ARTIGO
Em celebração aos 100 anos de dois ícones da educação mundial, ocorreu na manhã de hoje, 27, o Cel.Lep Talks com o tema Centenário Freire e Morin: pensamentos convergentes numa relação dialógica com educadores. Com seis painéis em dois dias, o evento é gratuito, online […]
Publicado em 27/09/2021
Em celebração aos 100 anos de dois ícones da educação mundial, ocorreu na manhã de hoje, 27, o Cel.Lep Talks com o tema Centenário Freire e Morin: pensamentos convergentes numa relação dialógica com educadores. Com seis painéis em dois dias, o evento é gratuito, online e conta com certificado para os inscritos. A Revista Educação realizou a curadoria das palestras, que destacam assuntos como a complexidade e o diálogo como caminhos para a construção social do mundo.
Na primeira manhã de palestras, os educadores e pensadores convidados destacaram os impactos internacionais de Edgar Morin (1921) e de Paulo Freire (1921-1997) na defesa da educação, da cultura e da pesquisa.
Conhecido por obras seminais como Os sete saberes necessários à educação do futuro e propagador do pensamento complexo, o francês Edgar Morin completou 100 anos em 8 de julho. Se estivesse vivo, Paulo Freire, com obras como Pedagogia da Autonomia e “Pedagogia do Oprimido”, completaria um século em 19 de setembro.
Leia: 100 anos de Paulo Freire: ler o mundo antes das palavras
Silvia Fiorese, diretora acadêmica do Cel.Lep, abriu o evento e chamou o professor doutor Fernando José de Almeida, da PUC-SP, para fazer a mediação. Ele iniciou sua fala afirmando ser impossível viver junto sem ter uma perspectiva de diversidade e harmonia. À medida em que todos disputam um espaço no mundo da comunicação e das ideias, falar sobre Freire e Morin torna-se ainda mais fundamental.
“A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa.” Paulo Freire em Educação como prática da liberdade (1967)
Inara Couto, gerente de desenvolvimento de cursos do Cel.Lep, abriu os trabalhos da manhã com o tema Educando para a identidade planetária. No Cel.Lep desde 1978, Inara atua como professora e coordenadora pedagógica, além de ser membro da equipe de capacitação de professores e de desenvolvimento de cursos.
A docente iniciou a arguição destacando a diversidade da unidade, sobre sermos todos únicos e, ao mesmo tempo, todos iguais. Licenciada em português e inglês e mestre em ensino do inglês como segunda língua pela Universidade de Birmingham, no Reino Unido, Inara ressaltou a importância do livro Os sete saberes necessários à educação do futuro, de Edgar Morin. Num momento emocionante, ela relembrou a leitura do livro A chave do tamanho, de Monteiro Lobato, aos oito anos de idade, cujo trecho a seguir mostrou: “A humanidade forma um corpo só. Cada país é um membro desse corpo, como cada dedo, cada unha, cada mão, cada braço ou perna faz parte do nosso corpo. Uma bomba que cai numa casa de Londres e mata uma vovó de lá, como eu, e fere uma netinha como você ou deixa aleijado um Pedrinho de lá, me dói tanto como se caísse aqui.”
A partir de um olhar sensível e planetário, ela também apontou os pilares da educação da Unesco – aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser -, os 17 objetivos para o Desenvolvimento Sustentável da ONU e as 10 competências gerais da educação básica, da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que está em consonância com as ideias de Morin: “A educação do futuro deverá ser o ensino primeiro e universal, centrado na condição humana. Estamos na era planetária; uma aventura comum conduz os seres humanos, onde quer que se encontrem. Estes devem reconhecer-se em sua humanidade comum e, ao mesmo tempo, reconhecer a diversidade cultural inerente a tudo que é humano.”
Inara mostrou alguns materiais do Cel.Lep, do ensino infantil ao médio, que destacam a diversidade, a confraternização e a unidade da diversidade.
