ARTIGO
Adolescentes do 3º ano constatam os desafios deste momento pandêmico. Já uma neuropsicóloga e um diretor pedagógico ressaltam o aumento da ansiedade nessa faixa etária e a importância do acolhimento
Publicado em 14/07/2021
Em meio à privação de aulas presenciais, cancelamento de formaturas e viagens, incertezas quanto ao vestibular e forçados a um isolamento social – sem contar o choque com as mais de 530 mil vidas perdidas pela covid no Brasil -, expectativas frustradas de um ano que seria marcado por rituais de passagem tendem a gerar um crescimento no quadro de depressão e transtorno de ansiedade nos jovens do ensino médio. “É significativo o aumento pela procura de serviços de saúde mental, que cresceram cerca de 40% tanto no contexto clínico (busca maior em consultórios) como maior número de jovens diagnosticados dentro das escolas”, assegura Juliana Góis, psicóloga, neuropsicóloga, pedagoga e orientadora educacional no Colégio Rio Branco, em São Paulo.
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Esses jovens sempre tiveram uma questão de ansiedade, de estresse, em períodos de vestibulares e com a pandemia isso amplificou. O estresse é algo relacionado a um evento real: fechamento recorrente das escolas, pandemia durando mais de um ano, familiares doentes e mortes. Já a ansiedade é a dificuldade de lidar com algo que é desconhecido: quando chegará sua vez para tomar a vacina, incerteza se a aula será presencial ou não e se está certo sobre sua escolha profissional, por exemplo.
A convicção de Renir Damasceno, diretor pedagógico e um dos mantenedores e sócio do Colégio Amadeus, de Aracaju, Sergipe, e presidente da Federação dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de Sergipe (FENEN-SE), é que a grande dificuldade dos alunos é a organização dos estudos. “Uma estratégia de estudos adequada tem de ter hora para acordar, hora para dormir, uma alimentação saudável, prática de uma atividade física para eliminar toxinas (nem que sejam toxinas emocionais e psicológicas). Isso tudo ajuda bastante na maratona que é o 3º ano do ensino médio”, arremata Damasceno.
“O que tem me ajudado a lidar melhor com o estresse que eu sinto no final do dia, pelo montante de tarefas acumuladas, são os exercícios físicos, que na pandemia passei a praticar mais. Meus pais ficaram internados, já estão bem, mas lidar com a angústia e a tensão daquele momento foi muito difícil e a atividade física me trouxe um certo conforto”, expressa Maria Beatriz Venturi, de 17 anos, aluna do 3º ano do ensino médio no Colégio Palmares, capital paulista.
A necessidade de modelos externos é florescente nessa idade, pois o principal exemplo para o adolescente é o próprio par. Discussões quanto ao que fazer, busca por referências, no geral, vêm de fora. Não que os pais não sejam importantes, mas o afastamento revela a necessidade de outros modelos. É a idade dos ídolos, de falarem o que eles têm em comum, é quando estudam juntos e conversam com quem está na mesma situação. Compartilham suas angústias com o colega que é sua referência. E a pandemia privou-os desse processo positivo, de identificação com o outro, deixando no lugar um sentimento de vazio.
Nesse momento, estabelecer uma rotina pode preservar uma convivência mais saudável dentro de casa, que passou a ser a sala de aula também. “Pensando na saúde mental, criar uma rotina com certa flexibilidade e sem rigidez funciona melhor. Mais do que nunca, devemos ter um olhar mais humano, porque a regra de uma casa não é a mesma da outra. A gente tem de pensar que agora o processo é muito mais individualizado. Há os diferentes estilos familiares e conviver mais tempo em família não significa que está mais próximo da sua família necessariamente. Pode ser tanto algo muito positivo como um fator de estresse”, desenvolve a neuropsicóloga Juliana Góis.
“Eu precisava cuidar dos meus irmãos que também estavam tendo aulas online, cuidar da casa, do almoço, as tarefas se acumularam num ambiente só” desafoga Clara Tavares de 17 anos, que concluiu ano passado o 3º ano do ensino médio no IFAC (Instituto Federal do Acre).
Mas, na contramão, a pandemia ocasionou alterações na rotina desses adolescentes, como hábitos de sono e alimentares (sobrepeso), já que podem passar o dia “beliscando”, porque está tudo ao alcance e isso acaba esbarrando na autoestima. “Uma coisa interessante no retorno para o presencial foi a preocupação com a imagem. Embora sempre incentivados a ligar a câmera nas aulas remotas, esses alunos ligavam a câmera apenas quando julgavam uma situação ideal, ou seja, quando estavam satisfeitos com sua imagem”, avalia a neuropsicóloga.
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Hoje há dois extremos com os jovens: aqueles que estão muito assustados com tudo o que está acontecendo, ou seja, quando sair de casa transformou-se em algo potencialmente assustador, levando-os a uma ansiedade e resistência muito grandes. Estes não se sentem seguros para voltar às aulas devido ao medo de contrair a doença. Nesse caso, deve-se ter atenção para a já conhecida “Síndrome da Gaiola”, em que os meninos e meninas, diante da possibilidade de sair tendo a “gaiola” minimamente aberta, como passarinhos recuados, negam-se a voar.
Do outro lado, o extremo: “Eu quero viver o 3º ano”. São aqueles que fazem festas, aglomeram-se e têm dificuldade em lidar com as regras. É um grupo que necessita de uma constante conscientização de que a pandemia ainda está presente. Nesse caso, os adultos devem mostrar o quanto sabem que é importante para eles viverem essa fase, mas que este momento atual terá de ser vivido e atravessado de maneira diferente.
