NOTÍCIA
Plano Nacional de Educação, que orienta a educação brasileira, caminha com alguns avanços importantes, mas ainda há muito trabalho a ser feito até 2024
[Matéria de capa da edição de setembro/2020]: Do prazo de dez anos para o cumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE), já se passaram quase seis. Com a maioria das 20 metas ainda por cumprir, o país se encontra frente a um duplo desafio: precisa a partir de agora acelerar as melhorias da educação, o que já vem se provando difícil em tempos normais, e fazer tudo o que falta durante uma época de pandemia, e no período de recuperação pós-pandemia.
Embora os obstáculos a se vencer sejam imensos, não se pode negar que houve avanços em áreas importantes, sobretudo quando se trata da inclusão de crianças na escola. Para toda a sociedade, o momento é de se trabalhar para consolidar e expandir as conquistas.
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O Plano Nacional de Educação (PNE), em vigência desde junho de 2014, levou mais de quatro anos para ser construído. Foi feito de forma participativa, com contribuições de diversos segmentos sociais, trazendo uma perspectiva humanizadora, inclusiva e cidadã. Oficialmente com o peso de lei, o plano tem proposta expansionista, orientando que o sistema de ensino seja de fato universalizado. Além de universalizar o atendimento, pretende melhorar a qualidade e, para isso, trata de temas como a formação de professores, acesso ao ensino superior e financiamento da educação.
Sempre com um olho nos resultados positivos até agora e outro no que ainda falta a ser feito, Ivan Siqueira, presidente interino do Conselho Nacional de Educação, ressalta a inclusão das crianças de 4 e 5 anos na escola como uma das grandes conquistas destes últimos anos. Faz parte da meta 1 do Plano: ter todas as crianças a partir dos 4 anos na educação infantil. “Devemos comemorar termos 93,8% das crianças entre 4 e 5 anos na pré-escola, mas ainda faltam 6,2 pontos percentuais”, afirma.
O maior destaque para essa meta deve-se ao fato de que somente em 2014, com a publicação do PNE, essa etapa da infância passou a ser incluída como alvo das políticas públicas de educação. Antes, a lei obrigava a matrícula e se preocupava com a qualidade apenas para crianças a partir dos 6 anos.
Siqueira, que também é professor da Universidade de São Paulo (USP), lembra que, mesmo quando os números gerais parecem muito positivos, é preciso olhar com atenção para os “pequenos” porcentuais de excluídos. Além do total em si, é importante avaliar a evolução do país, e onde estão os buracos.
A universalização do ensino fundamental – meta 2 – representa bem o que pode significar uma falsa sensação de sucesso. O Brasil tem 98% de crianças de 6 a 14 matriculadas, mas em 2014 o número era de 97,1%. Houve apenas um ponto percentual de avanço, demonstrando a dificuldade mesmo em setores onde já partimos de um bom patamar.
O presidente do CNE defende que essas crianças não podem ser esquecidas, ainda que sejam “apenas” 2%. “É motivo de celebração 98% de matrículas na faixa entre 6 e 14 anos, que corresponde ao ensino fundamental. Por outro lado, também devemos questionar quem ainda está fora, dando corpo à estatística – os mais pobres e os que mais precisam ser atendidos por essa proteção. E naturalmente, devemos refletir sobre a qualidade, aspecto fundamental que deve nos preocupar”, diz.
A meta 3 do PNE também diz respeito à inclusão no sistema de ensino, mas para os adolescentes de 15 a 17 anos, que deveriam cursar o ensino médio. Mais uma vez, os números totais não parecem tão ruins, mas o avanço tem sido muito lento. A melhoria foi de apenas 3,5 pontos porcentuais, para 92,5%. Outro problema é a grave distorção idade-série. Muitos dessa faixa etária estão na escola, mas ainda no fundamental.
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Com mais crianças e jovens incluídos na escola, em todas as etapas, o tempo médio de estudo da população vem subindo – meta 8. A escolaridade média da população de 18 a 24 precisa chegar a 12 anos até 2021. Já houve uma elevação de 2 anos, de 8 para 10. Ainda faltam mais dois. Também tem crescido o número de ingressantes no ensino superior; a meta 12 prevê chegar a 50% entre quem tem de 18 a 24 anos. A taxa bruta de matrículas já aumentou de 35% para 44.4%.
Garantir que todos frequentem a escola é o primeiro passo para que tenham a possibilidade de aprender. Mas é preciso ir além. Se as três primeiras metas do PNE se ocupam de colocar as crianças e adolescentes dentro da escola, há uma série de metas que tratam da qualidade da educação, como alfabetizar na idade certa – meta 5 -, melhorar o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) – meta 7. Embora o país tenha apresentado evolução nesses dois casos, o processo caminha vagarosamente.
“No ponto da qualidade a gente tem de ser ainda mais crítico do que na questão do acesso. Temos avançado na qualidade, e de forma consistente, mas sobretudo nos anos iniciais do fundamental. Nos finais também, só que de forma mais lenta. No ensino médio, temos observado uma estagnação – e num patamar muito aquém do desejado”, analisa Caio Sato, coordenador do núcleo de inteligência do movimento Todos Pela Educação. Mesmo nas etapas com melhoras, o olhar para o Brasil como um todo pode esconder problemas sérios. “Sim, o avanço de acesso aconteceu, mas com discrepâncias regionais ou de perfil socioeconômico.”
