz de ler além do que está escrito, ele lê as entrelinhas, além de fazer relações com outros textos lidos e ser capaz de falar sobre eles sem desmerecer a importância de discernir um fato de uma opinião. Acredito que formar esse sujeito é uma das entregas mais valiosas da escola. A cada dia percebo a necessidade de termos (e sermos) bons leitores.
Diariamente há debates importantes sendo tratados de modo superficial — às vezes violento — nas redes sociais. São milhões de jovens lendo os fatos a partir de diferentes pontos de vista. Ao nos apropriarmos da quantidade de conhecimento que pode ser gerado a partir de um tuíte, começamos a entender novas experiências de leitura e de escrita, e não podemos negá-las.
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Assuntos que muitas vezes a escola tenta tratar por meio de um livro paradidático estão ali, sendo amplamente discutidos. Dar voz a essas leituras, saber reconhecê-las, confrontá-las e ampliá-las é também formar leitores competentes.
Ler a vida no morro pela ótica da carioca Samara Mapoua Mapoona (personagem criada pelo influenciador digital Yago Gomes), que publicou em seu Instagram uma série de vídeos em que passeando descreve a Rocinha, me trouxe um olhar sobre aqueles que foram social e geograficamente marginalizados, tão esclarecedor quanto o de Aluísio Azevedo em O Cortiço.
Não busco a hierarquização desses saberes, meu ponto aqui é que tanto um quanto o outro me tornaram uma leitora melhor. Leitora do mundo e da sociedade em que vivemos e, portanto, mais bem preparada para intervir e atuar sobre eles.
Entre as polêmicas e o potencial das discussões promovidas nas redes sociais, falta uma mediação adequada e a ampliação do debate. Se os educadores devem ocupar o lugar de mediadores do conhecimento, há que se reconhecer de onde vêm todas essas aprendizagens.
Não podemos tratar nossas crianças e jovens leitores como A Leitora, de Fragonard. A leitora do século 21 está dentro de um ônibus, com o celular nas mãos e o fone nos ouvidos.
Em Ensinando a transgredir, bell hooks traz como característica de sua pedagogia a importância de se afirmar a presença dos alunos em sala de aula, partindo do pressuposto de que todas as experiências, sejam elas de classe, gênero ou raça, devem ter voz e serem levadas em conta.
Para a autora, isso melhora a nossa experiência de aprendizado. Ser um leitor competente é empolgante, e estimular esse entusiasmo exige do educador — estendo este grupo a professores, gestores escolares, editores, livreiros — uma posição contínua de transgressão frente aos materiais e métodos utilizados. Tentador, não?
Damaris Silva é mestre em letras e especialista em gestão escolar