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Formação docente

Professoras discutem a construção cultural que resultou na feminização do trabalho docente

Entender a relação entre ser mulher e educadora, bem como a feminização do trabalho docente é fundamental hoje, 8 de março, Dia Internacional das Mulheres, bem como em todos os outros dias do ano. Quando o assunto é educação básica, as mulheres são uma maioria […]

Publicado em 08/03/2022

por Gustavo Lima

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Entender a relação entre ser mulher e educadora, bem como a feminização do trabalho docente é fundamental hoje, 8 de março, Dia Internacional das Mulheres, bem como em todos os outros dias do ano. Quando o assunto é educação básica, as mulheres são uma maioria “esmagadora”. Segundo dados do MEC, representam 96,4% na educação infantil, 88,1% nos anos iniciais do fundamental e 66,8% em seus anos finais. Além de 57,8% do total de docentes no ensino médio. Mas qual a razão dessa maioria? Para Marcia Gobbi, professora da Faculdade de Educação da USP, isso não se dá por predestinação.

A docente enfatiza a existência de uma construção cultural em que foram forjadas, ao longo de décadas, ideias de que a mulher possui certa inclinação aos cuidados com outras pessoas. Marcia, no entanto, salienta que não se trata de um determinismo biológico. “É importante sublinhar isso, pois remete ao pensamento de que, por tais feitos, não somos profissionais e, portanto, não carecemos de salários compatíveis com nossa formação e atuação”, diz.

Marcia Gobbi também é doutora em educação (foto: reprodução)

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Leia: Conheça a luta de seis mulheres indígenas inspiradoras

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Ao mencionar a desigualdade salarial no mercado, a professora parafraseia a escritora e filósofa Silvia Federici:

“Sobretudo na educação básica, é um trabalho que, embora remeta a afeto e amor, não se trata apenas de amor e paixão. Isso também é trabalho não pago, ou mal pago, nesse caso específico”, afirma.

“A opressão feminina, da qual o capital se beneficia e com a qual se reproduz, alastra-se também à docência. Esse cenário repercute na existência da maioria de mulheres na educação básica, ou seja, há uma combinação entre baixos salários e a naturalização da propensão aos cuidados”, completa.

Desigualdades no chão da escola

Coordenadora pedagógica da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) José Pedro Leite Cordeiro, em SP, Margarida de Sousa Barbosa atribui tais ideias, bem como a feminização da profissão, à desvalorização do trabalho docente. A profissional, que trabalhou durante 20 anos como professora na educação infantil, conta sobre as desigualdades notadas por ela.

“Percebi que os homens que ocupavam esse lugar eram desvalorizados por estarem atuando em uma profissão ‘feminina’. Questionavam suas capacidades e, inclusive, sua orientação sexual. Por vezes as famílias se mostraram desconfortáveis ao terem suas crianças sob cuidado e orientação de um professor”, explica Margarida.

Para a educadora Margarida, homens e mulheres são tratados de forma diferente na profissão (foto: arquivo pessoal)

Homens na gestão

Contudo, a perspectiva muda quando se trata dos cargos de gestão. “Os homens são tratados de maneira diferente, como se fosse ‘natural’ estarem alí. Percebo também que muitos professores buscam logo esses cargos em sua carreira, ou são os primeiros a serem indicados, enquanto que grande parte das professoras que ficam em sala de aula, se recusam ou não acham que são competentes para isso”, argumenta. Essa diferença no olhar para diferentes posições dentro da área também é apontada por Patricia Rossi Torralba Horta, doutora em educação e psicopedagoga e professora no Instituto Singularidades.

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Leia: O que muda com a Base Nacional de Formação dos Professores

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Horta, que em dois momentos assumiu o cargo de direção, relata a dificuldade em se ver e ser vista na função. “Na primeira vez que assumi o cargo, da educação infantil até o ensino médio, foi uma experiência muito válida. Mas aí eu senti que ainda não era fácil essa função de ser olhada por uma mulher. Pelos pais e talvez até por mim mesma”, avalia. Patricia também ressalta que o perfil idealizado para a função era outro. “Foi um momento em que eu vi que, na história, talvez eu tenha lidado com poucas mulheres sendo diretoras de uma escola. Não digo apenas da educação infantil ou só do fundamental, mas de uma escola em todos os seus ciclos. Eu também tive que lutar e cuidar muito para desconstruir esse lugar tão masculino na minha cabeça”, declara.

Em seus anos de trabalho, a pedagoga se desafiou a manter diálogos que promovessem a validação de sua potência enquanto profissional. “Eu conversava com as professoras, de não desqualificar o nosso saber, de argumentar, de fazer validar a nossa voz. Estar presente nos estudos, nos seminários, nas discussões da escola e valorizar. Me vi batalhando e internamente colocando esse desafio de não menosprezar o conhecimento construído nessa etapa da escolaridade”, defende.

“Tive que lutar e cuidar muito para desconstruir esse lugar tão masculino na minha cabeça”, diz Patricia Horta (foto: divulgação)

Ao falar sobre o papel feminino no ensino superior, Patricia reflete sobre a conduta atribuída à mulher ao longo dos anos. “A figura da mulher é muito interessante enquanto aprendente porque, muitas vezes, a figura da boa aluna funciona até o fundamental 2 e, depois, a mulher vai ver que esse papel tão cordato, obediente e pouco investigativo não será valorizado”, aponta.

Horta acredita na necessidade de romper com muito dessas marcas. “Enquanto a escola é muito voltada à cópia, ao estudo mais obediente e pouco questionador, as mulheres até uma certa etapa se dão bem. Mais tarde, quando precisamos aprender a problematizar, duvidar e questionar, para muitas mulheres isso já ficou muito marcado e difícil de desconstruir. Talvez seja por isso que poucas depois percebam o desejo de atuar também na faculdade”, complementa.

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Gustavo Lima


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