Há um conjunto de metas do PNE que tratam das formas para se alcançar a qualidade, como melhorar formação docente – metas 15 e 16. Quando se trata de professores com diploma superior, os indicadores têm avançado ano a ano de maneira consistente, mas ainda falta muito para os 100% (eram 85% em 2019). E falta mais ainda para que os docentes tenham formação na área em que lecionam (no ensino médio eles são somente 20%), assim como para que todos tenham acesso à formação continuada (eram 38%) .
Na mesma tendência, a valorização salarial dos professores – meta 17 – vem apresentando melhoras, mas com um longo caminho pela frente. Os docentes passaram a receber 71% dos rendimentos de profissionais com a mesma escolaridade; em 2014, era 66%.
Outra forma apresentada pelo PNE para se chegar à qualidade é a ampliação da oferta de ensino em tempo integral para 50% das escolas públicas – meta 6. “É algo que está fortemente relacionado à melhoria de resultados – e nosso patamar ainda está muito distante do ideal”, diz Sato. Segundo dados compilados pelo Todos Pela Educação com base no Censo Escolar, no ano passado havia apenas 33% de instituições públicas ofertando o tempo integral.
Nesse caso, as perspectivas são de estagnação para os próximos anos, porque aumentar o ensino em tempo integral exige mais recursos financeiros, o que já parecia difícil antes da pandemia. “Vejo até risco de retrocesso, porque é uma política pública cara. No momento, com volume de receitas caindo, fazer investimentos para o tempo integral vai ter um custo de oportunidade maior.”
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Os temores são que a pandemia da covid-19 venha a dificultar até mesmo a universalização, ainda nem alcançada. “Não dá para cravar que vai ser pior. Mas os avanços que tivemos, seja de acesso, seja de aprendizagem, são conquistas recentes da educação. Portanto, são mais sujeitas a interrupções ou evoluções, em comparação às que estão sedimentadas. Se não conseguimos universalidade em outros tempos, com a crise econômica e o desengajamento com a escola, o avanço que tivemos pode ser comprometido”, diz Sato.
Para ele, minimizar os prejuízos da pandemia na educação passa por políticas públicas energéticas, com um bom acolhimento aos alunos e um programa de avaliações diagnósticas no retorno.
Mais uma vez, refletindo a desigualdade nacional, os mais pobres e vulneráveis é que vão sentir os impactos “mais devastadores”, segundo o presidente do CNE. “Sabemos que certamente teremos aumento das taxas de abandono, exatamente entre aqueles que mais precisam da escola. A crise econômica se superpõe à educacional. Muitas famílias perderam suas fontes de renda, o desemprego e a informalidade se avolumam a cada dia. Na verdade, toda a economia cambaleante do país sofreu mais um duro golpe com a pandemia. E ainda há as perdas de vidas humanas, que são expressivamente maiores entre os mais pobres, aqueles que não conseguiram a necessária proteção social. Quando grita a necessidade de vida ou de morte, educação pode parecer item menor, mas na sequência inevitável da vida, essa impossibilidade de escolha cobrará o seu preço à sociedade brasileira”, afirma Siqueira.
Meta 13 – 75% de professores no ensino superior com mestrado ou doutorado – atingida em 2016
Meta 14 – Os 60 mil mestres por ano foram alcançados em 2016. Para os 25 mil doutores, faltam apenas mais 2 mil
Das 20 metas, há uma já alcançada e outra muito perto do patamar esperado para 2024; são as metas 13 e 14. Apesar das notícias positivas vindas desses fronts, elas sozinhas fazem pouca diferença na educação nacional como um todo. “Ainda que importantes, esses números são insuficientes para o desenvolvimento do país, e mais ainda se compararmos a países desenvolvidos ou em desenvolvimento, mesmo aqui na América Latina. Existe, ainda, a preocupação da necessária proporção de formados por áreas de conhecimento. Nesse quesito, temos carência nas áreas mais competitivas de desenvolvimento de ponta ou inovação”, afirma Ivan Siqueira.
Meta 4, incluir alunos com deficiência no ensino regular
Meta 18, oferecer plano de carreira para os professores
Meta 19, ter a gestão democrática das redes de ensino
Meta 20, aumentar investimento público direto na educação
É quase um contrassenso estabelecer metas que não são acompanhadas por nenhum indicador confiável. Nessas metas, o país falhou no primeiro passo, que é o monitoramento da situação e da evolução, avaliam os especialistas. “Sobre a educação especial, por exemplo, nem temos indicadores, logo, como podemos pensar em metas?”, questiona o presidente do CNE.
Para Sato, a falta de métricas no PNE implica falta de visibilidade e de capacidade de organização, seja da administração pública, seja da sociedade de forma geral. “A gente não consegue ganhar conhecimento para montar políticas públicas, assim como fica difícil articular uma pressão social para cobrar resultados atingidos”, diz.