Leia: Educando para a identidade planetária
No momento seguinte, Alexandre Saul, coordenador da Cátedra Paulo Freire da Universidade Católica de Santos, abordou a pedagogia crítica e libertadora de Freire a partir do tema A utopia necessária. Saul, que também é professor de pós-graduação em educação da mesma instituição e doutor em educação, mostrou o legado freireano para os dias de hoje e a urgência de uma educação que se paute na transformação da sociedade como um todo.
Ele iniciou sua argumentação a partir da citação de Antonio Gramsci: “A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo não pode nascer; neste interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem”. Desta forma, salientou a importância de recusar o fatalismo e enfatizou a necessidade da utopia.
Alexandre Saul destacou, na obra de Paulo Freire, as categorias do sonho e da utopia como fundamentais para a transformação social. É preciso trabalhar e educar a esperança, mas uma esperança ativa para a superação das desigualdades. “No momento em que a democracia sofre ameaças, é preciso ter a utopia necessária que permita ver o mundo sob a ótica dos oprimidos e abrace seus interesses”, expôs Saul. O projeto freireano vai além do campo das ideias: ele pode inspirar novas práticas e métodos. “Trata-se de recriar Paulo Freire no contexto atual”, complementa.
Ele respondeu sobre a questão do analfabetismo e de como isso é um projeto político no Brasil. Muitas vezes, Freire é criticado por ser mal entendido. Para o poder político e econômico, não interessa um sujeito crítico, que promova mudanças. “A política e a prática de Paulo Freire não foram adotadas em larga escala como política nacional”, ressalta Saul.
Neste contexto, é preciso uma escola que trabalhe com a linguagem das possibilidades, se oponha ao autoritarismo e permita ao indivíduo que se reconheça como sujeito, com um currículo voltado à emancipação do ser humano. “É preciso recusar um otimismo ingênuo, de que apenas a educação transforma a sociedade. É preciso esforço político, organização, mobilização e forças históricas favoráveis”, finaliza Alexandre Saul.
No encerramento do evento, Veruska Gallo, coordenadora de capacitação do Cel.Lep, abordou o tema Trilha formativa docente. Na área de ensino de inglês há 20 anos e no Cel.Lep desde 2007, Veruska é graduada e licenciada em letras pela USP, pós-graduada em formação de professores de inglês para crianças e adolescentes pela PUC-SP.
Ela enfatizou os ensinamentos de Morin para a compreensão da cidadania humana. Para tanto, são necessárias novas práticas educativas centradas na diversidade cultural e na pluralidade. Com experiência como professora de diferentes faixas etárias, autora de materiais suplementares para o público infantojuvenil e parte da equipe responsável pela formação de professores do Cel.Lep, Veruska também mostrou que a aprendizagem da língua inglesa tem função social e política na BNCC.
Em sua fala, destacou que a formação do docente precisa ter um caráter mais amplo, e não somente técnico. “A língua inglesa traz também o eixo da dimensão cultural. O inglês passa a ser também direito do cidadão”, complementa Veruska. Assim, no caso do Cel.Lep, os princípios da linha formativa docente vão muito além do conhecimento técnico da língua, abarcando o acolhimento, a capacitação direcionada e o desenvolvimento do educador.
Veruska enfatizou que, de acordo com Freire, “ensinar exige reflexão crítica sobre a prática” e “consciência do inacabamento”, ou seja, é preciso fomentar a autonomia do processo reflexivo do docente.
Após os painéis, o público enviou perguntas via chat, que foram respondidas pelos convidados. Temas como liberdade, emancipação e utopia foram debatidos pelos três palestrantes.
Amanhã, terça-feira, das 9h às 12h, o evento em celebração ao centenário de Freire e Morin segue com mais três palestras. Após a inscrição gratuita, o link para acesso é enviado por e-mail.
António Nóvoa: aprendizagem precisa considerar o sentir