O que se discute hoje é que a escola tem de dar ao aluno a sensação de pertencer a algum lugar, com ênfase para os estudantes do 3º ano do médio. Sendo assim, o acolhimento deve ser a principal preocupação dos educadores. É função de todo colégio preparar para o vestibular, mas a escola deve ter um olhar para o jovem como um todo e para as famílias também. E validar o que eles estão sentindo, porque é verdadeiro. “A estratégia é ter equilíbrio. Não estamos vivendo um 3º ano em 2021 típico; é um ano ainda com muitos desafios e o maior deles é ter a flexibilidade do professor, a flexibilidade da família e manter o aluno motivado”, considera Juliana Góis.
“Tá todo mundo no mesmo barco, então, não é que eu preciso tirar uma nota específica para entrar na faculdade. O que eu preciso é ir melhor que os outros. Se todos têm a mesma dificuldade, então isso não é o fundo do poço. A concorrência, infelizmente, será menor para nós, porque os alunos das escolas públicas este ano estão despreparados, nos colocando num cenário privilegiado”, deduz a estudante Maria Beatriz, do Palmares.
Mesmo antes da pandemia, o Colégio Uirapuru, situado em Sorocaba, São Paulo, já estava passando por uma transição, com uma parte dos seus livros tornando-se digitais. Em 2019, o colégio disponibilizou, por exemplo, Chromebooks para alunos do 8º ano ao ensino médio. O livro de ciências já era todo virtual, numa plataforma chamada Geekie One, com abas de conteúdos, exercícios, textos, enfim, uma adaptação que já estava em andamento. A partir de 2020 os Chromebooks foram substituídos por Macbooks.
“Há um aplicativo chamado QMágico da plataforma Eduqo, específico para resolução de exercícios. A plataforma tem várias opções para reduzir as possibilidades de ‘cola’, como limite de tempo, informa se você saiu da aba de exercícios e quanto tempo ficou em cada questão. Utilizamos outra plataforma chamada Pontue, esta exclusiva para redação, com corretoras da própria Pontue que devolvem a redação corrigida com todo o feedback. Existe a opção também de a corretora ser a própria professora da escola”, enfatiza Manuela Aprá Gomes Pinto, de 17 anos, do 3º ano do ensino médio da referida escola. Logo que as aulas presenciais foram interrompidas, o Uirapuru iniciou imediatamente com as aulas remotas.
Já a aluna do IFAC, Clara Tavares, não desfrutou de um panorama tão ideal. “A realidade que a gente tinha na escola, mesmo no modelo presencial, é a de que alguns professores, apesar de se tratar de um instituto de tecnologia, não tinham preparo para lidar com aquele momento, de aulas remotas e utilização de aplicativos. Já tínhamos o sistema SIGAA (Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas), muito utilizado por institutos e universidades, para envio de trabalhos para os professores, consulta e lançamento de notas e era por ali, que nos comunicávamos.”
Tavares desabafa que, após a interrupção das aulas presenciais, o modelo remoto demorou para acontecer. “Foram muitas jornadas pedagógicas realizadas pelos professores e toda a equipe gestora para se prepararem para aquele momento. E desde o dia 17 de março de 2020, quando as aulas foram suspensas, fomos reiniciar o ano letivo apenas em setembro, ou seja, eu fiquei seis meses sem aulas”, lamenta Clara Tavares. O IFAC foi a escola que retornou com as aulas remotas mais tardiamente no estado do Acre.
A jovem afirma que essa demora não foi simplesmente para organização das aulas remotas, mas sim pelo mapeamento que o instituto precisou fazer para enxergar a realidade desses alunos, se teriam ou não condições de assistir às aulas. A saber, o problema foi que essas pesquisas para identificar estudantes em situação de vulnerabilidade eram online: “Como eu vou saber se o aluno tem internet em casa, através de uma pesquisa online?”
Esse foi um ponto que a própria aluna levantou na época, pois ela também fazia parte dessa articulação por ser presidente do grêmio estudantil. Foram feitas, então, visitas presenciais nas casas desses alunos, pelo Núcleo de Assistência Estudantil, levantados alguns auxílios (Auxílio Emergencial para alimentação, projeto Alunos Conectados, no qual o MEC forneceu chip com internet para os alunos e compraram cerca de 800 Chromebooks e modems para os estudantes que precisassem).
Por fim, Tavares e sua família fizeram um sacrifício enorme para pagar um cursinho particular, por sentir-se despreparada para ingressar no ensino superior.
“O 3º ano do ensino médio é trabalhoso porque se trata de uma série revisional. Todos os assuntos do ensino médio são revistos, mas ainda assim temos estimulado os professores a abrir espaço para perguntas e debates, aumentando a interação entre alunos e educadores, quando já constatado que o modelo de aula expositiva não mantém os alunos motivados no remoto”, ilustra o diretor pedagógico Renir Damasceno.
“O colégio Palmares é conhecido por ter um método muito tradicional, dando importância para uma prova trimestral com grande peso. Com a pandemia e as aulas remotas, passaram a valorizar as etapas de aprendizagem e a avaliar os processos (trabalhos, provas menores e atividades avaliativas), dando menor peso para uma única prova. O aluno vai sendo avaliado a longo prazo, o que é mais justo”, crê Maria Beatriz.
“O que temos observado nos últimos anos é que a geração dos adolescentes de hoje possui pouca resistência à frustração. Muitos pais têm dificuldades em deixar que seus filhos enfrentem frustrações, com receio do sofrimento que pode vir dessas experiências e isso acaba privando os jovens de desenvolverem a autoestima”, lastima Damasceno.